terça-feira, 26 de agosto de 2014

FORTALEZA IGUALZINHA A PARIS!...

          O brasileiro é tudo. É médico, é advogado, é técnico de futebol... Observe-se que esse entendimento do tudo e de tudo é, como acabei de dizer, próprio do brasileiro. Diria até que ele já nasce sabendo a tabuada da raiz quadrada e a solução da equação do décimo primeiro grau. Ou seja, o brasileiro é, de todos os povos, o mais capaz e o mais inteligente. E mais. O brasileiro, quando viaja, seus meros e parcos 10 a 15 dias percorrendo zilhões de lugares, faz profunda análise sociológica das sociedades com as quais tem contato. Foi o que deduzi a partir da viagem recente de um amigo.
          (Não sei se diga quem é o amigo, mas minha vontade é confessá-lo sem dó nem piedade. Será que digo? Não sei... Acho que não direi... Pensando melhor, não há porquê omiti-lo. É bem provável até que ele queira que suas análises ganhem o mundo e sejam do conhecimento geral. Pois bem: - é o meu amigo João Milton Cunha de Miranda.)
          Eis que o João subiu aqui num avião e cruzou o Atlântico. Foi bater na capital francesa. Após algumas poucas horas, em seguida a um tour pela belíssima cidade, saiu o João a publicar, na rede social, seu parecer sobre a urbe.  
          "Paris deve ser a cidade no mundo que mais se furta. Muitas pessoas com muitas histórias de subtração de dinheiro por mágicos, ninguém sabe, ninguém viu. Apesar de alguns amigos postarem conceitos de cidadania do Brasil e da França, não vou entrar nesse mérito por questões históricas e óbvias.(?) Mas me causou extrema decepção social ver a França, desenvolvida e rica, com bandos de pedintes, moradores de rua e ladrões". (A interrogação é minha dada a completa incapacidade de entender o que quis dizer o amigo.)
          "Os prédios e os telhados são bonitos e maravilhosos, mas a cidade passa por um processo social complicado, eu diria irreversível"! (Novamente?)
          "Semana passada postei sobre o meu desapontamento com a quantidade de moradores de rua e pedintes de Paris, alguns amigos especialistas em assuntos franceses divergiram da minha análise, fato que não tem o menor problema, mas coincidência ou não a França acorda com uma reforma ministerial que atinge diretamente a área econômica"!
          A rede social é, como se costuma dizer, um espaço democrático, onde todos dizem de tudo e opinam sobre tudo. Assim, alguns amigos de João não se contiveram e fizeram contribuições à sua "análise".
          Certa senhora disse: –"... e fedorentos (referindo-se aos franceses), pois não gostam de tomar banho; por isso os perfumes são os melhores do mundo. Todos os turistas comentam que os franceses fedem..." 
          Outro senhor atalhou: –"É isso aí, João Milton, precisa viajar pra acabar com essa basbaquice de dizer: ISSO É BRASIL.(?) Às vezes o infeliz não saiu nem do Ceará..."(Novamente a interrogação se deve à minha incapacidade de entender.) 
          E, para terminar, o João me saiu com essa pérola: –"Na verdade, eu acho que vi muito pouco francês nativo, franceses africanos e muçulmanos você perde a conta!"
          Assim, ao ler o arremate de meu amigo uma espécie de catatonia se apoderou de mim. Os jornais não haviam anunciado a diáspora francesa; a imprensa televisiva idem.(Até então, dizia o meu amigo Olimar Carneiro, a diáspora dos sobralenses só perdia para a diáspora judaica. A se confirmar a francesa, superará, sem dúvida, aquela.) Até agora estou a me perguntar aonde terão ido os franceses nascidos em França. (Observe o leitor que aqui a dúvida sobre quem são os franceses nascidos e não nascidos em França não foi suscitada por mim, mas pelo João. Eu, em minha santa ignorância, julgava que o óbvio era que quem nasce na França é francês.) Ficamos todos sabendo, então, que quase não há mais franceses em Paris, já que o João quase não viu nenhum deles por lá. Já, já bato o telefone para o meu amigo Dennys Goudin, francês da gema e habitante de um lar à Rue Guillaume Tell no 17éme arrondissement, para saber se está vivo e onde se meteu.
          Ora, não entremos a falar de franceses e da completa e insana tentativa de falar mal de Paris. A análise de meu amigo, que julga que a cidade "passa por um processo social complicado", expõe, isso sim, um fragoroso e descarado Freudian slip porque, se não sabem, as cidades que estão a passar, de fato e sem a menor sombra de dúvidas, por um "processo social" complicadíssimo são as nossas. Embora o amigo tenha se valido de uma expressão pra lá de ambígua para tentar dizer que o parisiense está intranquilo, quem está apavorado é o fortalezense; quem vive enclausurado em casa é o fortalezense; quem é vítima contumaz de assalto e não de furto é o fortalezense; quem é frequente vítima de latrocínio é o fortalezense; quem enfrenta um trânsito caótico sem alternativa de transporte público de boa qualidade é o fortalezense; quem se mata nas periferias abandonadas, obscuras e escuras é o jovem fortalezense; quem consome e vende crack a céu aberto é o fortalezense; quem dispõe de uma única e mísera linha de metrô é o fortalezense... 
          Os furtos de Paris são o prejuízo mais grave que o incauto viajante vai experimentar nas gostosas ruas da Cidade Luz. Perto de nossas inúmeras e incontáveis mazelas, eles são, ou serão, apenas mais uma história para contar aos amigos e familiares. E, por uma obra e graça do destino, nem essa o João vai trazer para nos relatar. 
          O diabo é que me espicaça aqui a certeza de que o João estava doido para ser furtado em Paris apenas para apontar seu acusador dedo ufanista e se esgoelar dizendo: –"Viram? Paris é igualzinha a Fortaleza!!" E haveria, na rede social, uma penca de outros policarpos quaresmas a lhe fazer coro: –"É igualzinha! É igualzinha! É igualzinha!..."

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