Hoje, relendo alguns textos, descobri como é tênue a linha que separa o que se quer dizer do que não se quer dizer. Aconteceu comigo. Quis dizer branco e disse preto. Ao precipitado fica parecendo que seria um sintoma, um sinal de debilidade mental, de uma fraqueza ou distúrbio na concatenação das idéias. Digamos que essa possibilidade exista. Assumamos, por que não? Existe. Ocorreu comigo, devo repetir.
Eu dizia que os deprimidos são, antes de tudo, oprimidos pelo inconformismo. Não era o que queria dizer. Queria dizer justamente o contrário! De fato, os deprimidos rendem-se ao conformismo, derrotam-se de véspera. Era precisamente isso o que eu tencionava dizer. Essa era minha vontade. No entanto, pus à pena o oposto.
Que lição se pode tirar dessa exuberante traição da vontade do ser pelo próprio ser? A princípio pensei em culpar a vontade em si. Ora, a vontade tem sentidos e querer que se põem em conflito já no pai dos burros. Eis o Aulete sobre a vontade: capacidade de querer e de escolher, de se impelir para a ação, afirmação ou recusa, subjetiva ou objetiva; propensão, tendência. Por outro lado, no mesmo Aulete sobre a vontade: capricho, impulso. Vejam que o exercer de uma escolha presume ação pensada e refletida à luz das razões que movem o indivíduo, ao passo que o impulso e o capricho são escravos do temperamento, da índole e do gênio do ser. Uma é a vontade proativa, aquela que pondera, analisa e só então decide; a outra, a vontade reativa, é automática e, por isso, leviana. São noções opostas sobre a mesma entidade. Conclui-se, então, que a vontade pode, às vezes, guiar o ser aonde não quer ir. Teria sido o caso comigo. O impulso, tamanha a ânsia de dizer, me fez “falar” o contrário.
Que outro responsável seria senão a intensidade do sentimento de vontade? Que outro culpado? Digamos que o ser dono da vontade, eu, no caso. Mas, o que sou senão a soma de todas as minhas vontades? Também está no Aulete a vontade arbítrio, que seria aquela que faz uso da capacidade de escolher, “sentimento que leva as pessoas a se comportarem conforme essa capacidade”. Tudo em mim é vontade. Toda minha vida, meus atos e desatinos são produto da vontade. Enquanto respiro, escolho e decido. Se não decido já decidi, se não escolho já escolhi.
Ou, ainda o objeto da vontade, o dizer a ideia e a própria ideia seriam os culpados de meu engodo semântico? É possível que, sim, também o objeto é culpado. Não é ele, afinal, o que queria que vissem, que soubessem, que apreciassem? Queria que soubessem que os deprimidos são oprimidos pelo conformismo. Talvez; e aí surge a avalanche da vontade de também dizer de meu inconformismo com o aparente determinismo da vida. Sai tudo junto numa mesma frase, parecendo a mesma ideia sem o ser de fato.
Então, agora, venho em alto e bom som explicar porque às vezes se escreve o inexplicável. Às vezes dizemos coisas que não queremos dizer e acabamos por dizer o que queremos de forma velada e incompreensível. E tudo por obra de uma enorme vontade que nos aperta o peito. É preciso tê-la subjugada se quiser ser compreendido. Caso contrário, dirão que escrevemos o que não escrevemos, tendo de fato escrito.
Fernando Cavalcanti, 16.11.2010
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