Afirmaria
sem medo de errar: – o coco do Carlinhos é o mais barato da
Beira-Mar. Dos parcos 3 mil metros de extensão da Avenida Beira-Mar,
é o Carlinhos quem vende o coco mais barato. Digamos de uma vez, a
fim de que não reste nenhuma sombra de dúvidas – o coco do
Carlinhos custa dois reais. (Escrevamos a cifra a fim de que ela
permaneça impressa na memória visual do leitor: R$ 2,00.)
E
não somente na Beira-Mar, mas em seus arredores é também o
Carlinhos o campeão do preço baixo. Seus concorrentes – todos,
sem nenhuma exceção – cobram 50% a mais no coco: – três reais
(R$ 3,00). De forma inversa, a fim de que se coloque esses
concorrentes em evidência, o Carlinhos vende seu coco com um
desconto de 33,33% em relação ao preço praticado pelo cartel dos
vendedores de coco da Beira-Mar. (Suspeito que esse cartel se estenda
por toda essa Fortaleza e o coco do Carlinhos seja o único
vendido ao menor preço da cidade.)
Já
supus inúmeras razões para essa exorbitante diferença, mas todas
elas caíram por terra. Cheguei a pensar ser menor o coco vendido
pelo Carlinhos. Sendo menor, teria menos água e, portanto, custaria
menos. Pura e vazia suposição – o coco do Carlinhos tem água em
volume igual ao do coco dos outros vendedores. Pensei, por outra, que
seu custo para vender fosse menor. Pura balela. Ele traz o coco
diariamente em sua Kombi inteiramente adaptada para transportar os
refrigeradores repletos de coco, com a gasolina a quase R$ 4,00. Ao
final, concluí que seus custos são iguais ou até um pouco maiores
que o de seus concorrentes. Assim, permanece a dúvida – por que
diachos o Carlinhos vende seu coco a um preço 1/3 menor?
Em
verdade, talvez a pergunta não fosse essa. Talvez a pergunta mais
adequada seja: – por que todos os vendedores de coco
da Beira-Mar vendem um coco
tão caro? Prometo aos
açodados leitores pesquisar mais a fundo a questão a fim de
esclarecê-la. Enviarei o meu amigo Ponciano, mais chegado ao
Carlinhos, a que lhe inquira um pouco mais sobre seu negócio de
venda de coco.
Quem sabe ele não descobre seu segredo?!...
Quanto aos demais vendedores, em bem maior número, nada vejo que
possa fazer a fim de arrancar deles a explicação. Está claro que
estão todos alinhados na não-concorrência, aquele tipo de
comportamento que mais agrada boa parte do empresariado brasileiro.
Concorrência significa ameaça ao negócio. Para sobreviver diante
de tal ameaça há que se reinventar o negócio a fim de criar
diferenciais que o tornem mais atraente aos olhos do cliente a um
preço justo. O mais barato nem sempre é o melhor.
A
outra possibilidade de sobrevivência é justamente o que fazem os
vendedores de coco
da Beira-Mar – igualam-se em tudo, a
começar pelo preço. Essa equalização garante que todos
sobrevivam, nem que seja ao
custo de um serviço medíocre e pouco atraente. Mas, quem se
importa? Ninguém se importa. O brasileiro gosta de dinheiro, como
todo mundo. O que ele não gosta é de ter que trabalhar duro para
obtê-lo.
O
fato é que o Carlinhos já vende seu produto mais barato
há vários anos. Quando o
conheci,
temi por sua vida. Sabe-se lá... Hoje em dia tudo é possível. A
máscara do brasileiro caiu. Descobriu-se, ao longo dos últimos
quinze anos, que o brasileiro é um dos povos que mais odeia
atualmente. O Carlinhos, ao vender seu coco
barato, poderia pôr em risco
o cartel formado por seus concorrentes. Felizmente, o tempo
demonstrou que eu estava errado. A venda do Carlinhos em nada afetou
a de seus concorrentes, de modo que eles não deram a mínima.
Seguramente não há interferência do Carlinhos no cômputo geral.
Agora
vejam como percentuais servem muitas vezes a impressionar. Em outras
palavras, o percentual é uma operação matemática que serve ao
engano. Vejamos um exemplo.
Quanto
é 100% de 1? Resposta – 100% de 1 é 1. O algarismo 1 representa
uma pequena quantidade. Se vendo em produto a R$ 1,00 e majoro seu
preço a R$ 2,00, pratico um aumento de 100%. O diabo é que R$ 1,00
é um valor irrisório, não fará falta ao bolso de muita gente.
Dirá alguém que quem paga R$ 1,00 paga R$ 2,00, e provavelmente
terá razão. Da mesma forma, quem dá R$ 2,00 por um coco,
não reclamará se der R$ 3,00. O aumento de R$ 1,00
no preço da fruta em nada afetou
o bolso do burguês frequentador da Avenida Beira-Mar. Antes de os
concorrentes do Carlinhos se importunarem com sua “concorrência
desleal”, os clientes não se importaram com essa abissal
diferença percentual, de
modo que os concorrentes permanecem felizes até hoje e o risco de
vida do Carlinhos se dissipou como uma tênue névoa que
se deixa espalhar.
De
minha parte, o que agora me preocupa são os chifres que lhe pôs a
mulher do Carlinhos. Sim, soube pelo Ponciano. O homem está
arrasado, numa tristeza cósmica e sofrente. Entre o suposto risco de
vida que jamais se concretizou e os chifres declarados, suspeito que
o Carlinhos preferiria o primeiro. É melhor um morto honrado que um
vivo achincalhado. Será que o Carlinhos está pensando em se matar?
Nenhum comentário:
Postar um comentário