Recentemente
tenho apelado a Santo Epitácio. Súbito, uma dúvida me assalta: – existe Santo
Epitácio? Digo, há na lista dos beatificados dos católicos o Santo Epitácio? Fui
olhar.
Não
há. Nem nos católicos nem em qualquer outra igreja. E por que cargas d’água fui
eu me valer de santo Epitácio? Acho que foi a lembrança de um primo com esse
nome e que vive alhures.
A
bem da verdade, não acredito em santos. Numa impressionante e intrigante
coerência entre seus vários livros, a Bíblia Sagrada não se refere a santos; justamente porque, noutra
espantosa coerência, ela ensina a ressurreição no tempo designado e não a vida
imediata após a morte. Jesus Cristo, o personagem central do cânon sagrado, é o
exemplo mais contundente e espantoso de tal ensinamento. Assim, a admissão dos
santos é absolutamente incoerente com os ensinamentos do Livro. Há, até, a
história de padre missionário em Sobral que, diz-se, alardeava aos quatro
ventos: –“O santo é um defunto privilegiado!” Bem se vê que faltava ao referido
sacerdote a devida fé que sua igreja exigia.
Com
efeito, devo admitir, meu vocativo ao santo inexistente era uma galhofa, um
chiste, uma pilhéria. Em casos onde o absurdo se apresenta ou se insinua à concretização, a invocação de outro absurdo vem bem a calhar. Por exemplo,
quando o meu amigo Sérgio Moura vem de lá com suas previsões apoteóticas. De tanto
se aventurar às adivinhações sobre o porvir, apus-lhe uma alcunha. Passei a
chamar-lhe de “Madame Serjão”, e o imaginei sentado a uma enorme mesa redonda usando
um felpudo turbante cor-de-rosa e tendo à sua frente uma esfuziante e reluzente
bola de cristal. Há quem duvide ser Madame Serjão capaz de fazer uso de
acessório tão comprometedor – falo do turbante –, mas é exatamente assim que o
imagino ao momento de consultar o além. (A imaginação é minha e imagino como
quiser e bem entender! Em nosso mundo interior somos ditadores absolutos e
totalitários.)
O
caso é que Madame Serjão é um apaixonado pela política, seus desdobramentos e
sua extensa malha de possibilidades. É sabido de todos que o cenário político
brasileiro adquiriu atualmente um aumento exponencial nesse complicado tecido
de resultados possíveis, uns mais, outros menos prováveis de se materializar. A
toda hora e todos os dias fatos novos e novas provas descobertas na operação
levada a cabo pela polícia federal e pelo ministério público estampam as
páginas dos jornais e provocam os plantões dos noticiários televisivos. E nem
precisaria, já que Madame Serjão gasta quase todo o seu tempo aboletado defronte
à televisão a degustar a TV Câmara e a TV Senado; lê diariamente as colunas dos
principais comentaristas políticos do país; assiste aos telejornais das várias
emissoras pela manhã, à tarde e à noite; e, finalmente, veste o pomposo
turbante cor-de-rosa, senta-se defronte à sua resplandecente bola e recebe,
sabe-se lá de onde, as mais sigilosas e secretas informações sobre o que
acontecerá ao país em breve. Ato contínuo, vai Madame Serjão às redes sociais e
vaticina:
–“Dilma não
sai!”
Ou, ainda mais
terrificante:
–“O STF
absolverá Lula!”
Outro dia,
precisamente o dia em que saiu a liminar impedindo o ex-presidente de assumir a
chefia da Casa Civil do governo, Madame Serjão humilhantemente profetizou:
–“Não dou 2
horas para a liminar cair!”
Era de manhã.
Passaram-se 2, 3, 4, 5, 6..., 24 horas e a tal liminar não caiu. De fato, não
caiu até hoje. (Já se vão sei lá quantos dias.)
Foi assim
que passei a olhar Madame Serjão com certa desconfiança. Não por seu turbante
cor-de-rosa, que a cor ainda está na moda, mas por ter-se equivocado gravemente
numa de suas previsões mais relevantes. Por isso é que me invadiu a curiosidade de
ver-lhe pessoalmente a bola de cristal. Duvidei que fosse mesmo talhada em
vidro tão valioso quanto pensei ao início. Minha suspeita é que a bola de
Madame Serjão seja uma dessas que se vendem em lojas da 25 de março por cinco
ou dez reais. E olha que Madame Serjão prevê que o real irá se desvalorizar
ainda mais!...
Justamente
nesse ponto não tive como evitar o meu espanto e minha indignação. Quase que
automaticamente bradei:
–“Valei-me, meu santo Epitácio!”
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