Vejam que nada
tenho contra os jornais! Contudo, confesso: também nada tenho a favor. Se puser
à balança meu contra/a favor, o objeto se inclinará mais à esquerda. Minhas
razões: nossos periódicos adoram o sensacionalismo barato. Alguém dirá que
todos os jornais gostam do e praticam o sensacionalismo, e direi que o mais
barato e rasteiro sensacionalismo é a marca registrada dos nossos.
Por
exemplo, amanhã. Amanhã pelo menos um de nossos periódicos anunciará em
manchete de letras garrafais o desaparecimento de uma professora moradora do
bairro Luciano Cavalcante. Segundo consta, a jovem senhorita saiu às 6 horas de
ontem para ir ao trabalho e, após suposto contratempo com seu veículo, comunicado
por ela por volta das 07h30min, lá não apareceu nem voltou para casa. Às
08h30min teria avisado que chegaria atrasada à escola. Às 13 horas o noivo da
mulher já foi prestar queixa à delegacia. Faz, portanto, pouco mais de 24 horas
que ela “desapareceu”.
Não
sei se lembram que há pouco mais de dois ou três meses uma outra mulher, uma
jovem senhora mãe de família, saiu de casa para uma caminhada matinal e
“desapareceu”. A cidade inteira já se cobria de comoção prevendo um desfecho
funesto para o caso. Pensava-se tudo de ruim. Quando a polícia soltou seus cães
farejadores à caça da mulher, eis que ela apareceu sã e salva. Onde estava?
Aonde tinha ido? Ficou bem entendido ao final do episódio que as coisas não iam
bem entre ela e o marido, pois sim. A imprensa então suspendeu seus arroubos lucubratórios,
e esqueceu-se o caso. Um ou outro articulista, depois, escreveu sobre o drama
da mulher dando-lhe o viés apropriado e até emoldurando-o em ares romanescos e
reflexivos.
Agora
a infeliz quase coincidência nos traz a tona novo “desaparecimento”. Pergunto a
meus inúmeros consultores jurídicos: - já é o caso de se o considerar um
desaparecimento? ou é necessário que se passe um lapso maior de tempo para que
se o considere assim? Em seu portal o periódico dá conta de que são os
familiares em desespero que estão a divulgar o caso. E o jornal? Está fazendo o
quê? Dando uma forcinha, n’é? Ou estariam a espicaçar a veia mórbida do povo,
tangendo-o a já imaginar sangue e dor?
Estava
em Londres em maio passado e eis que me deparo com a manchete do Daily Mail do dia 26.05.2011: “Elderly
patients dying of thirst” (“Pacientes idosos estão morrendo de sede”). As letras
eram enormes, quase metade da capa. As nossas nem chegam perto. Tenho um exemplar
da edição comigo para quem duvidar. A matéria trazia o resultado de um
levantamento feito em 12 instituições do Sistema Nacional de Saúde britânico
que demonstrou que 3 delas negligenciavam “gravemente” cuidados básicos de
enfermagem para com os pacientes idosos, como dar-lhes de beber e até de comer.
Os médicos tinham que prescrever “dar água” aos pacientes, caso contrário as
enfermeiras não atentavam. E conclui a matéria: “a desidratação contribui
diretamente com mais de 800 mortes de idosos por ano, enquanto outros 300
morrem de desnutrição”. Manchetes anteriores diziam: “Neglect that shames
Britain” (“Negligência que envergonha a Grã-Bretanha”), de 02.12.2010; “Elderly
facing eviction from NHS beds” (“Idoso encara o despejo de seu leito do
hospital”), de 16.02.2011; e “We have forgotten our duty to the old”
(Esquecemos nossas obrigações para com o idoso”), da mesma data.
O jornal, então,
lançou uma campanha juntamente com a Associação de Pacientes conclamando o final
da negligência institucionalizada para com o idoso no sistema de saúde, e o
resultado foi que seus leitores ajudaram a levantar a quantia de 100.000 libras esterlinas,
doadas a instituições de caridade. Elas contrataram mais pessoas para ajudar a
cuidar dos idosos internados nessas instituições.
Dirão
que falo da Grã-Bretanha, um lugar do primeiro com jornal de primeiro mundo.
Exatamente – falo da Grã-Bretanha, um lugar do primeiro mundo com jornal de
primeiro mundo. No primeiro mundo acontecem descalabros, como se pode ver nesses
relatos. A diferença é o veemente viés de indignação do jornal e sua notável
proatividade para liderar uma mudança aliado a instituições vigilantes. E lá a coisa
não é de “faz-de-conta”, não. As mudanças ocorrem tão logo surja o clamor.
Estamos
na torcida a que o caso do desaparecimento da professora tenha um bom desfecho e
frustre a gana de nosso periódico fajuto. Ele está sedento para pôr o caso à página
policial. Uma vergonha.
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