quinta-feira, 12 de abril de 2012

Uma brincadeira de mau gosto


Vejam que ter opinião é a todos permitido. É uma “mazela” da democracia. Até aí tudo bem, tudo ótimo. O problema ocorre quando uma opinião vazia faz escola.
            Uma opinião vazia é exatamente isso: um concatenamento de idéias que redunda numa certeza pessoal baseado em idéias que não são idéias. Diria que são idéias vazias. (Ainda não consigo definir opinião vazia e idéia vazia, mas continuemos.)
            Vejamos o que diz o “pai dos burros”: que nada contém; destituído: espírito vazio de idéias; fútil. Então, opinião vazia seria aquela cujas idéias a embasá-la nada contêm ou são fúteis. Como diria o meu amigo Danúzio Carneiro, opinião vazia é aquela sem “fôlego teórico”. Eu diria mais. Diria que é aquela sem fôlego teórico e também sem fôlego prático.
Fomos presenteados na edição de hoje do jornal O Povo com um confronto de idéias em que fica patente o que seja uma opinião vazia (http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/confrontodasideias/2012/04/12/notconfrontoideias,2819204/fortaleza-e-uma-cidade-boa-para-se-viver.shtml). O referido confronto se dá entre o jornalista Gimar de Carvalho e a escritora e zineira Fernanda Meireles, tudo a propósito dos 286 de Fortaleza a ser comemorado amanhã. Foi perguntado a ambos: Fortaleza é uma cidade boa para se viver? O que se vê é um dos debatedores descrever a realidade do que é nossa cidade sem lançar mão de artifícios metafóricos e até de impressões pessoais, enquanto o outro surfa na maionese. Presumo que a prancha usada por este era daquelas em que até um velhinho subiria sem vacilar. É como se um dissesse que, por todas as suas mazelas e problemas sérios, a cidade é imprópria para o ser humano de bem. Em poucas pinceladas ele enumera tais e quais mazelas, e que são do conhecimento de todos. Não dá pra discordar. É fato, e contra fatos não há argumentos ou opiniões. Ao passo que o outro conclui pela maravilha que é viver aqui porque... e nenhum argumento com base na realidade oferece. Não há lastro em seus motivos.
Mas tudo se explica. Há quem goste do que não presta. Ou, por outra, há quem sinta o gosto do doce ao saborear o vinagre. Quem pode explicar tal idiossincrasia? Por isso as opiniões. Por exemplo, o que disse a senhora Fernanda Meireles? Disse o seguinte, logo ao início de sua preleção: “Gosto de morar em Fortaleza porque posso passar o dia inteiro com uma camada fina de roupa e vai ser bom, não vou perder luvas e cachecóis pela rua.” Perceberam? A profundidade do que ela falou é daquelas, como diria Nelson Rodrigues, que uma formiguinha atravessaria tranquilamente com água pelas canelas. Vejam que onde se usam cachecóis e luvas os mesmos podem ser encontrados facilmente após perdidos, já que lá ninguém há de mexer nem se apoderar do que não é seu. Terá a jovem senhora esquecido esse detalhe, com certeza, como esqueceu também de mencionar que por aqui não é preciso que se percam os objetos pessoais – há descuidistas à larga e à espreita a espera do vacilo.
Mas há ainda pior no discurso da nobilíssima senhora. Disse ela: “Gosto da gambiarra que Fortaleza é porque aqui viver é muito perigoso, como disse o Rosa. Mas é o perigo de virar a esquina e ver a casa antiga onde entrei aos 15 anos enquanto gazeava aula ser demolida, por exemplo. É o perigo de reencontrar alguém que fez oficina de zines comigo cheirando cola no sinal de trânsito. Ou ainda de ter um pedaço da praia trocado por um aquário gigante. Mas é também o perigo de juntar em si a vontade de construir uma cidade dentro da outra e não conseguir – ou conseguir.” Enquanto o lúcido jornalista afirma que “temos vergonha do passado e destruímos as marcas da memória” e que “não construímos um projeto de futuro”, a mulher julga que a demolição de casas antigas representa um delicioso perigo. E lhe parece lúdico e romanesco o outro perigo de encontrar um conhecido cheirando cola no sinal de trânsito! A mim me parece terrível o cheirador de cola ao largo do semáforo! E não nos esqueçamos de seu elogio rasgado ao controvertido aquário que Sua Excelência pretende erguer roubando-nos, entre outras coisas, um pedaço da praia, enquanto o jornalista lucidamente esclarece o que nem precisaria esclarecer posto que sabido de todos: "Os poderosos destruíram as dunas, aterraram lagoas, emparedaram a orla, ocuparam praças e aterraram mangues. Levantaram edifícios dentro do mar, do mangue, e nas áreas de proteção aos mananciais. Nossas praias ainda são (e serão sempre) poluídas. Tudo é destruído em nome da ganância e do lucro."  
Enfim, senhoras e senhores, eis aí uma legítima opinião “miolo de pote”. Como já disse, o diabo é se a moda pega e a senhora Fernanda Meireles faz escola o que, a propósito, não seria muito difícil aos dias de hoje. Afinal, como disse o jornalista, “as relações pessoais são agônicas, e prevalece o ‘salve-se quem puder’. O povo, grosseiro, não pede licença, muito menos desculpas, não diz obrigado, e nem dá bom dia. Perdemos o melhor da ética sertaneja. Levamos a desqualificação do outro às últimas conseqüências. O riso é de puro deboche. E ainda tem quem acredite que sejamos hospitaleiros.” Foi o que me pareceu a “opinião” da escritora: puro deboche. Ou, se não, uma brincadeira de mau gosto.

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