Ela queria uma
explicação satisfatória, que de uma vez por todas a permitisse entender o que
estava acontecendo. Não atendia seus telefonemas, evitava os lugares que freqüentaram
juntos enquanto durou o romance, enfim, fugia dela e de tudo o que a lembrasse.
Ele
se envergonhava de sentir o que sentia. Surpreendera-a com o ex-noivo em
restaurante suburbano. Estavam tendo um caso. Ficou claro pelo modo como
conversavam, como se acarinhavam, como se olhavam. E, para não haver dúvidas, o
beijo. Foi o único que presenciou, já que àquela visão uma espécie de náusea obnubilante
quase o leva ao chão, e dali saiu cambaleante e rápido. Em suma – o ciúme o
corroia as entranhas como um câncer a se espalhar em sua pressa de consumir. Por
isso se escondia e fugia.
Que
fez ela? Valeu-se de um amigo comum, que combinou com ele um almoço. Ela chegaria
como que de surpresa, e assim seria obrigado a ouvir ela perguntar o que queria
saber. Pois foi justamente o que aconteceu. O amigo deu uma desculpa para ir embora.
Ela foi propositalmente de táxi. Tudo muito bem armado. No mínimo teria de levá-la
em casa. Era
um sábado.
Com
sua insistência por explicações, ele acabou vomitando o que já o decompunha há dias.
Contou-lhe da cena que vira, ela e o ex-noivo; e que por isso não queria mais vê-la.
Ela desmanchara o noivado pra ficar com ele. Haviam sido acometidos de uma
dessas paixões avassaladoras e laváticas, qual o magma que o vulcão expele em
suas erupções coléricas e gigantescas; paixão abrasadora como esse material quentíssimo
do âmago do planeta, vinda do cerne de cada um a tapar-lhes a boca,
sufocar-lhes os gritos, afogar-lhes em miasmas entorpecentes e queimar-lhes a
pele e os sexos qual uma substância viciante e vivificante... O noivo se
tornara de uma insignificância desprezível, era o que ele pensara.
O
tempo, não obstante, veio demonstrar que não era bem assim. A cena no
restaurante denunciou o que vinha acontecendo há meses. Ela e o ex tinham um
caso. Uma ironia da vida já que ao início, quando estava ainda noiva, era ele
quem mantinha caso com ela. Chifravam o noivo despudoradamente, até o dia em
que ela anunciou a ruptura. E rompia com o noivo apenas por insistência dele,
que não demandava abertamente tal atitude, mas que gastava um tempo precioso de
seus furtivos encontros a se lamentar do noivado.
Ela
era direta, sempre fora. Não mentia. Ele estava para saber: ela não mentia - omitia. E agora, à mesa do restaurante, exercitava sua cruel e seca franqueza. Confessou:
nunca rompera de fato com o noivo. Desmanchara o noivado certo dia e dali a uma
semana já estava a sair com ele novamente. Essa era a verdade. Por que fizera
isso? Olhando-o fixamente nos olhos disse: - “Porque gosto dos dois”!
Certas
verdades são paralisantes. Desarmam o interlocutor. O que se pode argumentar
diante de certas verdades? Mesmo a verdade de caráter duvidoso pela medida
moral das gentes é congelante. E ainda mais as desse tipo! Quem poderá fazer juízo
de valor sobre objetos múltiplos do amor de alguém? As regras são às vezes traídas
por exceções desconcertantes difíceis de explicar à luz de sua lógica. Contudo,
são essas mesmas exceções que nos remetem a reflexões que de outra forma não cuidaríamos
fazer. Haverá sempre alguém a duvidar das idiossincrasias de certos corações. Lançá-los-ão
ao poço fundo da baixeza do caráter, como é bem mais fácil fazer. Não se quer
debruçar sobre o drama de tamanha excentricidade. O julgamento e a condenação hão
de ser sumários.
Completou,
sem o pudor da hipocrisia: -“Quando estou contigo é maravilhoso, e nem penso
nele; quando estou com ele é maravilhoso e nem penso em ti”.
Há,
sem dúvida, certos desvios do comportamento, da sexualidade, do hábito alimentar...
Mas seria o caso de se considerar tal sentimento um desvio da afetividade? do
amor? da paixão? É isso já um desvio da sexualidade? quando “estar” com um e
outro não conota o ato em si mas uma sensação de prazer mais ampla e plena, própria
dos que se afeiçoam não apenas à carne?
Ao
menos para ele era uma situação completamente nova e absurda. Que argumento utilizar
quando, mesmo diante do inusitado, a verdade impera límpida e irrepreensível? Disse
a única coisa que lhe veio à cabeça, bem própria de seu evidente chauvinismo: -“Pois
quero voltar a ser o amante!” E explicou: -“Reate o noivado – serei novamente o
amante”!
Não
há um ser humano vivo ou morto em época recente que tenha comprado um pote que
não tenha rótulo, uma roupa que não tenha marca, um carro que não ostente o
nome e o símbolo do fabricante. Os rótulos nos são necessários e fundamentais. Ele
queria o seu, o de “amante”. Que o outro ficasse com o de “noivo chifrudo”. Assim
ele até topava.
....Conheço este cara que queria ser a "Filial".
ResponderExcluirJá conversamos sobre ele.