Percebeu que a pequena olhava insistentemente para ele. Estavam no posto de gasolina, ela dentro do carro esperando não sei quê, ele manuseando a bomba. A princípio não deu importância, mas a insistência era evidente. Disfarçou, mas não pôde deixar de notar como era bela: - morena, olhos verdes, cabelos fartos e ondulados. "Nossa! esse mulherão tá me encarando!", pensou numa excitação explicável.
Desligou a bomba e caminhou em direção ao carro da jovem:
- Bom dia. Tudo bem? Sua voz era mansa.
- Tô ótima! E você? Os olhos esmeraldas estavam fixos nos seus. Ele sentia o coração aos pulos no peito.
- O que você vai fazer logo mais à noite?
A mulher viera a Fortaleza ver a família por uns dias. O casamento já não ia bem. Se a beldade quisesse, teriam uma maravilhosa noite naquela sexta. Mas ela o contrariou:
- Bem, vou jantar com meu noivo.
- E amanhã? Podíamos ir ao pagode..., insistiu ele sorrindo.
- Eu deverei ir também, mas de novo com meu noivo! Seu largo sorriso de dentes brancos e lábios carnudos bem corados denunciava um não sei quê de travessura.
- Quem sabe a gente não se vê por lá?...
- É... Pode ser! Quem sabe...? Ela respondeu olhando ele se afastar em direção a outra bomba.
No pagode, de fato, ele a viu com o noivo. O homem era conhecido na cidade. Advogado dos bons. Razoavelmente mais velho que ela. A princípio ela não notou sua presença. Ele não se incomodou. Contentava-se em olhá-la de longe apreciando as formas fartas e esguias. Mais um pouco e seus olhares se cruzaram. Ele a cumprimentou com um leve aceno de cabeça e ela sorriu seu sorriso matreiro e brilhoso. Encontraram-se no caminho do toalete. Ele não perdia tempo:
- Vou à Kalamazu hoje à noite - Kalamazu era uma boate. "Não me diga que você vai estar lá com seu noivo"?!
Ela sorriu e disse:
- Estarei lá... sozinha!
Já eram quase duas da madrugada quando ele a percebeu na escuridão da boate. Quando se bateram, ele a puxou para o salão e iniciaram uma dança romântica. Já tinham bebido qualquer coisa alcoólica e isso os deixou mais desinibidos. Mais um pouco e passaram a beijar-se freneticamente. E a coisa toda se resumiu nisso.
Alguns dias depois se encontraram no mercado, na Cidade Baixa, durante o almoço. Ela estava com o noivo, mas ele não se fez de rogado: - cumprimentou ambos. Depois percebeu que o noivo estava a sabatiná-la. "Quem é esse cara?", ele teria inquirido.Ela inventou uma estória e o homem deixou por menos. Poucos minutos depois notou que o noivo se fora e que ela estava sozinha. Foi à mesa e cumprimentou-a novamente. Ela pediu que ele sentasse.
- Eu já tinha te visto aqui outras vezes - disse ela deixando transparecer seu antigo interesse.
- É, eu venho aqui quase sempre para o almoço. O escritório é próximo.
Conversaram por quinze minutos. Já de saída ele foi taxativo:
- Quer comer uma macarronada comigo hoje?
Ora, o motel Del Rey é famoso em Salvador por servir a melhor macarronada da cidade. Convidar alguém para comer uma macarronada é a senha para levar a presa ao motel. Ela não perdeu o rebolado:
- Topo!
A noite inteira se amaram feito os dois animais do Alceu. E ali começaram uma paixão fervorosa e intensa.
*****
Ele não sabia mentir. Quando a mulher voltou de viagem, chamou-a na sala:
- Olha, Fulana, tá acontecendo isso, isso, isso, assim, assim.
A esposa não conseguia segurar as pesadas e densas lágrimas que se lhe encheram os olhos. Contudo, não desceu o nível. Em silêncio se retirou ao quarto para que não a visse chorar tudo quanto ainda tinha para chorar. No dia seguinte ele saiu de casa com as malas abarrotadas. Foi definitivo.
*****
Ela prometera: - desmancharia o noivado sem demora. O diabo é que ele desconfiava que estivesse a lhe pôr guampas. Pequenas ausências da parte dela, leves impressões da parte dele. Pôde confirmar quando, ao entrar em certo restaurante mais afastado para um almoço com clientes, viu a jovem na companhia do suposto ex-noivo. Nada fez: - deu meia volta e retirou-se sem se deixar notar. As pernas tremiam. O coração ferido sacudia-lhe o corpo. Entretanto, domou o vulcão que borbulhava calor e fumaça na alma combalida e atraiçoada.
Não mais a procurou. Antes, dela fugia. Sumiu. O telefone tocava, não atendia. Procurava-o no hotel, não a recebia. Não se arrependia de ter acabado o casamento de sete anos. Afinal, ele ruíra devido as suas próprias falhas. Agora, sofria com a traição da morena. Decidiu que o encanto acabara, ainda que a paixão lhe consumisse as entranhas. Resistir às buscas da beldade era tarefa hercúlea. Todavia, não conseguia tirar da cabeça a cena do restaurante. E enchia-se de orgulho ferido e amor próprio.
Certo dia, entretanto, ela o surpreendeu num bar a bebericar com um amigo comum. Ela sentou-se, o amigo saiu, e teve início a sabatina. Queria saber o que acontecera, detalhes inclusos.
- Não te quero mais. Volta pro teu noivo que ele é que é o homem certo pra você.
Ela não entendia. Ele resolvera não contar o que vira. Pouco importava; ela só arredaria pé após ouvir a explicação que justificasse aquela decisão tão absurda. Insistiu tanto que ele cedeu e abriu o coração. Não queria dividi-la com ninguém, a queria só para ele, pensava em casar com ela. Ela ouviu tudinho em silêncio. Ao final, disse-lhe calmamente:
- Deixe-me te dizer uma coisa. Ouça bem: - gosto dos dois, amo os dois. Quando estou contigo não penso nele; quando estou com ele não penso em ti. Compreendeste"?
À essa confissão despudorada, reagiu abruptamente, quase insanamente:
- Pois agora quero ser o reserva! Não quero mais ser o titular! O titular agora é ele novamente! Só quero se for assim...!
Ela concordou, e foram comer uma deliciosa macarronada. O romance durou três maravilhosos anos. Só acabou porque ele foi transferido para Fortaleza. Ela não teve outra saída a não ser casar com o noivo.
Dois anos depois o telefone toca e ele atende:
- Sou eu, meu amor! Vim só pra te ver!
E foram comer uma macarronada à soteropolitana em Fortaleza.
Fernando Cavalcanti, 10.04.2006
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