O homem era belíssimo, segundo as mulheres. Um ícone da beleza masculina. Um deus grego. Era estudante de medicina das bandas da Bahia. Passava uns dias em Arapiraca, nas Alagoas, terra de usineiros, de gente abastada, não menos tradicional. Numa festa da padroeira conheceu Lucília, a fisioterapeuta. Bonitinha, tradicional como os seus, inteligente, filha de seu Gonzaga, homem rico, muitos negócios. Seu Gonzaga gostava de tudo certinho, dentro dos conformes - sexo depois do casamento, batizado, a benção do padre, o luto. Mulher subserviente, mas dona absoluta do lar, que ninguém é de ferro. A mãe, mulher de seu Gonzaga, era beata. Rezava até dormindo as rezas da tradição. Festas boas eram as da igreja. Todos os padres lhe passavam pelo crivo. E não gostava de padre jovem que padre jovem, além de gostar de dinheiro, gosta de namorar. E dentre os namoradores ainda há os que gostam de namorar os do mesmo sexo. Padre bom é o idoso, pois que sábio e entendido nos livros e na vida. Sabiam dar curso de noivo, que disso entendiam em teoria. E que ninguém teimasse que padre não podia dar esse curso sob o pretexto de nunca ter sido noivo. Quem sabe da moral não precisa ter sido devasso, dizia a mãe com plena convicção.
Lucília queria agradar o pai, mas estranhava a falta de assédios do noivo bonitão. Homem como aquele devia ser de libido exaltada, pensava ela. Pelo menos deveria ser. Se viesse querer fuxicar, ela o poria em seu lugar. Não daria desgosto ao velho e bom pai. Afinal, o velho lhe comprara uma casa novinha e montara seu consultório de fisioterapeuta. O noivo estava para terminar o curso e viria morar na terrinha. Já tinham um bom ponto para consultório de doutor médico. A libido do noivo esperaria, ela garantia. Mas... Que diabos de noivo sem tesão!! Seu papel era ser safado; o dela era ser pudica. Aquele é que era o homem para se entregar pela primeira vez. Deve ser virgem também, concluiu. Além de tudo, educadíssimo. Cerimonioso, garboso, um príncipe. Tinha a curiosidade das virgens: - havia de ser um animal sob os lençóis. Ele, por sua vez, concordava com as idéias do sogro. A mãe da pequena estava deslumbrada. Que perfeição! A Lucília parecia que lhe faltava a safadeza comum entre os homens. Vai ver é negócio de criação, ponderou.
A festa de casamento foi um deslumbramento. Seu Gonzaga gastou uma fortuna. As mulheres caíam o queixo à beleza do noivo. Houve até quem arriscasse: -"É mais bonito que a noiva"!... Ela estava linda; ele era lindo. Percebem? O casamento precedeu em algumas poucas semanas a formatura do noivo. Os colegas de turma vieram em peso. Comemorou-se a formatura no casamento. A festa durou a noite inteira. Nunca se vira uma festa tão grande em Arapiraca. Ficou nos anais.
De fato, os recém-casados não puderam nem dormir. Já o sol ia a pino quando os últimos convidados saíram. O jovem casal gastou o dia a cochilar. Não houve noite de núpcias ou, melhor, houve dia de núpcias. Ambos a dormir. Dormiram sem dormir. A virgem ainda era virgem e o homem dormia mais que gato de pensão. Ela só se deu conta quando acordou às cinco da tarde. Não entendia por qual razão o casal não se retirou logo após os cumprimentos. Reza a tradição que os noivos partem para a noite de núpcias após os brindes, após as fotos, após o bolo. Eles não; ficaram até o final. Pensou que talvez a festa de formatura de última hora tivesse contribuído para esse desfecho inesperado e excêntrico. Contudo, que coisa esquisita! O marido não lhe tirava um sarro! Vai ser educado assim no raio que o parta! Devia ser por conta das emoções sincrônicas do casamento e da formatura. “Ah!... mas de hoje não passa”, pensou.
Nada aconteceu na outra noite, nem na seguinte, nem na seguinte, e - por que não dizer? - nem até a quinta noite seguinte. Ela se preparou para abordar o assunto, mas desistiu quando o marido chegou à casa todo contente por causa de uma festa que fariam em sua homenagem aquela noite em Maceió. "Corre, arruma as malas, vamos agora pra Maceió"! – determinou. Ela não pôde argumentar. E partiram.
A festa aconteceu no apartamento de um grande amigo do noivo. Ambiente aconchegante, velas acesas por toda parte e todos os aposentos, pessoas bem diferentes. Não sei se me faço entender. Lá pelas tantas o marido ficou de pileque. Nem no casamento ele conseguiu. Aliás, no casamento nada bebeu. Ali, naquele momento, estava mais solto, mais espontâneo. Lucília conhecia-lhe um lado novo, outra faceta do marido. Ora, ele até perdia muito daquela masculinidade exagerada! Coisa esquisita!
No dia seguinte seu Gonzaga foi surpreendido com a chegada repentina e inesperada da filha. Não falou com ninguém. Foi direto para o quarto, onde se trancou e não quis sair por uma semana. A mãe dava escândalos. Os vizinhos e parentes foram chamados, e nada. Ninguém foi capaz de fazer a jovem abrir a porta. Ao final, ela prometeu que sairia no dia seguinte. O pai, muito meloso, referia-se à filha com um carinho exasperante. A mãe não largava o terço, e rezava a todos os santos. Quando finalmente ela veio para a sala, queriam saber o que havia acontecido.
Ela foi taxativa: -"Meu casamento acabou... Meu marido é um viadão!"
Fernando Cavalcanti, 05.04.2006
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