Se fosse sábio teria dado ouvidos ao meu amigo Casoba, que me aconselhou usar bigodes. Ele julgava que bigodes impunham respeito, e com eles os clientes me veriam como um médico velho e experiente.
Eu pensava cá com meus botões se não seria a ausência de meus bigodes a causa do vazio em minha sala de espera do consultório. De tanto me atazanar com o argumento, começava a considerar certa a hipótese do Casoba. Eu julgava que o negócio ia muito bem, dentro de uma visão de realização profissional. Todavia, ninguém enche a barriga com realização profissional. Eu só faltava pôr os poucos doentes que me procuravam no colo! Então, não seria a falta de bom trato com as pessoas a explicação.
Justiça se faça: - ninguém sai satisfeito do consultório do proctologista. O sujeito vai ao proctologista já querendo matá-lo; já vem à consulta com raiva do pobre proctologista. E quando de lá sai, vem consumado em todos os seus ódios e rancores.
Comecei a perceber que também na vida social fugiam-me as pessoas. A ante-sala de minha vida também se esvaziava. Acontecia o seguinte: - nos saraus e nas festas se saudavam aos berros os cardiologistas, os obstetras, os plásticos, os endocrinologistas, etc. etc. “Olha, fulana, este aqui é o doutor beltrano, que me colocou novos peitos"!, diziam uns; “veja, sicrana, ali está o doutor fulano, que me fez o parto da Mariazinha, tão linda”, diziam outros. E assim por diante, todos anunciavam seu médico querido, ícone de novas perspectivas e de nova vida. Foi então que concluí: - ninguém tem a mesma coragem para anunciar seu proctologista. O ódio ao proctologista estende-se além de seu consultório e invade sua vida pública e privada. Também pudera: - mexer nas partes íntimas do povo com dedos e tubos é o fim da picada! Vamos e venhamos! Seguramente, iniciava-se naqueles rega-bofes a explicação para o fracasso de meu negócio de mexer na intimidade alheia.
Não bastasse isso, tem mais: - o que se paga ao proctologista é uma miséria. Recebe uma mixaria para mexer nas partes do povo. Além disso, vocês sabem, o proctologista não é perfeito. Com efeito, ele sempre dará motivos para uma nova queixa, e o freguês terá sempre razão. O sujeito que sofre das partes pudendas também adquire, basicamente e mentalmente, algo de anormal. Não que seja doido ou coisa que o valha, mas adquire algum distúrbio na esfera afetiva. Assim, estabelece com o proctologista uma relação perde-perde. Por não perdoar o maldito proctologista, jamais o deixa em paz. Por tudo isso, este profissional é pouco ou nada reconhecido e percebe honorários beirando a mendiguez.
Em resumo: nada de bigodes ou cavanhaques. Os motivos de o negócio não prosperar eram claros: - oferecia um serviço que ninguém queria a um preço de merreca. Escolhera mal, eis aí toda a verdade. É bem possível que os bigodes e cavanhaques me ajudassem durante a conversa catequizadora para se deixar examinar. Seriam como a vaselina: - lubrificariam o constrangimento de se expor a um fedelho como eu. Nada mais.
Justiça se faça: - o fracasso não me abateu. Não dei a mínima. Resolvi mudar. E após a mudança passei a ser saudado com abraços e bitocas nas tertúlias e saraus aqui e alhures. Ninguém mais me odeia. E concluí: - todo proctologista deveria usar uma máscara de algoz, e não bigodes ou cavanhaques.
Fernando Cavalcanti, Rio, dezembro de 1998
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