Justo hoje conheci o Geraldo, o homem
dos cinco casamentos. Há algum tempo escrevi sobre o amigo Chico e sua disputa
ferrenha com a Liz Taylor. Se não me trai a memória, li outro dia que esta
velha senhora estava para contrair núpcias junto a outro varão vigoroso; e vai
deixando o querido Chico no chinelo. Justo ontem me entregam em casa a Veja
com a matéria da capa que assegurava: “Casar faz bem”.
Hoje, durante caminhada
pela Avenida Beira-Mar, conheço, através de meu amigo João, o Geraldo. João
muito dele já havia me falado. A propósito, essas caminhadas fazem bem ao
físico por irem bem à fofoca, que é uma atividade apreciadíssima entre nós. A
fofoca durante a caminhada aumenta a capacidade respiratória, o volume
inspiratório final e a expansão pulmonar; e diminui o volume residual. Eu até
diria que uma caminhada regada a fofoca equivale exatamente a uma corrida à
média velocidade. O Geraldo já fora objeto de nossa fofoca. E ninguém teve o
menor pudor em admitir: -“Esse aqui é o Geraldo, aquele dos cinco casamentos!”, soltou o João à língua frouxa.
Geraldo abriu um sorriso amarelo. Depois soube que aquele sorriso embaçado não
seria por constrangimento dos cinco casamentos. A razão era menos óbvia, e só
vim a descobrir um pouco mais tarde, dali a alguns minutos: - Geraldo estava
tão triste quanto um pavão ao olhar para os pés.
Ora, se casar faz bem,
o Geraldo entristecia-se por sua última separação, há três míseros meses. Fazia
o maior sentido. Passei a pensar que o matrimônio faz tão bem, mas tão bem que,
após cinco enlaces, o jeito era o Geraldo arranjar outro o mais rápido
possível. Dir-se-ia ser feliz o Geraldo apenas e somente quando enfronhado em
núpcias. Fora delas era um bolha, um trapo, um pano de chão. Geraldo, pelo que
pude apurar, é desses varões estrogênio-dependentes, os quais não se contentam
com pílulas e outros sintomáticos. Só uma coisa resolve: - a companhia de uma vistosa
mulher vinte e quatro horas ao dia, sete dias por semana, trinta dias ao mês,
com direito a mais um dia nos de trinta e um.
João fazia
considerações aqui e ali e, como a vir em socorro do amigo inconsolável, já
confessava seu próprio e recente desgosto por ter flagrado a ex sua mulher com o atual
namorado. Admitiu – uma corrente de frio lhe subiu a espinha à visão da cena.
Definitivamente não lhe foi uma boa experiência. Também pudera!, assegurou: -
não fazia sequer um ano do desenlace. Geraldo sorria o sorriso amarelento à
intervenção cumpliciadora. Confessou mais: - tomava “remédios”. Foi quando o
homem dos cinco casamentos mostrou a boca cheia de dentes – finalmente um
sorriso aberto e legítimo para o fiel cúmplice de infortúnio. Cá entre nós – e
baixamos a cabeça numa rodinha de três: -“Bebo todo dia!”, confessou o pobre
diabo. E já desfazíamos aquele conluio público em pleno calçadão quando nos
puxamos cada um pelo braço e, quase cochichando: - “E não cozinho, nem lavo, nem
passo!” Concordância e cumplicidade geral: nem eu, nem eu, nem eu! Alguém –
acho que eu – comentou: -“Lavo e enxugo a louça!” O Geraldo balançava a cabeça
numa negativa veemente e raivosa, ainda que discreta.
João sugeriu que o
Geraldo se chegasse mais a mim. Segundo ele, sou um sujeito “bem relacionado”,
conheço muita gente, e até os garçons gostam de mim. Geraldo sorria novamente
como se enxergasse uma luz no fim do túnel onde, ao final, só haveria outra
mulher e outro divórcio. E, ao que tudo indicava, por um desses lances mágicos
do destino, justamente eu seria a luz do fim do túnel do Geraldo.
Sugeri começar apresentando-lhe os
garçons. João queria que eu também lhe apresentasse as amigas. Ora, se lhe
apresentasse as amigas, não demoraria muito e estaria casado. “Casar faz bem”,
mas não ao Geraldo, quero crer. (Quase) todas as amigas querem casar, é ponto
pacífico. Seria pôr as ovelhas sob a guarda do lobo. Ou seria juntar o pão e a
manteiga numa combinação perfeita. Afinal, para que servem os amigos? O homem
sofria cada vez mais a cada casamento desfeito. Seria possível que cinco
mulheres fossem defeituosas e o Geraldo perfeito? Nem pensar em sugerir um psicanalista!
O amigo era recente, podia mal interpretar a sugestão.
Se não eram os garçons nem as amigas,
como a luz do fim do túnel ajudaria o Geraldo? Sugeri que, uma vez em casa, na
solidão do divórcio, ligasse ao mesmo tempo a TV, o rádio, o liquidificador e
que desse descarga nas privadas a cada cinco minutos. Mudei o intervalo de
tempo das descargas tão logo percebi a gafe – tudo o que diz respeito ao
algarismo ou número cinco lembra as cinco mulheres. Consertei: -“Dá descarga a
cada sete minutos”. E fui além: - sugeri que, se as portas dos quartos
rangessem, as abrisse e as fechasse, saindo de um aposento e entrando em outro.
Aconselhei-o a abolir a música. Nunca, jamais, em hipótese alguma devia ouvir
música. Música fala ao coração e o do Geraldo estava qual um pano de chão
surrado e amarfanhado. A recaída seria inevitável. Portanto, música nem pensar!
Ah! E ligasse o rádio à hora da propaganda eleitoral – nem sei se vai ao rádio
– ou à Hora do Brasil. Melhor ainda: - se tivesse um antigo aparelho de som,
poderia gravar a Hora do Brasil todos os dias, e ficar a ouvir o gostoso
noticiário noite adentro.
E assim nos despedimos. Estava a
brilhar a luz no fim do túnel. Do calçadão saí cheio de mim mesmo. Penso até em
abrir um consultório de aconselhamento pós-matrimonial. Serei a luz do fim do
túnel de uma penca de geraldos...!
Fernando Cavalcanti, 24.08.2010
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