Por muito tempo valorizei os amigos. Imputava-lhes a mais elevada
estima e consideração. Considerava serem eles a mais completa
relação que se poderia ter. E por aí a coisa ia: ouvia e
guardava-lhes os segredos; com cumplicidade encobria-lhes os erros e
descalabros; resguardava-me de indiscrições incômodas; mantinha
silêncio em seus momentos de introspecção e meditação;
respeitava seus momentos de ira e zanga; alegrava-me imensa e
verdadeiramente com seus sucessos; e sentia opressões no peito com
suas desventuras e vicissitudes. E jamais pedia provas de amizade
requerendo favores impossíveis. Guardava-me muitíssimo perto do
amigo, mas tinha extremo cuidado a não interferir nos rumos de sua
vida.
Não direi que hoje lhes dou menor crédito ou valor, mas algo
mudou, eu sei. Sim, já me faço a pergunta: quem é o amigo?
Chamá-lo amigo verdadeiro seria um pleonasmo. Ou é amigo ou não é.
A não ser que se queira dissertar sobre as mazelas da amizade
paraguaia – que me perdoem os nativos daquela terra – permanece
imutável e eterna a questão: quem é o amigo? Ele é o que está
atrás da porta? Ou está na cozinha? Ou na casa vizinha? No
trabalho? No meio da multidão? No cemitério? De fato, é possível
que nem ainda tenha nascido, ou que more num país distante.
Antes de tudo isso, julgava ser muito querido entre os amigos e
pelas pessoas em geral. Por ser um sujeito dado às chacotas, pensava
agradar a todos. Veio, então, o dia em que fui posto à prova. Com o
firme propósito de sempre cultivar boas relações, me parecia
inadmissível contrariar alguém de meu convívio. E o que aconteceu?
Conheci o mau caráter. Dirá alguém que devo ser
muito estúpido por ainda não o conhecer àquela altura de minha
vida, mas essa é a verdade fatal. Ali, diante de mim, estava o mau
caráter. Ora, eu tinha amigos que eram maus caracteres e não o
sabia. Imaginava, em minha pusilânime e imperdoável inocência, que
algumas pessoas, quase todas, o detestavam por ele ser um sujeito
meio verborréico, meio fanfarrão. Ainda que me chegassem aos
ouvidos histórias de suas canalhices diárias, eu o justificava de
uma maneira ou de outra. Afinal, para que servem os amigos?
Passei, então, a perceber que o mau caráter é exatamente assim:
insidioso. Ele faz a patifaria, mas não se deixa ser visto. Aprendi,
então, que o mau caráter tem uma de duas características, visto
que são mutuamente exclusivas: ou todos o adoram, ou todos o
detestam – exceto por um ou outro oligofrênico como eu. Conclusão:
se todos gostam de mim sou, de alguma forma, mais um canalha a
pulular por este mundo.
E foi justamente nisso que consistiu minha provação. Comecei a me
trocar e a me indignar com pessoas que tinham comportamento
reprovável com os doentes. Para minha felicidade, minha indignação
me redimiu. Tenho ganhado, assim, alguns não-amigos. Inimigos? Não
chega a ser o caso, posto que neste nível a morte de uma das partes
passa a ser uma possibilidade bem definida.
Do campo profissional a coisa se alastrou para outros setores de
minha curta vida. A essas alturas, tenho bem menos telefones em minha
agenda, e a julgar pelo rumo dos acontecimentos, temo que já não
seja mais necessário ter uma. Não que minha memória seja
infalível, ou que eu seja a fina flor da perfeição e de modelo de
caráter. Nada disso. Errar todos erram, cometer desatinos todos
cometem. Somente a intensidade da tristeza que se instala no coração
de um homem quando percebe seu erro ou prejudica alguém mede o seu
valor e seu caráter. O resto é conversa fiada.
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