Ontem
encontrei nos corredores do HGF o meu querido Fernando Siqueira. Admoestou-me
por não gostar de elogios. Falou que teve ímpetos de me escrever puxando-me as
orelhas. Não é possível que um sujeito como eu não se permita um elogio por
parte de terceiros. E quase entra a me elogiar, não fosse minha desconversação
e minhas gargalhadas contagiantes. Não sabe ele que pior que o elogio por parte
de terceiros é o autoelogio. Este é imperdoável. O sujeito que se elogia a si
mesmo deveria ser preso ao tronco e levar cem chicotadas. Por não gostar de
apanhar é que me atirei todos os adjetivos pejorativos de que dispus naquele
momento. Admiti ser um canalha abjeto, um malfeitor, um conspirador, um sujeito
sem eira nem beira. Não fosse tão pobre o meu conhecimento do
vernáculo, mais adjetivos me daria.
Ocorre que, outro dia, fui alvo de comentários pouco elogiosos por parte
de um sujeito qualquer. Não tenho a mínima intenção, em represália, de denegrir-lhe o caráter
ou a imagem. Por certo, ele é a fina flor da virtude. E, cá entre nós, qualquer
um pensa o que quer. Já é passado o tempo em que me angustiava por querer me
desculpar, ou me justificar, ou me explicar. E queria porque queria que as pessoas
não pensassem isso ou aquilo a meu respeito. Buscava de todas as formas
demonstrar-lhes que o meu ponto de vista era o correto, e sentia náuseas quando
era contrariado. Como já disse, passou. Concluí que as pessoas escolhem o que
pensar, como tudo na vida. Elas não percebem, mas a cada segundo estão
escolhendo até o que sonhar. Escolhem como vão passar e como gastar o dia de
amanhã. Escolhem aonde ir, o que vestir, o que fazer, o que não fazer, com quem
querem estar, e assim por diante. A maioria acha que não, mas deveria saber que
tudo o que lhe sobrevém é sua escolha. E também escolhem o que pensar.
Portanto, preocupa-me hoje o que eu penso. Isso, sim, faz a
diferença.
Quando servi o Exército, o diretor do hospital militar me adjetivou, certa feita, de bisonho.
E sabem por quê? Porque o deixei esperando ao telefone. Ele era tenente-coronel
e eu era apenas um tenente. E por que o deixei esperando ao telefone? Porque o
doente que chegara à emergência passava mal. Priorizei o atendimento ao doente.
Ele, que se achava muito importante, se sentiu ofendido por eu o ter deixado
esperando por mim, um reles tenente. Na cabeça dele o doente que se fodesse.
Taxou-me de bisonho em plena reunião matinal dos oficiais. Gargalhada
geral: - a horda de puxa-sacos queria agradar a autoridade máxima. Conclusão: - o
tenente Fernando era mesmo bisonho. O doente que se fodesse. Nada disso
mudou minha escolha. Escolhi atender o doente, e escolheria de novo. Eles
escolheram pensar diferente. Fazer o quê? Na época eu não sabia nada disso de
escolhas, mas depois percebi que tinha feito algumas. E querem saber? Fiquei
envergonhado por ser bisonho. Hoje sei que o tenente-coronel "médico" escolheu o regulamento enquanto eu escolhi o juramento. Fazer o quê? Hoje sei
que fiz a escolha certa dentro de minhas convicções. Talvez neste exato momento
ele também esteja escrevendo um texto como este, contando suas memórias, lembrando do dia em que
um tenente médico idiota o deixou esperando ao telefone para dar atendimento a
um paciente que estava requerendo cuidados de emergência. E – ironia da verdura
– minha inocência me fez escolher o que hoje julgo o verdadeiramente correto.
Mas falo, e falo, e falo, e não vou ao ponto. O que eu queria dizer é que
fiquei feliz por ser criticado por pessoa tão imbecil. Era recém egresso da
residência de Cirurgia Geral e convivera com grandes nomes da Cirurgia do
Ceará. Se eles me criticassem, eu estaria preocupado. Quem me criticava naquele
momento era um energúmeno mentecapto. Em suma: - fiquei aliviado. Minha vergonha
era da exposição. Fosse hoje eu faria como os bois da fazenda de meu amigo
Feitosinha: - andando, e cagando, e mijando, e ruminando, e mugindo. É o que
tenho feito. É uma questão de escolha.
Fernando Cavalcanti, 02.04.2008
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