Vejam – os números são fogo! Se alguém quiser fraudar um demonstrativo financeiro, por exemplo, terá que lhe atribuir números de seu interesse. Basta que apenas um deles esteja fora da verdade numa operação contábil e todo o resultado estará comprometido. Corrijam-me aí os contadores se estiver afirmando uma asneira.
Contudo, e é aí que a vaca torce o rabo, se os números a servir nos cálculos estiverem corretos, teremos a verdade nua e cristalina de fatos sobre os quais o comum brasileiro deveria se debruçar. Tomemos como exemplo duas matérias publicadas hoje no jornal Diário do Nordeste, uma à página 11 do primeiro caderno, a outra à pagina 3 do caderno Negócios. Ambas expõem um estudo da Federação da Indústria do Estado do Rio (Firjan) que concluiu que 83% de 5.266 dos 5.563 municípios brasileiros “não consegue gerar nem 20% da receita de seu orçamento”, e que “apenas 95 prefeituras têm excelente gestão de finanças”.
Para o glorioso estado do Ceará os números são um pouco piores. Diz a reportagem o seguinte: “85,5% das cidades cearenses não conseguem se sustentar com recursos próprios, dependendo diretamente das transferências realizadas pelos governos estadual e federal”. (É bom que se lembre que também os governos estaduais são destinatários de recursos da União.)
Por que o bom e comum brasileiro deveria se debruçar sobre um assunto tão tedioso e enfadonho quanto este da qualidade da gestão fiscal de seu município? Uma das razões a reportagem esclarece: ela “interfere diretamente na qualidade de vida dos munícipes”. A outra razão, que a reportagem omite, é que é o dinheiro dos impostos que o munícipe paga que não está dando para cobrir as despesas. O cidadão comum poderia dizer: “Ora, se já pago tantos impostos, para onde está indo toda essa montanha de dinheiro?”
Há mais. No Ceará, os municípios gastam em excesso com pessoal e não têm liquidez por “não possuir recursos suficientes para cobrir os restos acumulados a pagar de gestões anteriores”.
O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), senhor Paulo Ziulkoski, explica que 4.500 municípios brasileiros são de perfil econômico rural e a Constituição os impede de tributar a renda oriunda do campo, reduzindo bastante a base tributária, já que todos têm menos de 50 mil habitantes. Ou seja, esses 4.500 municípios só podem tributar a área urbana. O que é produzido no campo não paga imposto.
Como se vê, há um conjunto de fatores que, mantidos, perpetuarão esse estado de coisas nesse mundão chamado Brasil. É sabido que Brasília fica com mais de 60% do que é arrecadado em impostos.
O que a reportagem quer dizer, trocando em miúdos, é que a economia dos municípios brasileiros, e particularmente a de nosso glorioso Ceará, gira em torno do serviço público. Quase todo mundo é funcionário público. As prefeituras recebem dinheiro do estado via Brasília para pagar as despesas com pessoal e dívidas deixadas por gestores que por lá já passaram. O prefeito de hoje está a pagar o papagaio do gestor de ontem. O que eles arrecadam em impostos municipais é muitíssimo pouco, já que a maioria deles não tem de onde tirar, e sua atividade agropecuária, que é a principal depois da dos salários dos servidores públicos, não é tributada. Arrecadam, talvez, do IPTU e de outras poucas mixarias.
Essa situação é a mão na roda para a perpetuação não somente da pobreza mas também das hegemonias políticas. O prefeito equipara-se ao mendigo diante do esmoler-mor. Como estão sempre querendo dinheiro, estão sempre mendigando em Brasília ou na capital de seu estado. Isso sem falar nas tais “emendas” ao orçamento, que são produto da ação de deputados e senadores em prol do reforço orçamentário dos prefeitos para as obras que dão voto. E, todos sabem, obras são feitas pela iniciativa privada; e iniciativa privada ao lado de políticos só pode dar em merda.
Nesse cenário está o povo não educado e povo não educado, além de se vender a preço de banana, não serve para trabalhar na eventual indústria que viria se instalar no município, e que não vem mais porque sai caro montar a indústria e ainda trazer de fora funcionários para nela trabalhar. Mas seriam as indústrias, as fábricas, as montadoras, etc., que gerariam empregos – se o povo fosse educado – e receitas em impostos ao município. Isso, é claro, se Brasília resolvesse que o Brasil deveria finalmente se tornar uma verdadeira república, uma verdadeira federação, e deixasse de lado esse negócio de permanecer um grande feudo cujo poder central tudo (des)controla e (des)manda.
Assim, em duas pequenas matérias a imprensa cearense contribuiu de forma avassaladora e notável para o esclarecimento do porque de nossa pobreza eterna e renitente. Seria bom que o povo das esquerdas, mormente suas mentes mais brilhantes e apaixonadas, deixasse-lhe entrar na mente tão óbvias conclusões. O povo não educado não é burro – é mau caráter. Sabe, sente em suas entranhas mais centrais a responsabilidade que lhe caberia ao se “emancipar”. Já nossas brilhantes mentes da esquerda não podem se abstrair de um envolvimento mais profundo e real no problema. Não querem o melhor para o povo? É preciso lhes dar o melhor mesmo que não queira. Ou não?
Fernando Cavalcanti, 20.03.2012
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