quarta-feira, 1 de outubro de 2014

UMAZINHA QUE FOSSE...

          Fazia tempo que não me aparecia o Amorim. Assim, causou-me surpresa quando ligou-me apreensivo e tenso àquela noite.
          Disse-me: –"Preciso conversar contigo..."
          Fez uma pausa e confessou: –"Fulana pediu o divórcio".
          Nem por uma fração de segundo hesitei. Disse-lhe que viesse logo, correndo.
          Ele e fulana estavam casados pelos últimos dez anos. Pareciam se dar bem; gostavam de farras e patuscadas intermináveis, dessas que acabam com o nascer do sol. À boca miúda comentava-se que a relação era aberta, que um não se incomodava com os eventuais casos do outro. Tudo, óbvio, no movediço terreno da especulação. Ninguém tinha certeza se era verdade. Muitas vezes, das noitadas faziam parte amigas da fulana e até se dizia: –"Amorim traça todas, a mulher e as amigas". Podia ser que assim não fosse, mas, como se sabe, as aparências são a roupagem dos fatos. Vezes há em que o sujeito se veste como rico, mas não tem onde cair morto.
          Por outro lado, fulana era simpática demais para uma mulher casada. Era muito "dada", como se costuma dizer. Para Amorim, nada disso era problema. O casal era aparentemente feliz com a vida que levava. Tinham filhos e não costumavam brigar. Com efeito, nunca se soube de briga entre eles.
          Depois de quase uma hora, ele chegou. Ao abrir-lhe a porta percebi sua enorme tristeza. Vinha sufocado, numa espécie de angústia. Diante de sua eterna felicidade matrimonial, que preenchia todos os outros aspectos de sua vida, era difícil imaginar a mulher pedindo o divórcio.
          Dali a pouco abria o jogo: – inexplicavelmente, de uma hora para outra, fulana veio com a péssima notícia. "Como assim 'inexplicavelmente'"?, eu quis saber. Inexplicavelmente, ora bolas! Ou, melhor, havia, sim, uma explicação bastante simples. Em casa, ontem, depois do expediente, chamou-o no quarto, e disse-lhe: -"Não te amo mais". Meio zonzo diante de tão inesperado comunicado, Amorim sentou-se à beira da cama do casal. Fulana, querendo comprovar que não estava para brincadeira, emendou: -"Quero o divórcio".
          O inusitado em tudo era o seguinte. Casara-se com fulana porque ela engravidara. Eram muito jovens, ela ainda menor. O senso de justiça do amigo prevaleceu: – fez questão de casar. Era uma questão de justiça e de honra para ele e, principalmente, para a jovem. Não seria capaz de deixá-la passar por tamanha vergonha.
          Havia, porém, um detalhe: – não estava apaixonado, não era apaixonado. Verdade seja dita: - não gostava da moça. Tudo não passara de uma aventura sexual adolescente que acabara mal. Apesar de tudo, agiu segundo seu senso de honestidade. Foram, então, às bodas.
          Durante os últimos dez anos viviam na paz e na festa, quando veio o que Amorim sequer supunha acontecer um dia. Tinha a mais absoluta certeza de que ela o amava e o amaria para sempre. Com a confissão da mulher, descobriu o que para ele revelou-se uma agradável mas tardia surpresa : – que a amava mais que tudo; que nos últimos dez anos seus olhos não enxergaram o que crescia em seu coração, o amor pela mulher com quem se casara sem sentimento algum. Justamente aí residia todo o drama.
          Terminado o relato do amigo, imaginei um sombrio prognóstico para seu casamento. Numa tosca tentativa de encorajá-lo, disse-lhe... Nem sei o que disse, mas, no fundo, sabia que era o fim. Uma mulher não se engana com essas coisas, pensei. Ficamos em silêncio alguns minutos e, após uns tapinhas nas costas, ele me abraçou e partiu.
          Foi doloroso lembrar que, vários anos antes, ele me procurara, um outro problema, justamente para desabafar e me relatar que a namoradinha engravidara e que ele iria desposá-la. Agora, a mesma namoradinha se despedia e partia, mulher feita, decidida, dona de si e de sua consciência, mãe de filhos, sem dar-lhe uma única chance, umazinha que fosse... 

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