“A
liberdade é mais importante que o pão”. (Nelson
Rodrigues)
Não
resta mais a menor dúvida – o brasileiro, coitadinho, está cada
vez mais cego e, mais recentemente, sobram indícios de que também
esteja surdo. Ou, talvez, o brasileiro seja, de fato e
irremediavelmente, um ignorante por escolha própria. Informação
não falta, embora, digamos logo, informação per si nada indique de
sua origem e de sua credibilidade. O homem tem, dentro de seu crânio,
a mais fabulosa estrutura do Universo e, dentro do peito, o mais
terno ou mais brutal foco do que produz seu pensamento.
Há
quase 2500 anos um cidadão chamado Aristóteles, dado às
conjecturas e às abstrações de quem não tem o que fazer, chegou à
conclusão que a democracia é a pior dentre as melhores e a melhor
dentre as piores formas de governo que existem. A democracia era,
àquela época, o governo dos homens livres. Os escravos, párias da
sociedade, não participavam do governo. Aos dias de hoje não há
mais escravos. Assim, hoje, se vivemos em uma democracia, somos todos
livres. É o que se presume. Contudo, mudou o mundo e com ele os conceitos e as nuances, como veremos.
Naquele
tempo, escravo era aquele ser humano que não era um ser humano –
era uma mercadoria. Era um ente, um “objeto” cujo dono dispunha
para seu uso como bem entendesse. Homens bons tratavam seus escravos
como seres humanos, ao passo que homens maus os tratavam como lixo.
Portanto, coisa curiosa, a existência da instituição da escravidão
servia a revelar corações. Hoje,
como não há mais a escravidão, não mais se revelam os corações
tão deslavadamente como outrora. A bela e floreada retórica
camufla, hoje, o verdadeiro maucaratismo. Daí uma certa dificuldade
aos mais incautos e aos mais desavisados em reconhecer os maus bofes
desta canalha.
Voltemos
aos homens livres. Eu dizia que hoje não mais há a instituição da
escravidão. Todos podem ir e vir à vontade. À pé ou de avião,
todos vão aonde bem entenderem. A questão, a grande questão que surge aos dias de hoje, entretanto, é: – para se ser livre basta
que se tenha o direito de ir e vir? Todos sabemos que aos dias de
hoje fazem-se revoluções sem se disparar um tiro; mais do que isso,
tiraniza-se todo um povo sem se o calar, ou sem se o reprimir, ou
sem, como já foi dito, dar-se
um único tiro. Assim,
é notória e evidente a nova revolução, o novo tipo de submissão
do povo – a submissão pela indolência, pela ignorância e pelo
voluntariado. Em países onde a natureza do povo é a da
irresponsabilidade, não se quer assumir nenhuma responsabilidade.
Nem mesmo pelo próprio destino, pelo próprio futuro. A inconsequência, neste cenário, vence qualquer argumento lógico.
Disse o Nelson Rodrigues que “o brasileiro não está preparado
para ser o maior do mundo em coisa nenhuma”. E completou: “Ser o
maior do mundo em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância,
implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade”. O
vaticínio rodriguiano parece expor o pobre e combalido brasileiro a um determinismo incômodo e
cruel.
Pois
se nos submetemos, é natural e consequência que nos escravizamos.
Se permitimos que tudo nos façam, ainda que possamos ir e vir, nos
escravizamos. Se por nós tomam as decisões que a nós caberiam, nos
tornamos escravos. Porque as decisões que por nós tomam servem a
atender somente os interesses daqueles que decidem, relegando a plano
terciário os nossos próprios. O escravo de antigamente fazia o que
era do interesse e do prazer de seu senhor e tanto quanto mais cruel
e mau fosse ele. Podemos
ir e vir, podemos até pensar. Pensamos. Mas, que pensamentos
pensamos? Não pensamos, talvez, nossos próprios pensamentos ou, se
o fazemos, pensamos pensamentos menores, pensamos ao largo das
grandes questões da vida e da existência, ainda que pareça o
contrário. Assim, seguimos pensando o que outros povos já pensaram,
já deliberaram
e
já descartaram como inútil.
A
conclusão é óbvia – se estamos a pensar o que outros já
pensaram, estamos atrasados. (Parece que estou a dizer o óbvio, mas
é preciso, cada vez mais entre nós, dizer-se o óbvio dada a
obviedade de nossos atrasados pensamentos.) Outra conclusão parece
óbvia – o atraso está, antes de tudo, no que pensamos ou em nosso
modo de pensar. Queremos reinventar a roda. Como os neuróticos,
achamos a roda, tal qual ela é, imperfeita. (O neurótico sabe que 2
+ 2 = 4, mas não se conforma com tal resultado.) Somos, fácil
deduzir, um país de neuróticos.
Agora
vejam. Comecei a escrever essas linhas a propósito de alguns
comentários de pessoas, na rede social, dando conta dos motivos
pelos quais não iriam às manifestações contra o governo e a
corrupção que
ora grassa
programadas para hoje. O brasileiro se acha, antes de tudo, a
fina-flor da inteligência e da coerência quando, na verdade, é um
jegue que move as enormes orelhas a espantar as moscas enquanto
chicoteia-se no lombo com o próprio rabo com o mesmo intento. Por
outro lado, é conhecida e notória a abissal incoerência do
brasileiro – faz em menor escala o mesmo que faz o político mau-caráter
que ele próprio elege e se considera a si mesmo a fina-flor da
honestidade. Assim, os comentários na rede social, escritos muitas
vezes por pessoas “letradas” e “politizadas” davam conta, por
exemplo, de que as manifestações de hoje seriam impróprias porque
a presidente Dilma Rousseff havia sido eleita “democraticamente”
pelo “voto direto” não cabendo, portanto, manifestações que
pedissem seu impeachment.
Observem
como pensa o brasileiro. Ele acha, ou melhor, tem certeza de que, uma
vez eleito pelo voto direto, o político tudo pode e contra ele nada
se deve fazer. Para ele, o brasileiro, sua própria vontade não conta. Tentar derrubar
um governo corrupto e inepto – os fatos são conhecidos à larga –
seria “golpismo”. Quanta ignorância política! O povo foi às
ruas hoje para protestar, para demonstrar sua enorme insatisfação com os
governantes dos Três Poderes da República e não somente do
Executivo. O povo foi às ruas demonstrar sua indignação com os
desmandos e os atos criminosos que se perpetram diariamente nas altas
esferas do poder deste pobre país. O povo não mais suporta
trabalhar para sustentar uma corja que se locupleta de seu mandato
com o fim de tirar vantagens pessoais. Dizer
que as manifestações são ilegítimas e golpistas é uma
demonstração clara de inconsciência política.
Para
essas pessoas, protestar contra o governo depois de o próprio povo
tê-lo eleito é uma incoerência
e,
portanto, não tem cabimento. Nova demonstração de analfabetismo
político por parte dessas pessoas. São conhecidas as circunstâncias
em que ocorreram nossas últimas eleições “democráticas”. Uma infinidade de urnas foi violada. Várias representações pedindo a
anulação do pleito chegaram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
mas nada foi apurado. Afinal, seu presidente, o senhor José Antonio Dias Toffoli, é cupincha da senhora
Dilma e de seu criminoso “partido”. É como se o bandido fosse
chamado a investigar e julgar seus próprios comparsas. Essas
pessoas, evidentemente, acreditam que tudo isso é balela e que nada
disso existe. (O senhor Toffoli, ao que tudo indica, será o juiz que vai julgar o inquérito resultante da operação Lava-Jato da Polícia Federal que apura o caso de corrupção na Petrobras. Vejam que novamente o bandido está prestes a julgar o governo e seus comparsas.)
É
também conhecido o estelionato eleitoral que o governo promoveu a
fim de comprar votos para sua candidata. Acusaram o candidato da
oposição de, caso fosse eleito, acabar com os programas sociais bem como dar fim aos benefícios conquistados pelo trabalhador, além de tomar outras medidas impopulares
como majorar impostos e tarifas. O que veio depois todos sabemos –
a senhora Dilma se reelegeu e fez tudo
o
que afirmou que faria o candidato da oposição. Com efeito, não deu fim ao famigerado Bolsa Família,
mas a política econômica irresponsável e populista implantada por seu governo no mandato anterior está cobrando a conta e há de corroer
em breve a quantia já minguada que esse povo recebe. Será um desonroso fim, mas a retórica sempre pode contribuir para mitigar a tragédia. Isso sem
falar na conhecida compra de votos através de pagamento direto de
quantias irrisórias a um povo que se vende por dá cá aquela palha.
Assim,
esses ignorantes letrados brasileiros não foram às manifestações
porque as consideravam “antidemocráticas”. Um povo que recebe "propina" para votar – alguém dirá que eles precisam comer –, que temeu
perder seu “benefício” e se vendeu ao discurso mentiroso de um
governo de canalhas e ladrões – vide a roubalheira na Petrobras –,
é um povo livre? Essa é a pergunta que me faço. E direi a resposta: – este certamente não é um povo livre. É
um povo que se vendeu há muito, escravo de sua preguiça, de sua
indolência e de sua natural índole irresponsável.
As
manifestações de hoje foram, sim, legítimas e oportunas, uma
demonstração de civilidade e espírito público por parte daqueles que trabalham e sofrem as consequências da irresponsabilidade de atos de políticos safados eleitos por um povo vendido e submisso. E é justamente de civilidade e espírito público genuíno de que
andamos tão necessitados. Aos brasileiros que se posicionaram contra
essas demonstrações de insatisfação política, um alerta: –
todo ato
tem
consequências. Mesmo as omissões mais covardes. O comunismo se
alimenta da omissão dos bons, da indolência dos pusilânimes e da
crueldade dos poderosos.
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