Mal começou
o mês de março e já me vem à cabeça uma lembrança – o
aniversário do Fábio Motta. Com efeito, durante o ano dois são os
meses de sobressaltos relacionados com aniversários de amigos –
março com o Motta e novembro com o Sérgio Moura. Os leitores que
não me leem com frequência quererão saber, sem demora e se por
acaso estiverem a me ler agora, que diachos uma coisa tem a ver com a
outra. Direi sem rodeios: – a data comemorativa é, para esses dois
varões vigorosos, um suplício. A razão é simples: – os dois
amigos detestam comemorar seu natalício.
Pois
fiquem todos sabendo, desde já, que no próximo dia 23 de março faz
53 anos o querido e amado amigo Fábio de Oliveira Motta. Como o mais
novo varão de nosso grupo, tão logo faz 53 fazemos 54. Isso, longe
de ser um estímulo ao amigo é, na verdade, uma tortura medieval. A
ele pouco importa que sejamos mais velhos. A ele o que tem
importância capital são os seus 53, a sua nova idade que,
inexoravelmente, é sempre maior que a do ano anterior. Mesmo sendo
de seu conhecimento que o tempo passa igualmente para todos e que
todos estão a envelhecer à medida que giram os ponteiros do
relógio, não há saída – o amigo é acometido de ferozes e cavas
depressões.
Que
dia é hoje? Ah! Cá está. Hoje é 3. Pois daqui a 20 dias estaremos
a querer comemorar o aniversário do Motta numa festinha entre amigos
íntimos, nós e nossas mulheres conosco; saborear um bom vinho,
ouvir uma boa música, tocar as cordas de um violão, jogar boa
conversa fora... Mas, qual? O amigo não enxerga as cores da vida;
antes, só vê a escuridão... Eu ia dizer a morte, mas não quero
apôr uma nota de tristeza neste texto que se pretende alvissareiro.
Assim, convoco aos amigos mais chegados a darem uma dura no Motta
antes que ele pense em frustrar nossas pretensões.
Passou-me
pela cabeça pedir ao Sérgio Moura que intervenha no caso, mas de
imediato percebi a gafe. O Sérgio Moura é completamente
desapetrechado da moral necessária a tal empreendimento. Afinal, é
ele o criador desse desvio comportamental. É ele quem prega o sumiço
do aniversariante ao dia da comemoração. Corre até um boato,
alguém me sussurrou ao pé d'ouvido, que o homem guarda em casa a
sete chaves um enorme esquife preto, belissimamente trabalhado em
madeira de lei, as alças de fina liga de cobre, confortavelmente
acolchoado e no qual passa o dia inteiro deitado, justo na data do
natalício, como a ensaiar para o próprio avelório. Seria tudo
feito à guisa de “treinamento”, uma espécie de retiro corporal
e espiritual onde “viveria”, por antecipação, seus primeiros
momentos como defunto. Não sei se a estória tem fundamento, mas, se
o tiver, estaremos diante de grave causo de autonecrofilia crônica
com periódicos e anuais surtos de agudização.
Descartado
o Moura como interventor no caso, veio-me ideia mais original e não
menos drástica – raptar o aniversariante no dia anterior, no caso
do Motta, ao dia 22 do corrente. Como somos todos pessoas com
ocupações diárias e inarredáveis, há que se contratar
profissional do ramo de sequestratio para
resolver esta parte do plano. É preciso, entretanto, muitíssimo
cuidado neste delicado passo. Convém não esquecermos de que estamos
numa das cidades mais violentas do mundo e o profissional arranjado
para o caso tem de ser versado apenas na atividade de subtrair gente
sem – Deus o livre! - ir além disso. Não queremos que o
sequestrador se empolgue e, num lampejo de oportunismo, esconda nosso
homem no intuito de pedir vantagens pecuniárias em troca de sua
devolução. Ele receberá a
justa paga pelo trabalho realizado, inclusive com recibo e tudo. Digo
isso, porém,
porque muitas vezes se vê serviços dessa natureza acabarem da pior
maneira possível porque o apalavramento resultou confuso e atabalhoado.
Deixar-se-á bem claro que o
Motta deve ser abduzido à tardinha do dia 22 e levado ao local da
festa, são e salvo, na noite do dia 23 bem asseado, bem vestido,
cheiroso feito uma flor, o cabelo bem aparado e infestado de gel, as
unhas bem feitas e esmalteadas com brilho para homem, e tudo o mais
que o distinga como sendo o homenageado do grande dia.
Entretanto,
é preciso que
lembremos
que o nosso Motta já sofreu duas ou três tentativas de assalto e
que
numa delas acabou por se engalfinhar com os facínoras armados até
os dentes. Até hoje nem ele sabe como se
safou. Assim, nosso
sequestrador há de ser um profissional polido e amável, de modo a
não provocar e despertar
em nosso Motta a resistência
e os arroubos de homem
imprendível.
Pensei até, devo admitir, que esse profissional deveria
ser alguém do frágil e belo
sexo, o que facilitaria muitíssimo o alcance da mansidão de nosso
homem, já que ele é conhecido galanteador e sedutor de
fêmeas. Ele pensaria estar
levando a presa ao abate quando, de fato, seria
ele a caça nas mãos da caçadora. E mais! Usando desse estratagema,
sem sombra de dúvida o homem seria capturado com muito maior
facilidade.
Há,
contudo, uma ressalva. Como neste março o dia 23 cai numa
segunda-feira, precisamos decidir se o regabofe será no próprio dia
ou se o anteciparemos. Aqui
há que se redobrar os cuidados. Se anteciparmos, corremos o risco de
o homem não aparecer, visto que há elevada possibilidade de o mesmo
cair vitimado pela síndrome de Estocolmo, condição que acomete
os sequestrados levando-os a se enlevar e se apaixonar por seu
sequestrador. Para evitar que isso venha a ocorrer teríamos que
contratar uma profissional não muito dotada de qualidades físicas
exuberantes. Isso não seria um problema já que nosso Motta parece
ter vindo ao mundo com seu seletor seriamente defeituoso, o que o
leva a pegar qualquer coisa que lhe caia na rede, sem
desmerecer uma ou outra
eventual beldade que tenha lhe cedido aos encantos.
Assim, e ainda assim, corremos sério risco de que ele, sendo
abduzido na sexta em caso de antecipação, só nos apareça à
semana seguinte e nossa festa vá para o beleléu. Se resolvermos que o quiproquó deverá
cair mesmo na segunda, o
risco é menor, mas não de todo inexistente, de modo que só nos
resta uma alternativa: – arriscar. E seja o que Deus quiser.
Agora,
negada, é o seguinte. O segredo é a alma de todo bom negócio.
Podemos contar com o silêncio de vocês?
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