terça-feira, 3 de março de 2015

OS 53 DO FÁBIO MOTTA

          Mal começou o mês de março e já me vem à cabeça uma lembrança – o aniversário do Fábio Motta. Com efeito, durante o ano dois são os meses de sobressaltos relacionados com aniversários de amigos – março com o Motta e novembro com o Sérgio Moura. Os leitores que não me leem com frequência quererão saber, sem demora e se por acaso estiverem a me ler agora, que diachos uma coisa tem a ver com a outra. Direi sem rodeios: – a data comemorativa é, para esses dois varões vigorosos, um suplício. A razão é simples: – os dois amigos detestam comemorar seu natalício.
          Pois fiquem todos sabendo, desde já, que no próximo dia 23 de março faz 53 anos o querido e amado amigo Fábio de Oliveira Motta. Como o mais novo varão de nosso grupo, tão logo faz 53 fazemos 54. Isso, longe de ser um estímulo ao amigo é, na verdade, uma tortura medieval. A ele pouco importa que sejamos mais velhos. A ele o que tem importância capital são os seus 53, a sua nova idade que, inexoravelmente, é sempre maior que a do ano anterior. Mesmo sendo de seu conhecimento que o tempo passa igualmente para todos e que todos estão a envelhecer à medida que giram os ponteiros do relógio, não há saída – o amigo é acometido de ferozes e cavas depressões.
          Que dia é hoje? Ah! Cá está. Hoje é 3. Pois daqui a 20 dias estaremos a querer comemorar o aniversário do Motta numa festinha entre amigos íntimos, nós e nossas mulheres conosco; saborear um bom vinho, ouvir uma boa música, tocar as cordas de um violão, jogar boa conversa fora... Mas, qual? O amigo não enxerga as cores da vida; antes, só vê a escuridão... Eu ia dizer a morte, mas não quero apôr uma nota de tristeza neste texto que se pretende alvissareiro. Assim, convoco aos amigos mais chegados a darem uma dura no Motta antes que ele pense em frustrar nossas pretensões.
          Passou-me pela cabeça pedir ao Sérgio Moura que intervenha no caso, mas de imediato percebi a gafe. O Sérgio Moura é completamente desapetrechado da moral necessária a tal empreendimento. Afinal, é ele o criador desse desvio comportamental. É ele quem prega o sumiço do aniversariante ao dia da comemoração. Corre até um boato, alguém me sussurrou ao pé d'ouvido, que o homem guarda em casa a sete chaves um enorme esquife preto, belissimamente trabalhado em madeira de lei, as alças de fina liga de cobre, confortavelmente acolchoado e no qual passa o dia inteiro deitado, justo na data do natalício, como a ensaiar para o próprio avelório. Seria tudo feito à guisa de “treinamento”, uma espécie de retiro corporal e espiritual onde “viveria”, por antecipação, seus primeiros momentos como defunto. Não sei se a estória tem fundamento, mas, se o tiver, estaremos diante de grave causo de autonecrofilia crônica com periódicos e anuais surtos de agudização.
          Descartado o Moura como interventor no caso, veio-me ideia mais original e não menos drástica – raptar o aniversariante no dia anterior, no caso do Motta, ao dia 22 do corrente. Como somos todos pessoas com ocupações diárias e inarredáveis, há que se contratar profissional do ramo de sequestratio para resolver esta parte do plano. É preciso, entretanto, muitíssimo cuidado neste delicado passo. Convém não esquecermos de que estamos numa das cidades mais violentas do mundo e o profissional arranjado para o caso tem de ser versado apenas na atividade de subtrair gente sem – Deus o livre! - ir além disso. Não queremos que o sequestrador se empolgue e, num lampejo de oportunismo, esconda nosso homem no intuito de pedir vantagens pecuniárias em troca de sua devolução. Ele receberá a justa paga pelo trabalho realizado, inclusive com recibo e tudo. Digo isso, porém, porque muitas vezes se vê serviços dessa natureza acabarem da pior maneira possível porque o apalavramento resultou confuso e atabalhoado. Deixar-se-á bem claro que o Motta deve ser abduzido à tardinha do dia 22 e levado ao local da festa, são e salvo, na noite do dia 23 bem asseado, bem vestido, cheiroso feito uma flor, o cabelo bem aparado e infestado de gel, as unhas bem feitas e esmalteadas com brilho para homem, e tudo o mais que o distinga como sendo o homenageado do grande dia.
          Entretanto, é preciso que lembremos que o nosso Motta já sofreu duas ou três tentativas de assalto e que numa delas acabou por se engalfinhar com os facínoras armados até os dentes. Até hoje nem ele sabe como se safou. Assim, nosso sequestrador há de ser um profissional polido e amável, de modo a não provocar e despertar em nosso Motta a resistência e os arroubos de homem imprendível. Pensei até, devo admitir, que esse profissional deveria ser alguém do frágil e belo sexo, o que facilitaria muitíssimo o alcance da mansidão de nosso homem, já que ele é conhecido galanteador e sedutor de fêmeas. Ele pensaria estar levando a presa ao abate quando, de fato, seria ele a caça nas mãos da caçadora. E mais! Usando desse estratagema, sem sombra de dúvida o homem seria capturado com muito maior facilidade.
          Há, contudo, uma ressalva. Como neste março o dia 23 cai numa segunda-feira, precisamos decidir se o regabofe será no próprio dia ou se o anteciparemos. Aqui há que se redobrar os cuidados. Se anteciparmos, corremos o risco de o homem não aparecer, visto que há elevada possibilidade de o mesmo cair vitimado pela síndrome de Estocolmo, condição que acomete os sequestrados levando-os a se enlevar e se apaixonar por seu sequestrador. Para evitar que isso venha a ocorrer teríamos que contratar uma profissional não muito dotada de qualidades físicas exuberantes. Isso não seria um problema já que nosso Motta parece ter vindo ao mundo com seu seletor seriamente defeituoso, o que o leva a pegar qualquer coisa que lhe caia na rede, sem desmerecer uma ou outra eventual beldade que tenha lhe cedido aos encantos. Assim, e ainda assim, corremos sério risco de que ele, sendo abduzido na sexta em caso de antecipação, só nos apareça à semana seguinte e nossa festa vá para o beleléu. Se resolvermos que o quiproquó deverá cair mesmo na segunda, o risco é menor, mas não de todo inexistente, de modo que só nos resta uma alternativa: – arriscar. E seja o que Deus quiser.
          Agora, negada, é o seguinte. O segredo é a alma de todo bom negócio. Podemos contar com o silêncio de vocês? 

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