Quem
o relata é o escritor norte-americano Irving Stone, morto em 1989, em seu “Lust
For Life – A Vida Apaixonada de van Gogh”, de 1934.
Foi
no Café Bortignolles, em Paris. Corria o ano de 1886. Todos estavam lá – Paul Cézanne,
Theo e Vincent van Gogh, Georges Seurat, Henri Rousseau, Paul
Gauguin, Anquetin, Henri de Toulouse-Lautrec e Émile Zola.
À
exceção dos van Gogh, eram todos comunistas. Principalmente Zola.
Em
dado momento, Zola e Vincent van Gogh ficam sozinhos na mesma mesa.
Ambos acabaram de se conhecer. Em dado momento da conversa, Zola diz
(a transcrição é literal a partir do romance de Stone):
–“Parte meu coração ver Cézanne desperdiçar sua vida dessa
maneira fantástica . Ele deveria voltar para Aix e assumir a posição
do pai no banco. Do jeito que as coisas estão agora... algum dia ele
ainda se enforcará... como eu previ em 'L'Oeuvre'. Já leu esse
livro, monsieur”?
–“Ainda não. Acabei de ler 'Germinal'”.
–“É
mesmo? E o que achou”?
–“Acho
que é a melhor coisa desde Balzac”.
–“É
a minha obra-prima. Apareceu en feuilleton em
“Gil Blas” no
ano passado. Ganhei um bom
dinheiro por isso. E
agora o livro vendeu mais de sessenta mil exemplares. Minha
renda nunca foi tão grande quanto agora. Pretendo acrescentar uma
nova ala à minha casa em Medan.
O livro já causou
quatro greves e revoltas nas regiões mineiras da França. 'Germinal'
provocará uma gigantesca revolução. E
quando isso acontecer, adeus ao capitalismo”! (Os
grifos são sempre meus.)
Zola
continua: –“Que tipo de coisa pinta, monsieur... Qual foi mesmo o
seu primeiro nome que Gauguin disse”?
–“Vincent...
Vincent van Gogh. Theo van Gogh é meu irmão”.
Zola
largou o lápis com que escrevia no tampo de pedra da mesa e olhou
fixamente para Vincent.
–“Estranho”...
–“O
quê”?
–“Seu
nome. Já o ouvi em algum lugar antes”.
–“Talvez
Theo lhe tenha mencionado”.
–“Ele
me falou de você, mas não foi isso. Ei, espere um instante! Foi...
foi... 'Germinal'! Já esteve alguma vez nas regiões mineiras”?
–“Já,
sim. Vivi durante dois anos na Borinage belga”.
–“A
Borinage! Petit Wasmes! Marcasse”!
Os
olhos grandes de Zola quase saltaram para fora do rosto rotundo e
barbudo.
–“Então
você é o segundo advento de Cristo”!
Vincent
corou. –“O que está querendo dizer com isso”?
–“Passei
cinco semanas na Borinage, recolhendo material para 'Germinal'. Os
gueules noires
falam
de um homem-Cristo que trabalhou entre eles como um evangelista”.
–“Fale
baixo, por favor”!
Zola
cruzou as mãos sobre a enorme barriga e empurrou-a para dentro.
–“Não
precisa se envergonhar, Vincent. O que você tentou realizar ali foi
meritório. Apenas escolheu o meio errado. A
religião nunca levará as pessoas a parte alguma. Somente os fracos
de espírito aceitarão a miséria neste mundo pela promessa de
bem-aventurança no outro”.
–“Descobri
isso tarde demais”.
–“Você
passou dois anos na Borinage, Vincent. Deu
aos outros sua comida, seu dinheiro, suas roupas. Trabalhou quase até
morte. E o que conseguiu em troca? Nada. Eles
o chamaram de
louco e o expulsaram da Igreja. E quando você partiu as condições
não estavam melhores do que na ocasião em que chegou”.
–“Estavam
piores.
–“Mas
meu meio produzirá resultados. A palavra escrita causará a
revolução. Todo mineiro alfabetizado da Bélgica e da França já
leu meu livro. Não há
um café ou uma cabana miserável em toda a região que não tenha um
exemplar bem folheado de 'Germinal'. Os que não sabem ler ouvem a
leitura dos outros muitas vezes. Já ocorreram quatro greves. E
muitas outras parecem iminentes. Toda a região está se levantando.
'Germinal' criará uma nova sociedade onde sua religião nada podia
fazer. E o que
eu tenho como a minha recompensa”?
–“O
quê”?
– “Francos.
Milhares e milhares de francos. Quer
me acompanhar numa bebida”?
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