Faleceu
ontem, após meses de luta contra o câncer, o amigo Paulo José
Brasil de Souza.
Paulo descansou. Estava cansado e, ouso dizer,
extenuado. Seus instantes finais demonstraram toda a fadiga que dele
se apoderara. Seu último fôlego assemelhou-se ao do náufrago que,
cansado de lutar contra as águas e preso ao derradeiro tronco de
madeira remanescente de seu barco despedaçado, resolveu largá-lo e
encarar seu instante final. Seu recalcitrar é explicável: – não
queria ir. Queria ficar mais um pouco, mais alguns anos, e ver seus
dois rebentos, o último nascido há cerca de quinze dias apenas,
vicejarem. Em sua lápide constará que veio ao mundo em 19 de março
de 1961 e dele partiu em 20 de março de 2015. Tão obstinado pela
vida, viveu menos de um dia a mais de seus 54 anos, o que demonstra
sua teimosia em viver. A vida lhe dizia não, e ele lhe dizia sim...
Mas,
o que somos nós quando a vida se vai de nós? Temos em nós a
vontade de vida, mas ela, a vida, não tem a mesma vontade de nós. O
que se vai fazer?... Ela nos abandona e cá ficamos, um corpo inerte
e vulnerável à decomposição. Resultamos tão degradados que somos
inumados, escondidos à visão dos que ficam, para que não assistam
ao nosso desmonte. (Ontem o Mesquita me dizia de um amigo seu, rico e
avaro até o semieixo, que morreu tentando economizar umas poucas
patacas. Concluímos que por não querer deixar ir-se um pouco de seu
dinheiro, foi ele quem se foi. Assim, o dinheiro o perdeu e
permaneceu aí para alguém que dele faça melhor uso.)
Paulo,
com sua partida precoce, deixa-nos aqui com suas lembranças.
Permanece vivo em nós, já que suas “artes” preenchem nosso
relicário. (Diz o Rubem Alves que a arte não suporta o efêmero. A
arte é a luta contra a morte.) Ontem o visitávamos com a plena
consciência da gravidade de sua doença, ele com a inarredável
esperança daqueles a quem nada mais resta senão ela, a esperança.
Hoje, a morte. Enfim, o fim... Seu corpo volta ao pó de onde veio,
enquanto a vida que o animava retorna para Deus.
Por
tudo isso e cheio dessas reflexões é que voltei à carga com o meu
amigo Fábio Motta. O que aconteceu foi o seguinte. Admoestei-o com
firmeza. Disse-lhe que não admitia que ele, vivo e saudável, se
negasse a festejar a vida, enquanto Paulo a perseguiu até não mais
suportar. Seria uma afronta ao amigo morto. Finalmente, ele acabou
marcando um encontro entre nós, pressionado pelos amigos e
particularmente por mim a comemorar seus 53 ocorridos na última
segunda-feira, 23.
Não
demorou muito e eis que o amigo parecia querer escapar às
responsabilidades. Reservadamente comunicou ao Mesquita, seu mais
antigo e dileto pariceiro em assuntos surfísticos e nas saliências
namorísticas da adolescência, que não seria possível comemorar na
terça como combinado porque hoje, quarta-feira, iria “entrar um
swell”. O Mesquita, como bom pontualista que é, não contou pipoca
– divulgou em nossa rede social privada a nova data de comemoração
de seu aniversário. E o fez como faz todo bom surfista; deu detalhes
– vai “entrar um swell”. Mais literal do que isso, impossível.
Os
outros, nós, laicíssimos em termos de surf e do jargão que usam
seus praticantes, ficamos aqui embasbacados e boquiabertos. Eu, que
não gosto de entrar mudo e sair calado em debates cujo tema me seja
desconhecido e analisando meus conhecimentos da língua britânica,
presumi que um swell acontece quando a maré se avoluma. O tal swell que interessava o Fábio Motta iria “entrar” às 5 da
manhã de hoje, cedo o bastante para obrigar o sujeito a ir dormir
cedo caso quisesse ter o prazer de surfar as ondas gigantes que se
geram nesse avolumado mar. Comecei, assim, a entender a procrastinação
pedida por meu amigo. Por isso, e para contribuir para o entendimento, por parte de todos, da situação, anunciei na rede o seguinte: –
“Caros amigos, a comemoração do aniversário de nosso Fábio
Motta não mais será hoje à noite. Motivo: amanhã cedo vai entrar
um swell no respeitoso orifício de nosso amigo”.
O
problema é que na próxima quinta-feira, o novo dia marcado para o
regabofe, será o dia em que celebrar-se-á a missa de sétimo dia
pela morte do Paulo. Ainda que nem todos sejam dados às missas de
sétimo dia – sou um deles –, outros manifestaram seu desejo de
comparecer à igreja para rezar pelo amigo, razão pela qual
descartou-se a quinta e marcou-se a sexta como a data agora
inadiável.
Tudo
certo, tudo perfeito. Era o que parecia. O diabo é que o Sérgio
Moura, em casa a tentar mitigar o incômodo prurido que carcomia suas
partes pudendas atacadas por uma crise obfirmada e molestante de
hemorroidas, descobriu, na rede social pública, uma fotografia
comprometedora de nosso Motta. Nela o homem aparece ao lado de uma
mocinha muito simpática que, pela aparência, deve ainda ser menor
de idade ou, como insistem os ignorantes da língua madre, ainda “de
menor”. Indagado sobre a procedência da jovem o nosso Motta, todo
sorridente dos sorrisos que denunciam as saliências casanovistas do
varão vigoroso, confessou: –“É minha nova estagiária”...
Não
houve jeito. Acabamos combinando ontem à noite mesmo, a véspera
do swell, para molhar a palavra e intimar o Fábio Motta a prestar
esclarecimentos sobre sua nova estagiária e suas reais
intenções em relação a ela. Sim, porque não queremos que o homem
troque os pés pelas mãos e acabe processado ou preso por corrupção
de menor. Em se tratando de Fábio Motta, é bom lembrar, tudo é
possível. O homem dá um trabalho danado...!
(Atentem
os leitores que, nesta crônica, há certa incongruência temporal
quanto aos fatos. É simples. Comecei a escrevê-la no sábado e só
a concluí hoje.)
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