Eu dizia de
minha afeição às frases, desde que marcantes, significativas, essenciais. Pois vejam
que me saiu minha amada amiga Joana, a louca, com a seguinte: “me encanto com o tempo e o seu poder de
remodelar nossas certezas”. Vamos e venhamos, nem o Bandeira, nem o
Quintana, nem o Pessoa, nem o Quental, nem o Drummond, e nem ninguém... Uma frase
lapidar, dessas que se demora a remoer e a esquecer, sem dela se desfazer. Serviria
de epitáfio, de epigrama, de arremate, de frase de fim de romance como aquele
curto poema de Florbela que diz:
“Por aquela tão doce
E tão
breve ilusão,
Embora nunca
mais
Depois que
a vi desfeita
Eu volte a
ser quem fui,
Sem ironia
aceita
A minha
gratidão”
Talvez até se
inserisse no poema lusitano a frase de minha amiga, uma vez que as ilusões e as
certezas são idéias antônimas, e a poetisa expõe corajosamente a perda ou o “remodelar
de sua certeza” de amor – sua ilusão – em seu belo poema.
Não
nos apressemos a esmiuçar a frase. Tal tentativa só serviria a lhe destruir a
beleza, como quando se abre o corpo do vivente após a morte numa violação
horrenda. Ademais, para quê? Se ele muito diz, não há razão para explorá-lo. Ainda
assim falemos das certezas, as que guardamos ou as que escolhemos ter, não
importa.
Há
alguns meses gastei um texto inteiro falando das incertezas para, ao final,
falar uma titica de nada das certezas (http://umhomemdescarrado.blogspot.com/2011/06/resiliencia-e-incertezas.html).
E agora vem Joana, a louca, decretar que o tempo remodela nossas certezas.
Ora, é precisamente isso o que
acontece entre os de mens sana. Esses
não tão raros espécimes aprendem que suas “certezas”, ainda que necessárias,
devem ser mutáveis, ou flexíveis, ou maleáveis, sob pena de se ver crescer uma
tralha de frustrações e mágoas.
Dizia o Casoba que, depois dos
40, qualquer ¼ de hora faz falta. Ele queria dizer que não há tempo a perder
depois da idade divisora de águas. Por que aos 40 e não aos 30, ou aos 50, não
se sabe. A vida humana nem de perto se assemelha à das estrelas, que sempre
morrem de velhice. A vida humana acaba a qualquer hora e em qualquer lugar. Nenhum
de nós vai virar anã branca ou supernova.
Se queria o
Casoba tirar maior proveito do tempo que se esvai, pergunto: temos tempo a que
o tempo renove nossas certezas? Resposta: depois dos 30, dos 40, dos 50 ou de
que idade for, é imperativo fazer também bom uso do tempo – que inexoravelmente
passa – sem movermos um único pedregulho que seja. Dito de outra maneira, segue-se
a viver enquanto o tempo se encarrega de mostrar a melhor solução para um ou
outro dilema; e ainda de outra forma, não temos sempre as respostas no momento
exato em que são feitas as perguntas, ou no instante em que se apresentam as dúvidas
quanto ao melhor encaminhamento para determinada situação.
Assim, a frase
de minha amiga aponta o tempo, esse inimigo mortal – literalmente, ressalte-se –
como um poderoso aliado. Com ele se aprende. Com ele crescemos. Com ele
amadurecemos. Com ele temos a chance de exorcizar a cegueira que nos fere desde
o primeiro dia de nossas vidas.
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