Até há pouco tempo eu ainda me permitia torcer por time de futebol.
Sim, me aventurava a torcer pelo time que ganhasse. Nesse tempo em
que torcia por quem ganhasse não mais freqüentava estádios, nem
assistia a jogos pela televisão. A verdade é que o futebol
“oficial” deixou cair sua máscara em 98 em França. Desde então
tive a mais figadal certeza: os “esquemas” abundam no mundo do
futebol. Mais, e por extensão: os “esquemas” abundam no esporte.
Portanto, passei a torcer por quem ganhasse. Queria ver os gols. Quem
fizesse mais tinha a minha humilde torcida. E ainda era generoso:
quando um time levava um gol, torcia a que empatasse. Se se mostrasse
incompetente para fazê-lo, vingava-me torcendo a que o adversário
fizesse mais gols e ganhasse de lavagem. Para resumir, não havia
possibilidade de eu sofrer com as armações do mundo do futebol.
Mais recentemente desisti. Custa-me entender a paixão de quem quer
que seja pelo futebol, ou pelo automobilismo, ou pelo basquete, ou
pelo vôlei. Alguns amigos acham “lindo” o estádio lotado, a
torcida eufórica aos gritos, as bandeiras flamulando, os confetes e
serpentinas caindo. Tem gente que chora, se emociona, passa mal. Eu?
Não dou a mínima. Não fede nem cheira. Ou por outra, mais fede que
cheira.
Vemos aí o Ceará Sporting Club (ou Clube?) passando, e subindo, da
série B do campeonato brasileiro para a série da elite. Acabo de
assistir a uma entrevista de meu amigo Evandro Leitão, presidente do
Ceará, onde, com as bochechas empapadas de comemorações perenes,
convocou 60 mil torcedores a comparecer sábado ao Castelão para
incentivar o clube a vencer o América e fechar a campanha com chave
de ouro. A julgar pelo que tenho visto na cidade, seu convite será
amplamente aceito, não há a menor sombra de dúvida. Rodaram-se,
então, imagens das comemorações da ascensão do clube onde
aparecia meu querido Evandro aos prantos nos braços de outro varão
torcedor. Que coisa desproporcional! Quando encontrá-lo – e espero
que seja em breve – dar-lhe-ei uns bons puxões de orelha a que se
comporte feito gente na próxima vez.
No último sábado, dia em que o Ceará venceu a Ponte Preta e se
classificou, recebi no celular uma mensagem de meu querido e estimado
amigo Ivan Machado fazendo chacotas e implicando com a turma do
Fortaleza, principal rival do Ceará. Bati-lhe o telefone
imediatamente e ouvi um Ivan absoluto, resoluto, régio. Escalou-se a
tomar umas cervejas comigo tão logo retornasse do IJF onde faria uma
endoscopia. Não apareceu. Suponho que tenha-se perdido n’algum
rega-bofe alvinegro. No domingo, ao abrir minha caixa de entrada na
internet me deparo com meia centena de mensagens de meu amigo Águia,
todas sobre o Ceará, desde sua fundação até o feito recente.
Nunca vira demonstração de amor tão pública em toda minha vida.
Sua mulher deve estar roxa de ciúmes do Ceará. Nenhuma franqueza
foi maior e mais contundente do que a de meu querido amigo Edson
Lopes Júnior, que bradou aos paralelos e meridianos: -“Nem me
importa que suba o Ceará – quero é que caia o Fortaleza!”
Acabou presenteado duas vezes, o safado.
O Fortaleza, por sua vez, desceu à série C e envergonhou seus
asseclas. Tenho amigos que se trancaram em casa e desligaram seus
telefones. A tristeza e decepção com o desempenho de seu time
aliadas às gozações dos torcedores do Ceará fizeram de seu fim de
semana um inferno. Alguém há de duvidar do que digo? Acreditem: é
possível. Melhor: é a pura verdade. Há quem sofra por isso.
Imaginem: o sujeito se deixar ficar infeliz por obra mal feita de
doze varões pernas de pau. Alguns perderam uma dinheirama em
apostas. Imaginem: o sujeito tirar da boca das crianças para apostar
nos profissionais da bola. O querido amigo Sérgio Moura, que
tinha-nos convidado a churrasquear em sua casa recém-reformada no
final da tarde de sábado, antevendo as nuvens negras da tempestade
desligou o celular e escondeu-se Deus sabe onde. Não se dignou a
avisar aos intimados que uma súbita e incontrolável indisposição
de vergonha futebolística o alcançara. Fez feio junto ao Fortaleza.
Na seara do rebaixado é quem merece um puxão de orelhas. Que
vergonha!
O que acontece é o seguinte. Moram aqui próximo, em prédio
vizinho, três ou quatro atletas do tricolor. São uns garotos
jovens, nunca comeram mel, saíram da periferia ou do interior para
morar no Meireles e jogar em grande clube da capital. Vocês sabem, o
dinheiro é uma merda, domina o desavisado. Somem-se uns rabos de
saia e as agradáveis noites de primavera e aí teremos dias e dias
de ressaca e pernas bambas. Assim dá para jogar futebol que preste?
Quem me contou essa fofoca foram os taxistas da redondeza, dos quais
sou cliente fiel. E diziam: -“O senhor sabe, né doutor... nós
vemos tudo... sabemos de tudo!” Não sei se fará diferença
contar-lhes que são todos torcedores do Fortaleza.
O Ferroviário Atlético Clube também desceu. Não sei para onde,
mas desceu. Dizem que vai jogar em várzea, com entrada gratuita, já
que não há muros nem portões. Quem quiser pode levar qui-suco e
dindin. E – pasmem! – conheço uns torcedores do Ferrim. Os que
julgam terem eles desaparecido com a morte dos mais antigos e
remanescentes, se enganam. Os finados deixaram uma prole de jovens
torcedores fiéis. A diferença é que os torcedores do Ferrim não
sofrem. Como o mendigo da praça que usa sua úlcera da perna para
sensibilizar os transeuntes, os que torcem pelo Ferrim usam essa
torcida inexplicável para fazerem chacotas de si mesmo e angariar a
simpatia de quem quer que seja. Seria assim: o Ferrim não suscita
ódios nem temores. Vive de derrotas. Eventualmente ganha uma, o que
também não faz diferença.
Não direi aqui que o Ceará ganhou através de algum “esquema”.
Não foi o caso. Time nordestino não protagoniza “esquema”.
Pode, sim, ser vítima de um. Assim, mais valor ainda tem a campanha
do Ceará, que sofreu com gol de mão e tudo.
Ao Fortaleza, como diriam os ingleses, shame on you! Um time que
entra para a zona de rebaixamento na décima quarta rodada e nela
permanece até o final da competição sem que nada se faça para
corrigir os erros merece o que obteve.
O Ferroviário fez o seu papel. Ou seja, nenhum. Deveria contratar
os rapazes do Fortaleza que moram no Meireles. Eles adorariam tomar
umas cachaças após o jogo na beira do rio.
Fernando Cavalcanti, 23.11.2009
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