Amorim sempre foi um sujeito cuja confiança em si mesmo
ultrapassava os limites da decência. Ninguém ousaria supor que ele
duvidasse de qualquer coisa ou projeto de sua autoria. Às pessoas
desconfiadas de si mesmas ele era intragável. Ninguém gosta de ver
alguém com tamanha autoestima, uma coisa a beirar a presunção, a
empáfia. Aos amigos fazia as confissões mais escabrosas: –“Tô
saindo aí com uma pequena linda, linda!”
Em matéria de dinheiro deixava transparecer o que a maioria dos
endinheirados escondia a sete chaves. Dizer que ostentava suas posses
ou novas aquisições seria uma injustiça com a verdade; não só o
fazia como ainda confessava: –“Tô deitado numa dinheirama que
nem imaginas!”
Em seu ofício jactava-se das manobras bem sucedidas e das medidas
heroicas. Com efeito, justiça se faça, Amorim era mesmo bom no que
fazia. O problema é que o autoelogio soa triste como o flato no
elevador repleto de gente, ainda que o fizesse quase sempre entre os
que considerava amigos.
Tudo ia muito bem na vida, enfim. Adorava a mulher, muito mais pelo
fato de ela não lhe azucrinar o juízo do que propriamente por
resquícios da paixão que por ela nutrira um dia. Era uma mulher
calma, pouco falante, de voz macia, que não se aventurava em
discussões argumentativas com o marido. Para melhor entendimento,
diria que não é daquelas que entram a “peitar” o companheiro.
Usava sempre de hipocorísticos ao se referir a ela – era fulaninha
pra cá, fulaninha pra lá, e a coisa lhe parecia cada vez mais um
conto de fadas. Fulaninha nem sequer imaginava as estripulias de seu
fiel esposo. Quando fulaninha ia à terra natal visitar familiares,
no Estado vizinho, Amorim não escondia a satisfação: –“Semana
que vem vamos à luz vermelha! Chegaram umas meninas lindas!” E
completava: –“Fulaninha vai passar o mês fora!”
Tudo, por anos, ia dentro dos conformes, e Amorim não cabia em si de
contentamento. Feito um balanço geral da situação, concluía, para
a alegria geral, que era um sujeito feliz. Resumia tudo, a excelente
situação financeira, o sucesso no trabalho e no casamento, para uma
meia dúzia de amigos, que engoliam as salivas secas e não escondiam
a ponta de inveja a lhes morder as virtudes.
Às vezes era ele a viajar ao interior, administrar os negócios da
família. Fulaninha, que sempre ficava na capital, nele confiava
cegamente. Até o dia em que Fulaninha soube, sabe-se lá como, que
por lá, no sertão, entre uma e outra dose de cachaça para aliviar
a canícula insuportável, Amorim dava a devida assistência a uma
jovem viúva necessitada e viciada nas vadiagens da cama. Justiça se
faça: uma mulher de família com um mínimo de sensatez e
inteligência não põe seu casamento a perder por causa de um ou
outro pulinho do marido. Ainda mais um marido bem sucedido na difícil
tarefa de acumular o vil metal, e tão competente no ofício de curar
e aliviar sofrimentos. Uma única atitude seria o suficiente: dele
não mais desgrudaria. Avisou aos parentes que ficaria um tempo sem
lá pisar, e que lhes enviaria passagens para virem lhes visitar
sempre que quisessem. E, por via das dúvidas, estaria sempre de
malas prontas a ir enfrentar o calor do sertão, disposta também a
entornar, com o marido, as cachaças providenciais.
O que sei é que Amorim não mais se jacta pelos corredores, e os
amigos sentem-se aliviados por não terem de aturar um indivíduo tão
bem sucedido como ele. Ninguém merece.
Fernando Cavalcanti, 17.05.2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário