terça-feira, 28 de dezembro de 2021

PESSOAS DIFÍCEIS SÃO PESSOAS... DIFÍCEIS!

Vejam os poucos leitores como são as coisas. 

Sugeriu-me outro dia o Fábio Motta, vulgo Meninotti Motta, a leitura de certo livro. De cara devo confessar: meu amigo Fagogó, digo, Fábio "Meninotti" Motta nunca foi, que eu saiba, dado a livros. São 50 anos de amizade e ele, até então, jamais havia falado em ler livros. Nem gibi o safado lia. É bem possível que eu esteja completamente equivocado e sendo injusto com o homem, mas quem é amigo de alguém por 50 anos sabe do outro - desculpem a extrema franqueza - até a catinga dos flatos. Pois bem.

Tão logo ele anunciou o título, enchi-me de divertido horror, como diria Nelson Rodrigues. E por quê?, perguntará alguém. E respondo: o livro sugerido assombra pela espantosa ambiguidade de seu título, qual seja, "Como Lidar Com Pessoas Difíceis". O subtítulo, em letrinhas menores, dá uma aliviada - "a começar por mim". De imediato pairou, justamente sobre mim, a dúvida avassaladora. Ou melhor - incontáveis dúvidas acachapantes e crudelíssimas se me abateram. Afinal, em nome de todos os defuntos privilegiados - dizia o padre Palhano, em seu notável reconhecimento da inexistência dos santos a quem os católicos dão tantas graças, que todo santo é um defunto privilegiado -, que diachos seria uma "pessoa difícil"? Devemos, cada um de nós seres humanos viventes da face da Terra, nos considerar uma pessoa difícil? Presumi incontinenti que, sim, cada um de nós, sem exceção alguma, há de ser uma "pessoa dificil", se não para todos, pelo menos para alguém. Difícil é sempre o outro e faço parecer que também sou difícil apenas para não me vender pretensioso? Todo mundo é difícil, mas eu sou menos? Somente um ou outro é difícil? E quem julga quem é difícil ou não? Ora, bolas! Na verdade verdadeira, o mais difícil sou eu e o tal livro é um tratado de autoajuda altamente especializado?... E por aí a coisa ia na minha cabeça diante de tal sugestão escabrosa

Com o vislumbre de tantas possibilidades, cobrei do amigo, presumindo já ter ele lido a obra, o óbvio - justamente a definição exata e precisa do que seria uma pessoa "difícil". Em contrapartida, quis saber também - por que não? - como poder-se-ia definir uma pessoa "fácil". Afinal, uma boa maneira de se ter o sinônimo de algo é justamente lhe associar o antônimo. Como de praxe, e já assumindo uma ignorância infindável e profunda até mesmo sobre aquilo que tenho como conhecido e entendido, fui consultar o pai-dos-burros. E encontrei o seguinte sobre difícil, aplicável a um ser humano: complicado; exigente; mau. Concluí que o tal livro deve discorrer sobre a lida com pessoas complicadas e/ou exigentes, visto que pessoas más são, por natureza, psicopatas em graus variados, assunto a ser discorrido em tratados de psiquiatria. Ora, se cada um de nós é, sem sombra de dúvida, uma pessoa difícil para alguém, por que razão notória alguém perderia seu tempo escrevendo sobre o que é normal? Vamos a um exemplo.               

Aproveitando o amigo que fez a sugestão - só ágora percebo que ele talvez tenha me sugerido tal leitura justamente por me considerar uma pessoa difícil para ele -, tomo logo o Meninotti como exemplo. Pois bem: para mim o Meninotti se tornou uma pessoa difícil... mais que difícil... dificílima! Sim, é verdade! Não duvidem os que pensam que o amor fraternal que há entre nós seria capaz de impedir isso. De forma alguma! E por que razão o Fagogó se tornou difícil? Resposta: não sei. O que sei é que ele não é exigente, nem complicado e muito menos mau. É um doce de ser humano. Tão doce que coleciona uma lista infindável de mulheres em seu currículo. Mas, vejam: o indivíduo que gasta boa parte de seu precioso tempo de vida com uma conversa uníssona e repetitiva torna-se chato que nem um piolho genital. É precisamente o caso do Meninotti Motta: virou um chato da genitália alheia. A diferença é que o Pthirus pubis tem tratamento eficaz e a vítima se vê livre do bicho bem rápido, ao passo que o amigo que se tornou um chato vem seguindo chato há... sei lá... alguns poucos intensos anos. Os que me leem hão de convir - quem é chato por tanto tempo assim passa a ser difícil... mais que difícil... dificílimo! 

Assim, após essas considerações concluo que entendi bem o conteúdo do livro sem precisar ler-lhe uma mísera frase. A propósito, vou ficando por aqui porque o texto já vai longo e aos dias de hoje o leitor está cada vez mais exigente - quanto menor o texto, melhor. Caso contrário, vão já me dizer difícil... muito difícil... dificílimo. E isso só sou para quem escolho ser.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

O "DEBLATERADOR"

                Sempre pensei que a inspiração há de ter um limite. Sim, não é para sempre que o artista estará cheio daquilo que o move, da energia que o leva a produzir sua arte outrora tão apreciada e cheia de... energia. Os exemplos são vários. Tanto que, como na vida biológica, some o artista de cena. Então, nesse momento, por alguma razão que foge a uma explicação hipoteticamente necessária, pensamos naquele artista que anda sumido. “Onde anda o Elton John que nunca mais compôs uma daquelas suas músicas marcantes?” É um exemplo. Assim, cadê o Elton John?, pergunto agora. Creio que os escassos leitores me entendem...

                Fiz o comentário acima porque há tempos não escrevo. Não que queira me comparar a gigantes da literatura ou coisa que o valha, nada disso. Não chego nem perto. Pelo simples fato de ter deixado de produzir aquilo que seria minha catarse, minha válvula de escape, minha pilhéria do dia-a-dia, pensei que, também eu, um escritorzinho de quinta “catigoria”, teria me esvaziado da energia que me impelia a escrever. E isso não é bom. Afinal, ando cheio de sentimentos, de paixão, de amor, de vontade de vida... de saudades... sim, saudades. Disse alguém, acho que uma criança, que saudade é o amor que fica. Só em citar o Elton John já demonstra meu grau e tipo de saudade. Eu complementaria a linda definição de saudade acrescentando que, se o amor é algo que fica, é porque algo não fica. Algo se foi. Algo partiu. Algo não mais existe.

                Aprendi que a vida é perda. Na vida, tudo perdemos. Aos poucos ou de uma só vez. À medida que perdemos, crescem as saudades. Nunca morre os que ou o que perdemos, até que morramos nós mesmos. Nossa memória, e somente ela, mantém vivas nossas perdas. Nossa última perda, a da própria vida, leva-nos ao profundo sono no qual as memórias se vão e com elas as saudades. Nossa própria morte é o alívio final. Sofrem os que nos choram, e aí com eles ficam nossos amores, vivos em suas memórias de sofridos viventes.

                Conclui-se, com essas breves e parvas reflexões, que aprender a viver é o mesmo que aprender a lidar com as perdas. Se pararmos de nos torturar e deblaterar sobre as perdas, viveremos melhor. Mas... e daí? (Acaba-me de chegar, na rede social e enquanto escrevo, a notícia da morte de um amigo.)

                O que ocorreu foi o seguinte.

Amorim ja completou 60. É homem com 60 anos nos couros há mais de 6 meses.  Vamos e venhamos, o que significa ter 60 anos? Dizia o meu querido amigo Raimundo Araújo, das bandas dos Montes Claros nas Minas Gerais, que tem gente que não sabe nem quando está com fome. Eis aí, de fato e de vera, na definição implícita de maturidade de meu Raimundo, o que significaram ao Amorim seus rasos 60 anos (o leitor vai me permitir uma emoção mais que sincera) – porra nenhuma! Indo direto às vias de fato, a maturidade emocional do Amorim aos 60 anos seria igual ou ainda pior que a de um garoto de 15 anos. (Seria igual, estou na dúvida, às de um de 12?)

                Tudo bem, tudo bem... não sejamos tão radicais. Vamos contemporizar... Como posso eu emitir uma opinião tão contundente sobre o amigo?, indagará alguém. Como resposta direi apenas o seguinte: o homem segue fazendo o que sempre fez desde exatamente os 15 anos de idade. Se precisar dizer mais, direi. Mas fiquemos com esse único e mísero critério. Fazer o mesmo desde os quinze anos não funciona nem para escovar os dentes, que dirá para tomar decisões, fazer ou não fazer “cagadas”, chorar ou não chorar como uma criança de 5, pagar as contas, etc. etc. etc.

                Pois foi nesse cenário que sobreveio a grande catástrofe – um suposto amigo do Amorim a “defender-lhe” dos verdadeiros amigos que tentavam, a pedido do próprio, ajudar-lhe na tomada de algumas decisões. O detalhe aí é a busca do Amorim por ajuda. Ninguém se intrometeu voluntariamente e se arvorando o direito de interferir na vida do querido amigo. Assim, disse o “deblaterador”, se achando o máximo defensor do amigo em perigo iminente de sério risco diante de... amigos: “E deixem o Amorim tomar suas decisões. Ele é adulto e conhecedor de sua vida.”

Não há dúvidas que o homem é adulto. Afinal, tem mais de 60 anos. Que conhece sua vida, idem, tanto que sabe ter feito um monte de merda a vida inteira. O que o “deblaterador” não sacou, e não sacou porque talvez ele próprio também ainda beba nas aguas impuras da imaturidade, foi que falta ao Amorim a lição que ensina a perder. Por mais que a vida lhe bata na cara – já perdeu pai e mãe – o homem não atinou, não atina. O outro, o falso amigo, de que serve? A nada, eis a resposta. Uma lamúria. Uma lástima.    

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

A PROPOSTA DO DOUTOR FULANO

              Nada se deve prometer. Hoje se tem a intenção. Amanhã se tem o arrependimento e a má fama. Então, melhor é nada prometer. Ou, ainda mais cômodo, se quer prometer que vai realizar algo, faça-o a si mesmo. Ponha como uma meta pessoal a ser atingida, custe o que custar. Assim evita-se a má fama.

            Dizia o professor Heródoto, de História, que todo homem tem seu preço. À época, divulgava abertamente o seu: um milhão de dólares. A alguns parecerá pouco, mas eram os anos setenta, e o dólar custava uma penca de cruzeiros, a moeda da época. Assim, tínhamos a nítida impressão de que o professor era caro. Não se o compraria barato. Nós, os alunos - todos recém adolescentes - ainda não nos tínhamos dado ao trabalho de nos etiquetar preços. Nem de divulgá-los. A vida viria a fazer isso mais tarde.

            Entretanto, não tenho dúvida que o preço de um homem muitas vezes não se paga com dinheiro. Em outras palavras, há valores tão elevados que nem todo o dinheiro do mundo será capaz de cobri-lo. Continuará o homem a ter seu preço, como pregava professor Heródoto, só que de valor não monetário. Vamos a um exemplo, onde descobri que não me vendo barato.

            Eu estava no consultório quando a atendente me interfona para anunciar que acabara de chegar o doutor Fulano, médico ecografista. Fiquei muito feliz pela honrosa visita, pois era para ele que encaminhava meus pacientes a realizar as ecografias. A ecografia é um exame cujo resultado depende muito do examinador. Hoje isso é cada vez menos verdade, visto que os aparelhos estão cada vez mais capazes de fornecer imagens que até a mamãe saberia interpretar. Contudo, isso ocorreu há mais de dez a doze anos. Ainda valia a competência do examinador. Os laudos do doutor Fulano eram compatíveis com a clínica do paciente bem como com os achados cirúrgicos. Por tudo isso eu nutria por ele um grande respeito e admiração, mesmo sem o conhecer pessoalmente. Fácil é, então, entender minha alegria por saber que naquele momento ele vinha pelo corredor para me visitar no consultório.

            Cumprimentamo- nos efusivamente. Pedi a minha secretária água e café, e iniciamos uma conversa amena, que não durou mais que três ou quatro minutos. Lá pelas tantas, doutor Fulano revelou o verdadeiro caráter de sua visita. Vinha, a “pedido” do dono da clínica radiológica em que fazia seus exames, oferecer-me uma “participação nos lucros”. Ora, eu encaminhava os pacientes para com ele fazer os exames por uma razão muito simples: eu precisava das informações que o exame me fornecia para resolver o problema dos pacientes. Toda a coisa girava em torno do melhor interesse dos pacientes. Essa era a razão de tudo. Não me passava pela cabeça auferir lucro neste cenário. Estava havendo ali uma tentativa de me corromper e cooptar.

            Ainda bem que minha secretária agira com rapidez, de modo que o café e a água já haviam sido devidamente servidos e bebidos. Delicadamente agradeci a visita e disse-lhe que não aceitava a proposta, mas que continuaria a enviar-lhe pacientes para que ele me ajudasse a ajudá-los. Assim, nos despedimos.

            Como um sujeito como eu - que passa boa parte de seus dias a ferroar más condutas e maus caracteres - pode se deixar ter teto de vidro? Não pode, eis a resposta. Como um reles mortal, sou um poço de defeitos. Mas não posso ser incoerente nem me contradizer. Um homem precisa zelar por um mínimo de decência, ter um mínimo de virtudes, sentir prazer com ações que o aproximem da nunca atingida perfeição do caráter. Somente a tentativa cristalina e verdadeira já indica a preocupação em não fazer o mal.

            Outro dia, não faz nem uma semana, um amigo disse-me que eu tinha moral para falar, e sugeriu que eu só a tinha porque ainda não fui testado. Pensa ele, certamente, se é que o entendi, que eu faria a mesma coisa que fazem aqueles que estão em posição vantajosa: relutam em largar o osso.

            Aviso, então, a todos – de antemão - que não aceito qualquer proposta indecorosa que cogitem em me fazer. Há muitas, e muitas, e muitas formas de ganhar dinheiro honestamente mantendo-se a integridade e a honra. Não há, para os que não têm medo de trabalhar, possibilidade de faltar dinheiro no bolso. Nem há a necessidade de concorrer com a malta por cargos e posições e assessorias para auferir recursos abdicando-se da paz do viver sabiamente. Rejeito, peremptoriamente, os testes a que eventualmente me queiram submeter. Eles não encontram eco em minhas prioridades. Logrei bem me suceder na vida. Cheguei onde queria, de acordo com os planos que fiz quando estudante. Tenho hoje outros projetos em pleno andamento que mantêm minha paz e me dão prazer em viver. Repito: cedo percebi em mim o horror pela competição. Isso catalisou minha ambição e a tornou sadia. Aprendi que não se tem sucesso sozinho, que o melhor sucesso é instigar os outros, e ajudá-los, a ter sucesso. O meu próximo sucesso é ajudar outros a ter sucesso.

            Minhas promessas estão guardadas em mim. E as cumprirei custe o que custar. Este, sim, é um bom teste a me fazer a mim mesmo.

 

Fernando Cavalcanti, 06.06.2009         


O NARCISO DO MEIRELES

Moravam numa bela casa no Parque Manibura.  Ela implicava com ele quase que diariamente. Era da velha guarda, do tempo em que o homem saía c...