sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

OS CRIMES DO COMUNISMO (excertos do prefácio de "O Livro Negro do Comunismo", por Stéphane Courtois), 2ª parte

          Além da questão da responsabilidade direta dos comunistas no poder, coloca-se a questão da cumplicidade. O Código Criminal canadense, modificado em 1987, considera, em seu artigo 7, que...são também assimilados aos crimes contra a humanidade “a tentativa, o complô, a cumplicidade após o fato, o conselho, a ajuda ou o encorajamento a respeito desse fato. Ora, dos anos 1920 aos anos 1950, os comunistas do mundo inteiro e várias outras pessoas aplaudiram com entusiasmo a política de Lenin e, em seguida, a de Stalin. Centenas de milhares de homens engajaram-se nas fileiras da Internacional Comunista nas seções locais do “partido mundial da revolução”. Nos anos 50-70, outras centenas de milhares de homens veneraram o “Grande Timoneiro” da revolução chinesa e cantaram os grandes méritos do Grande Salto Adiante ou os da Revolução Cultural. […]
       Alguns responderão que “não sabiam”. É verdade que nem sempre foi fácil saber, já que os regimes comunistas fizeram do segredo uma das estrategias de defesa privilegiadas. Mas, frequentemente, essa ignorância era tão somente resultado de uma cegueira devida à crença militante. E, desde os anos 40 e 50, muitos fatos eram conhecidos e incontestáveis. Ora, se vários desses bajuladores abandonaram seus ídolos de ontem, foi com silêncio e discrição. […]
       Joseph Berger, antigo membro do Komintern, ele próprio “expurgado” e conhecedor dos campos, cita a carta recebida de uma antiga deportada do Gulag, mas que permaneceu membro do Partido após ter retornado dos campos de concentração: “Os comunistas de minha geração aceitaram a autoridade de Stalin. Eles aprovaram seus crimes. Isso vale não somente para os comunistas soviéticos, mas também para aqueles do mundo inteiro, e essa nódoa nos marca individual e coletivamente. Só podemos apagá-la fazendo com que isso nunca mais se reproduza. O que aconteceu? Havíamos perdido a razão ou somos traidores do comunismo? A verdade é que todos nós, inclusive os que estavam mais próximos a Stalin, fizemos dos crimes o contrário do que eles realmente eram. Nós os consideramos como uma importante contribuição para a vitória do socialismo. Acreditamos que tudo o que fortalecia a potencia política do Partido Comunista da União Soviética e no mundo era uma vitória para o socialismo. Não imaginávamos jamais que pudesse haver um conflito no interior do partido entre a política e a ética”. […]
       Em sua notável obra sobre a Revolução Russa – La Tragédie Soviétique – Martin Malia traz um pouco de luz ao assunto falando “desse paradoxo: um grande ideal que levou a um grande crime” . Annie Kriegel, uma outra grande analista do comunismo, insistia nessa articulação quase necessária das duas faces do comunismo: uma luminosa e outra escura.
       A esse paradoxo Tzvetan Todorov traz uma primeira resposta: “O habitante de uma democracia ocidental queria pensar no totalitarismo como algo completamente estranho às aspirações humanas normais. Ora, o totalitarismo não teria se mantido por tanto tempo, não teria arrastado tantos indivíduos em sua senda, se ele fosse assim. Ele é, ao contrário, uma máquina de tremenda eficácia. A ideologia comunista propõe a imagem de uma sociedade melhor e nos incita a desejá-la: não faz parte da identidade humana o desejo de transformar o mundo em nome de um ideal? Além do mais, a sociedade comunista priva o indivíduo de suas responsabilidades: são sempre 'eles' quem decidem. Ora, a responsabilidade é frequentemente um fardo pesado a ser carregado.[...] A atração pelo sistema totalitário, experimentada inconscientemente por numerosos indivíduos, provém de um certo medo da liberdade e da responsabilidade – o que explica a popularidade de todos os regimes autoritários (é a tese de Erich Fromm em 'O Medo da Liberdade'); o que existe é a 'servidão voluntária', já dizia La Boétie".
       A cumplicidade daqueles que enveredaram na servidão voluntária não foi – e continua não sendo – abstrata e teórica. O simples fato de aceitar e/ou assumir uma propaganda destinada a esconder a verdade demonstrava e continua demonstrando uma cumplicidade ativa. Pois tornar público é o único meio – ainda que não seja sempre eficaz, como acaba de mostrar a tragédia de Ruanda – de lutar contra os crimes de massa cometidos em segredo, protegidos dos olhares indiscretos.[...]

(Todos os grifos são meus.)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

PRÓLOGO DE "O LIVRO NEGRO DO COMUNISMO", por Stéphane Courtois

          Outubro de 1917: o golpe de estado bolchevique significou bem mais do que a queda do czarismo e a subida ao poder de um grupo de políticos idealistas. A revolução liderada por Lenin tornou-se o ícone que representaria o começo de uma nova era para a humanidade, anunciando uma sociedade mais justa e um homem mais consciente de sua relação com seu semelhante.

         Novembro de 1989: a queda do muro de Berlim e a consequente abertura dos arquivos dos países comunistas apareceram para o mundo como a derrocada final do sonho comunista. O livro negro do comunismo traz a público o saldo estarrecedor de mais de sete décadas de história de regimes comunistas: massacres em larga escala, deportações de populações inteiras para regiões sem a mínima condição de sobrevivência, expurgos assassinos liquidando o menor esboço de oposição, fome e miséria provocadas, que dizimaram indistintamente milhões de pessoas, enfim, aniquilação de homens, mulheres, crianças, soldados, camponeses, religiosos, presos políticos e todos aqueles que, pelas mais diversas razões, se encontraram no caminho de implantação do que, paradoxalmente, nascera como promessa de redenção e esperança. Os autores, historiadores que permanecem ou estiveram ligados à esquerda não hesitam em usar a palavra genocídio, pois foram cerca de cem milhões de mortos! Esse número assustador ultrapassa amplamente, por exemplo, o número de vítimas do nazismo e até mesmo o das duas guerras mundiais somadas. Genocídio, holocausto, portanto, confirmado pelos vários relatos de sobreviventes e, principalmente, pelas revelações dos arquivos hoje acessíveis. O terror – o Terror Vermelho – foi o principal instrumento utilizado por comunistas tanto para a tomada do poder quanto para a sua manutenção, e também por grupos de oposição que jamais chegaram ao governo. Os fatos demonstram: o terrorismo de oposição e o terrorismo de Estado, com frequência praticados contra o seu próprio povo, são as grandes características do comunismo no século XX. Obstinados, pragmáticos, carismáticos, os líderes comunistas, que guiariam o mundo a seu destino inelutável, têm revelada a sua face sombria: Lenin, Stalin, Mao Tsé Tung, Pol Pot, Ho Chi Ming, Fidel Castro e muitos outros tornam-se os responsáveis diretos pelas atrocidades cometidas em nome do ideal comunista. Sob seus olhares zelosos, os “obstáculos” – qualquer homem, cidade ou povo – foram sendo exterminados com violência e brutalidade. O livro negro do comunismo não quer justificar nem encontrar causas para tais atrocidades. Tampouco pretende ser mais um capítulo na polêmica entre esquerda e direita, discutindo fundamentos ou teorias marxistas. Trata-se, sobretudo, de dar nome e voz às vítimas e a seus algozes. Vítimas ocultas por demasiado tempo soba a máquina de propaganda dos PCs espalhados pelo mundo. Algozes muitas vezes festejados e recebidos com toda a pompa pelas democracias ocidentais. Todos que de algum modo tomaram parte na aventura comunista neste século estão, doravante, obrigados a rever as suas certezas e convicções. Encontra-se, assim, uma das principais virtudes deste livro: à luz dos fatos aqui revelados, o Terror Vermelho deve estar presente na consciência dos que ainda creem num futuro para o comunismo.

(Todos os grifos são meus.)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

OS CRIMES DO COMUNISMO (excertos do prefácio de "O Livro Negro do Comunismo", por Stéphane Courtois), 1ª parte

          Já se escreveu que “a história é a ciência da infelicidade dos homens”; nosso século de violência parece confirmar essa fórmula de maneira eloquente. É verdade que nos séculos precedentes poucos povos e poucos Estados estiveram isentos da violência de massa. ...
           Não resta dúvida de que, a esse respeito, nosso século deve ter ultrapassado seus predecessores. …
          O comunismo insere-se nessa faixa de tempo histórico transbordante de tragédias, chegando mesmo a constituir um de seus momentos mais intensos e mais significativos. …
          Qualquer que seja o grau de envolvimento da doutrina comunista anterior a 1917 na prática do comunismo real, foi este quem pôs em prática uma repressão metódica, chegando a instituir, em momentos de grande paroxismo, o terror como modo de governo. Isso faz com que a ideologia seja inocente? …”na verdade, as revoluções são como as árvores, elas são reconhecidas através de seus frutos”. …
          Excedendo os crimes individuais, os massacres pontuais, circunstanciais, os regimes comunistas erigiram, para assegurar o poder, o crime de massa como verdadeiro sistema de governo. …
          Nenhuma das experiências comunistas, populares durante algum tempo no Ocidente, escapou a essa lei. …
          Ora, os crimes do comunismo não foram submetidos a uma avaliação legítima e normal, tanto do ponto de vista histórico quanto do ponto de vista moral. …
          Os crimes que expomos neste livro não se definem em relação à jurisdição dos regimes comunistas, mas ao código não escrito dos direitos naturais da humanidade. …
          A história dos regimes e dos partidos comunistas, de sua política, de suas relações com as sociedades nacionais e com a comunidade internacional não se resume a essa dimensão criminosa, ou mesmo a uma dimensão de terror e de repressão. Na URSS e nas “democracias populares” depois da morte de Stalin, na China após a morte de Mao, o terror atenuou-se, a sociedade começou a retomar suas cores, a “coexistência pacífica” – mesmo sendo ainda “uma continuação da luta de classes sob outras formas” – tornou-se um dado permanente da vida internacional. Entretanto, os arquivos e os testemunhos abundantes mostram que o terror foi, desde sua origem, uma das dimensões fundamentais do comunismo moderno. …
          Abandonemos a ideia de que tal execução de reféns, tal massacre de trabalhadores revoltados, tal hecatombe de camponeses mortos de fome, foram somente “acidentes” conjunturais, próprios a tais países ou a tal época. O nosso método...considera a dimensão criminosa como uma das dimensões próprias ao conjunto do sistema comunista, durante todo o período de sua existência.
          O comunismo cometeu inúmeros (crimes): inicialmente crimes contra o espírito, mas também crimes contra a cultura universal e contra as culturas nacionais. Stalin ordenou a demolição de centenas de igrejas em Moscou; Ceaucesco destruiu o coração histórico de Bucareste para construir edifícios e traçar perspectivas megalomaníacas; Pol Pot fez com que fosse desmontada pedra por pedra a Catedral de Phnom Penh e abandonou à selva os templos de Angkor; durante a revolução cultural maoísta, tesouros inestimáveis foram quebrados ou queimados pelos Guardas Vermelhas. Entretanto, por mais graves que tenham sido essas destruições, a longo prazo, para as nações envolvidas e para a humanidade inteira, em que medida elas pesam em face do assassinato em massa de pessoas, de homens, de mulheres, de crianças?
          Portanto, consideramos apenas os crimes contra as pessoas, os que constituem a essência do fenômeno do terror. Esses respondem a uma nomenclatura comum, mesmo que tal prática seja mais acentuada neste ou naquele regime: execução por meios diversos – fuzilamento, enforcamento, afogamento, espancamento e, em alguns casos, gás de combate, veneno ou acidente de automóvel; destruição pela fome – indigência provocada e/ou não socorrida; deportação – a morte podendo ocorrer no curso do transporte (em caminhadas a pé ou em vagões para animais) ou nos locais de residência e/ou de trabalhos forçados (esgotamento, doença, fome, frio). O caso dos períodos ditos de “guerra civil” é mais complexo: não é fácil distinguir o que decorre do combate entre poder e rebeldes e o que é massacre da população civil.
          Contudo, podemos estabelecer os números de um primeiro balanço que pretende ser somente uma aproximação mínima e que necessitaria ainda de uma maior precisão, mas que, de acordo com estimativas pessoais, dá uma dimensão da grandeza e permite sentir a gravidade do assunto:
- URSS: 20 milhões de mortos;
- China: 65 milhões de mortos;
- Vietnã: 1 milhão de mortos;
- Coreia do Norte: 2 milhões de mortos;
- Camboja: 2 milhões de mortos;
- Leste Europeu: 1 milhão de mortos;
- América Latina: 150 mil mortos;
- África: 1,7 milhão de mortos;
- Afeganistão: 1,5 milhão de mortos;
- Movimento comunista internacional e partidos comunistas fora do poder: uma dezena de milhões de mortos.
          O total se aproxima da faixa dos 100 milhões de mortos. …
         Nosso propósito aqui não é o de estabelecer uma macabra aritmética comparativa qualquer, uma contabilidade duplicada do terror, uma hierarquia da crueldade. Entretanto, os fatos são tenazes e mostram que os regimes comunistas cometeram crimes concernentes a aproximadamente 100 milhões de pessoas, contra 25 milhões de pessoas atingidas pelo nazismo. Essa simples constatação deve, pelo menos, provocar uma reflexão comparativa sobre a semelhança entre o regime que foi considerado, a partir de 1945, como o regime mais criminoso do século e um sistema comunista que conservou, até 1991, toda a sua legitimidade internacional e que, até hoje, está no poder em alguns países, mantendo adeptos no mundo inteiro.

(A ser continuado.)

domingo, 13 de dezembro de 2015

UM VINHO NASCIDO VINAGRE

       Já disse várias vezes de minha ojeriza aos jornais locais. Hoje, por exemplo, uma amiga me enviou por mensagem no telefone portátil o link de uma reportagem de certo periódico. A matéria dava conta de uma empresa norte-americana produtora de vinhos cujo nome agora me escapa e que acaba de engarrafar o vinho Fortaleza. Ora, o vinho foi inspirado, segundo a matéria, em nossa cidade.
      (Lembrei agorinha o nome da vinícola: Villa Bellezza; assim mesmo, com essa abundância de eles e zês.)
      Eu disse que o processo de criação do vinho foi inspirado em nossa cidade? Se disse, acho que me equivoquei... Não, não me equivoquei. De fato, o proprietário da vinícola, que “sempre foi interessado em diferentes culturas e países, sempre gostou muito do nome Fortaleza e sempre perguntava sobre seu significado”, após ouvir da enóloga cearense Elea Aguiar – ela é funcionária da vinícola – sobre a origem e a história de Fortaleza, “adorou a ideia de nomear um vinho que inspirasse um pouco a cidade”.
         O proprietário da ilustre empresa, Derick Dahlen, resolveu criar o Fortaleza, “um vinho tinto fino seco e que possui aromas complexos de frutas pretas, sabor de amoras e ameixas”, porque gostava do nome de nossa cidade. Ora, confesso que, ao ler a descrição do sabor do Fortaleza, encheu-se-me a boca. Tive abundante sialorreia, tamanha a vontade de degustá-lo. De fato, também essa Fortaleza-cidade já teve sabores, aromas e perfumes complexos, atrativos de seus mil encantos. Entretanto, lamentável e forçoso dizer, como a nobre fruta que cai da árvore que a produziu abandonada às intempéries e aos germes peçonhentos da decomposição, a Fortaleza-cidade também degenerou, também azedou, também apodreceu... Deixada ao desamparo e carregando dentro de si inconsequências históricas e fissuras sociais perenizadas, cresceu como a metástase das malignidades implacáveis que corroem o organismo aos poucos para depois abandonar-lhe a carcaça deitada à margem, como cadáver indigente... A Fortaleza-cidade do dia-a-dia de seus filhos seria a disgeusia do degustador do Fortaleza, o vinho norte-americano que encheu de orgulho bairrista a enóloga cearense que ganha em dólar, o sonho de centenas de milhares de seus filhos esclarecidos que custam inexplicavelmente a entender o porquê de tamanha degradação.
        Não bastasse essa simples e pouco pretensiosa reportagem, deparo-me, desta vez na rede social, com outras, sim, outras três matérias jornalísticas que me fisgaram tão logo lhes li o título. A primeira delas me encheu de depressivo horror. A prefeitura de Fortaleza vai realizar, na festa de réveillon deste ano no próximo dia 31 de dezembro, a maior queima de fogos do país. Seguramente irá contratar artistas a peso de ouro para animar (?) a festa. Em suma, o país mergulhado numa crise econômica sem precedentes, os serviços básicos, como a saúde pública, assistindo à morte e ao sofrimento de milhares de fortalezenses por corte no repasse de recursos para o setor, o desemprego grassando, a miséria aumentando... e a prefeitura de Fortaleza gastando na “maior queima de fogos” do país. Está-se tentando inflamar um outro orgulho bairrista inútil e perverso...
      A segunda reportagem li-a cheio de suspeitas e desconfianças. Ela dá conta da ocupação de 100% dos leitos de hotelaria da cidade por ocasião da festa onde ocorrerá a tal queima de fogos de artifício. O que excitava minhas suspeitas era a seguinte questão – há alguma relação entre a queima de fogos promovida pela irresponsável prefeitura de Fortaleza e os 100% de ocupação da rede hoteleira da cidade? Para mim, não apenas há uma relação mais que direta, mas uma relação promíscua e criminosa. Os leitores a julguem.
    A terceira reportagem informa que os funcionários da Saúde do Estado estão “devendo” mais de 136 mil horas de trabalho a seu patrão. E por quê? Porque, com a vigência do chamado “ponto eletrônico”, constatou-se que há sérias “fragilidades” na avaliação das “horas trabalhadas” do pessoal da Saúde.
       Não há a menor sombra de dúvida que é legítimo, por parte do Estado empregador, cobrar de seus funcionários a que cumpram a carga horária estipulada à realização do concurso público. Causa espécie, entretanto, dois aspectos. Primeiro, o Estado, até então omisso quanto à cobrança deste item, não estava preocupado com o cumprimento desta carga horária. Dizendo assim parece que ninguém trabalhava, uma suposição que está tão longe da verdade quanto a Terra está longe de Betelgeuse.
     Os funcionários dos hospitais geridos pelo Estado do Ceará trabalham e sempre trabalharam cumprido a sua carga horária. As supostas 136 mil horas em falta são apenas o atestado de incompetência do Estado em avaliar, em sua míope visão burocrática, o que o funcionalismo tem feito ao longo dos anos. Quero dizer apenas que o funcionário do Estado tem trabalhado com afinco e no cumprimento de suas obrigações de carga horária todos esses anos, apesar da “ausência” de seu patrão. A explicação para a recente “preocupação” do gestor para este item, e aqui está o segundo aspecto a nos causar espécie, deve-se apenas a uma conjunção incômoda, para o poder público, de algumas variáveis: primeiro, a falência completa da Saúde Pública devido a incompetência e irresponsabilidade do Estado e, segundo, à consequente necessidade do ente estatal de, reconhecidas a sua incompetência e irresponsabilidade, tomar alguma “atitude” que faça parecer que algo está sendo feito quando, de fato, nada do que realmente precisa ser feito está sendo. A prova disso é a queima irresponsável e inconsequente de fogos de artifício num cenário de caos nas finanças públicas. Estivéssemos num país sério e estes senhores estariam sendo presos sem demora. Estão vindo a público demonstrar um pretenso zelo quando de fato são os carrascos daquilo que pretendem salvar.
      Há sérias distorções no cumprimento desta carga horária? Certamente que, sim, há; distorções pontuais que o Estado bem conhece e que, sem delongas, existem, mais uma vez, por sua ausência na fiscalização e zelo. Mas daí a vir a público afirmar com alarde que mais de 136 mil horas de trabalho a ele são devidas já é demais. O Estado, que no Brasil tudo pode, está se aproveitando de sua própria ingerência, incompetência e irresponsabilidade para desviar de si o dedo que lhe aponta a culpa. A caótica e criminosa situação da Saúde Pública não se deve a essas “horas devidas” mas, sim, ao colapso da gestão estatal, notadamente no financiamento fruto da corrupção, da corrupção e da corrupção dos agentes estatais. Os noticiários diários deixam claro – a corrupção brasileira atingiu patamares intoleráveis. O que estamos assistindo, mais uma vez, é o corrupto em ação, tentando culpar a terceiros pelos seus graves crimes.  

sábado, 12 de dezembro de 2015

OS COCOS E OS CHIFRES DO CARLINHOS

        Afirmaria sem medo de errar: – o coco do Carlinhos é o mais barato da Beira-Mar. Dos parcos 3 mil metros de extensão da Avenida Beira-Mar, é o Carlinhos quem vende o coco mais barato. Digamos de uma vez, a fim de que não reste nenhuma sombra de dúvidas – o coco do Carlinhos custa dois reais. (Escrevamos a cifra a fim de que ela permaneça impressa na memória visual do leitor: R$ 2,00.)
        E não somente na Beira-Mar, mas em seus arredores é também o Carlinhos o campeão do preço baixo. Seus concorrentes – todos, sem nenhuma exceção – cobram 50% a mais no coco: – três reais (R$ 3,00). De forma inversa, a fim de que se coloque esses concorrentes em evidência, o Carlinhos vende seu coco com um desconto de 33,33% em relação ao preço praticado pelo cartel dos vendedores de coco da Beira-Mar. (Suspeito que esse cartel se estenda por toda essa Fortaleza e o coco do Carlinhos seja o único vendido ao menor preço da cidade.)
      Já supus inúmeras razões para essa exorbitante diferença, mas todas elas caíram por terra. Cheguei a pensar ser menor o coco vendido pelo Carlinhos. Sendo menor, teria menos água e, portanto, custaria menos. Pura e vazia suposição – o coco do Carlinhos tem água em volume igual ao do coco dos outros vendedores. Pensei, por outra, que seu custo para vender fosse menor. Pura balela. Ele traz o coco diariamente em sua Kombi inteiramente adaptada para transportar os refrigeradores repletos de coco, com a gasolina a quase R$ 4,00. Ao final, concluí que seus custos são iguais ou até um pouco maiores que o de seus concorrentes. Assim, permanece a dúvida – por que diachos o Carlinhos vende seu coco a um preço 1/3 menor?
        Em verdade, talvez a pergunta não fosse essa. Talvez a pergunta mais adequada seja: – por que todos os vendedores de coco da Beira-Mar vendem um coco tão caro? Prometo aos açodados leitores pesquisar mais a fundo a questão a fim de esclarecê-la. Enviarei o meu amigo Ponciano, mais chegado ao Carlinhos, a que lhe inquira um pouco mais sobre seu negócio de venda de coco. Quem sabe ele não descobre seu segredo?!...
       Quanto aos demais vendedores, em bem maior número, nada vejo que possa fazer a fim de arrancar deles a explicação. Está claro que estão todos alinhados na não-concorrência, aquele tipo de comportamento que mais agrada boa parte do empresariado brasileiro. Concorrência significa ameaça ao negócio. Para sobreviver diante de tal ameaça há que se reinventar o negócio a fim de criar diferenciais que o tornem mais atraente aos olhos do cliente a um preço justo. O mais barato nem sempre é o melhor.
        A outra possibilidade de sobrevivência é justamente o que fazem os vendedores de coco da Beira-Mar – igualam-se em tudo, a começar pelo preço. Essa equalização garante que todos sobrevivam, nem que seja ao custo de um serviço medíocre e pouco atraente. Mas, quem se importa? Ninguém se importa. O brasileiro gosta de dinheiro, como todo mundo. O que ele não gosta é de ter que trabalhar duro para obtê-lo.
         O fato é que o Carlinhos já vende seu produto mais barato há vários anos. Quando o conheci, temi por sua vida. Sabe-se lá... Hoje em dia tudo é possível. A máscara do brasileiro caiu. Descobriu-se, ao longo dos últimos quinze anos, que o brasileiro é um dos povos que mais odeia atualmente. O Carlinhos, ao vender seu coco barato, poderia pôr em risco o cartel formado por seus concorrentes. Felizmente, o tempo demonstrou que eu estava errado. A venda do Carlinhos em nada afetou a de seus concorrentes, de modo que eles não deram a mínima. Seguramente não há interferência do Carlinhos no cômputo geral.
        Agora vejam como percentuais servem muitas vezes a impressionar. Em outras palavras, o percentual é uma operação matemática que serve ao engano. Vejamos um exemplo.
       Quanto é 100% de 1? Resposta – 100% de 1 é 1. O algarismo 1 representa uma pequena quantidade. Se vendo em produto a R$ 1,00 e majoro seu preço a R$ 2,00, pratico um aumento de 100%. O diabo é que R$ 1,00 é um valor irrisório, não fará falta ao bolso de muita gente. Dirá alguém que quem paga R$ 1,00 paga R$ 2,00, e provavelmente terá razão. Da mesma forma, quem dá R$ 2,00 por um coco, não reclamará se der R$ 3,00. O aumento de R$ 1,00 no preço da fruta em nada afetou o bolso do burguês frequentador da Avenida Beira-Mar. Antes de os concorrentes do Carlinhos se importunarem com sua “concorrência desleal”, os clientes não se importaram com essa abissal diferença percentual, de modo que os concorrentes permanecem felizes até hoje e o risco de vida do Carlinhos se dissipou como uma tênue névoa que se deixa espalhar.
          De minha parte, o que agora me preocupa são os chifres que lhe pôs a mulher do Carlinhos. Sim, soube pelo Ponciano. O homem está arrasado, numa tristeza cósmica e sofrente. Entre o suposto risco de vida que jamais se concretizou e os chifres declarados, suspeito que o Carlinhos preferiria o primeiro. É melhor um morto honrado que um vivo achincalhado. Será que o Carlinhos está pensando em se matar?  

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

QUASE-SONETO DA FOTO SEM ALMA (do meu Amigo Asclépio Aguiar)

Nasce um poema bem cândido,
Um jogo, um vaivém de lamentos.
Simples, meio-férvido, cálido.
Choro que esparrama em tormentos.

Renasce, antiga face, velha foto,
Remota e breve em alma-amiga.
Carrega-me, arrebata-me e abriga,
Em leve-breve-precisa-cantiga.

Ampara, não desiste.
Acode, não abdica.
Resguarda, não recusa.
Acalanta, não renuncia...

Foto, espectro e alma:
Espírito que flana e vagueia;
Prenúncio que desalma na mão-palma.

Foto que nem cede e nem larga:
Caça em clama da calma;
Foto e queixa em prantos d'alma.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

JUSTIÇA? QUE JUSTIÇA?

    Foi há muito tempo. Sim, há quase 30 anos. Era um velório em casa. Sim, o defunto de antigamente era velado em casa.
       Antes se morava em casas. Os prédios residenciais existiam, mas eram de uma raridade infinita. E os que tinham o disparate de existir não subiam mais que três ou quatro andares. Os apartamentos desses prédios eram enormes, quase do tamanho de uma casa. Era como se os prédios fossem compostos de inúmeras casas, empilhadas em duas ou mais colunas. (Hoje há prédios com casas empilhadas em coluna única.)
        Com o crescimento estrondoso no número de prédios residenciais cresceu também o preconceito da morte e a vergonha da morte. Nos prédios residenciais há o elevador e a escada. Nem um nem outro foi projetado para dar passagem a esquifes com defuntos a lhes rechear. Que absurdo! Imaginem o disparate: o sujeito vai descer do décimo andar para ir ao trabalho e, ao abrir-se a porta do elevador, dá de cara com a família do andar de cima, descendo com seu ente querido morto e empacotado naquele terno de madeira de lei brilhantemente envernizada, dotado de janela de vidro e alças roliças dobráveis... Bem se vê a virtual impossibilidade de essa cena virar realidade aos dias de hoje.
          Eis que lá estava eu no velório e alguém puxou-me pelo braço. Queria me apresentar alguém. Eu era um jovem médico, já na prática da Residência em Cirurgia Geral. Meu parente, orgulhoso de mim, queria apresentar-me o Desembargador. Eu, de minha parte, não me impressionava com Juízes ou Desembargadores.
          Meu parente passou ao homem meu résumé, exibindo nas fuças o orgulho por ter um médico na família. O homem estava derreado na cadeira de balanço, exibindo na cabeça suas cãs que mais se assemelhavam a um chinó confeccionado em felpudo e macio algodão. Usava um par de óculos enormes e escuros. Retirou-os momentaneamente para coçar o sobrolho enquanto ouvia o parente puxa-sacos. Nesse instante, pude ver-lhe os olhos, verdes como um par de esmeraldas. Sua tez era alva e corada, como só aos bem-nascidos ocorre, apesar de seus presumíveis 80 anos. 
         Quando meu parente cessou a ode que me fazia, talvez tentando impressioná-lo, ele comentou seco:
          -“O advogado e a Justiça são mais necessários do que vocês médicos e a medicina”...
          Fez uma breve pausa para pigarrear e continuou:
         -”...porque a liberdade é mais importante do que a própria vida. Sem liberdade, de que vale a vida”?...
          Permaneci calado ante a essa constatação para mim inusitada. Outrossim, quem seria eu do “alto” de meus vinte e poucos anos? Nada, eis a verdade. Eu nada era. Eu nada sabia. Calado estava, calado permaneci, limitando-me a cumprimentá-lo com uma deferência.
          Não sei se lhes contei que o Amorim – sim, reapareceu o Amorim depois de um longo e tenebroso inverno – está já há algum tempo às voltas com a Justiça. Negócio de vara de família, divórcio, partilha de bens, pensão alimentícia, e por aí vai. O pobre amigo exaspera-se com a demora e até com o que considera omissão dessa mesma Justiça. Exaspera-se com os prazos. Tudo na Justiça brasileira, é do conhecimento de todos, é 5 a 10 vezes mais demorado, por exemplo, do que a gestação da aliá, a fêmea do elefante, que beira os 2 anos.
          Não fossem os já alargados prazos constantes nos diversos Códigos de Processo Penal, Civil, etc. etc. etc., ainda há os chamados “recessos” forenses os quais nada têm a ver com as férias do pessoal da Justiça, entre eles esses senhores que se imaginam acima do Bem e do Mal. Nesses “recessos” a Justiça funciona em regime de plantão, absolutamente insuficiente para dar conta da demanda que lhe bate à porta.
          Pena que Sua Excelência, o idoso Desembargador a quem me introduziram naquele longínquo velório está, muito provavelmente, morto, a não ser que seja um daqueles centenários imortais e “imorríveis”. Se vivo fosse, perguntar-lhe-ia como é possível que algo tão mais importante do que a vida humana seja tão moroso, tão incompetente em prestar o serviço a que se propõe ao povo, negando-lhe a liberdade que tanto almejam e imperdoavelmente prolongando sua agonia por lapso de tempo tão amplo? Sim, porque a liberdade a que me refiro agora não é necessariamente a de ir e vir, mas a libertadora decisão da Justiça para seus litígios intermináveis e torturantes. Quem busca uma decisão judicial a quer já, sem demora, sem delongas. Enquanto os médicos estão ali no plantão ininterrupto 365 dias e noites ao ano, sem direito a “recessos” irresponsáveis e criminosos, porquanto o bem valioso, a vida, merece zelo e depende dessa assistência que nunca acaba, os “ícones” da Justiça se retiram sem ligar a mínima que haja alguém angustiado e até tolhido em seus direitos, impotentes e desejosos de se verem livres da disputa. Imaginem se os médicos das emergências resolvessem sair em “recesso” duas vezes ao ano como fazem esses “picas-grossas” insensíveis. Haveria sofrimento, dor, mutilação e morte e não sobrariam clientes a baterem na porta da Justiça nem mesmo para se angustiar. Estariam todos mortos ou impossibilitados de lá irem e a importância capital da Justiça não faria o menor sentido. Eu diria ao honrado Desembargador de 30 anos atrás que, se a vida tem menos importância que a liberdade, a Justiça brasileira tem tornado a vida do brasileiro comum que dela precisa uma miséria, uma miséria sem importância alguma.

                        Uma justiça retardada é uma justiça negada (Martin Luther King Jr.)

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

LIBERDADE OU SEGURANÇA?

          Diz o Robert Kiyosaki que liberdade e segurança são mutuamente exclusivas. Sim, uma exclui a outra. Não é possível gozar de ambas ao mesmo tempo. Ou se tem liberdade, ou se tem segurança. Quanto maior a liberdade, menor a segurança; quanto menos liberdade, mais segurança. Exemplificou a questão utilizando-se dos detentos em cadeias. Encarcerados, gozam de toda segurança do mundo. Têm toda segurança, mas perderam toda liberdade. (Óbvio é que o exemplo do Kiyosaki só se aplica a detentos de cadeias de primeiro mundo.) 
          A incompatibilidade entre liberdade e segurança foi descrita por Kiyosaki no contexto das finanças pessoais. As pessoas que querem segurança arrumam um emprego seguro com o salário certo no fim do mês. Obtêm segurança, mas sua liberdade está restrita àquilo que seu salário pode prover. Já aquelas que querem uma renda maior e liberdade financeira arriscam-se a montar negócios próprios – abdicam da segurança – a fim de obter fluxos de caixa ilimitados.
          Lembrei do Kiyosaki hoje, ao ler dois textos. Um me chegou por correio eletrônico. Dei de cara com o outro quando fui, sei lá por que cargas d'água, bisbilhotar o portal do péssimo jornal O Povo. (Mais abaixo verão que foi um pouquinho diferente.) Um dos textos disserta sobre a necessidade de aumentar a segurança, sob pena de haver mais derramamento de sangue em ataques terroristas, ao passo que o outro demonstra o temor de seu autor de que se percam as "liberdades democráticas" justamente pela criação de leis mais rígidas na intenção de manter a segurança. 
          O autor do primeiro texto é o delegado da Polícia Federal, Marcelo Itagiba. Ele conclama a urgente criação de uma lei capaz de prevenir ataques terroristas em solo brasileiro nas Olimpíadas de 2016 através da captura antecipada de pessoas que sejam flagradas planejando tais crimes (http://oglobo.globo.com/opiniao/lei-contra-terrorismo-18106967). Itagiba encerra dizendo: "É melhor prevenir do que chorar". O autor do outro ensaio é o jornalista local Plínio Bortolotti, que teme danos à democracia no enfrentamento do extremismo (http://www.opovo.com.br/app/colunas/menupolitico/2015/11/21/noticiasmenupolitico,3536302/como-enfrentar-o-extremismo-sem-ofender-a-democracia.shtml). Para tal, nada sugere. Limita-se a concluir que a solução para a questão não é fácil e alerta a que se rejeitem as soluções "simplórias".
          Enquanto o senhor Itagiba, que por sinal é judeu, sugere solução prática, o outro nada sugere; perde-se num blá-blá-blá medonho sem dizer ao que veio. Minto. Ele tem um propósito, sim. Diz ele: "Portanto, o desafio para os países democráticos é combater o terrorismo ao mesmo tempo em que preservam a liberdade e os fundamentos da democracia, pois a extrema-direita vai reivindicar medidas que porão em risco esses princípios." Vê-se que, para o senhor Bortolotti, já temos um culpado para alguma coisa que ainda não aconteceu: – a extrema-direita. (Coitada da extrema-direita... já é apontada como responsável pelas soluções que propor-se-ão.) O propósito deste senhor é culpar o capitalismo. 
          O senhor Itagiba diz o seguinte: "Um projeto de lei aprovado recentemente no Senado e enviado à Câmara Federal não criminaliza os chamados atos preparatórios de terrorismo, como entende necessário a Policia Federal e autoriza o Código Penal, desde que expresso em lei e em caso excepcional. A ação antecipada contra a articulação criminosa que resultará em ato terrorista, assim como a previsão de punição para os seus articuladores, é indispensável à contenção dos atentados contra a humanidade."
          Vejam os leitores que meu encontro com os tais ensaios foi absolutamente fortuito. (Na verdade não foi tão fortuito assim. O encontro do artigo do senhor Bortolotti foi um "acaso proposital", por assim dizer. Procuro ler-lhe os descalabros sempre que posso, e ainda bem que esse sempre é quase nunca. Ele é um comunistinha de meia tigela, de modo que me deleito em ler as cretinices que escreve. Seu enrustimento em relação à festiva não resiste a uma busca nos sites de busca. Publica textos em portais comunistas que ainda vociferam contra o imperialismo ianque e oferecem para download as obras completas de Karl Marx, Engels e Lênin. É preciso cada vez mais conhecer o que passa pela cabeça dessa gente. São aparentemente muito inteligentes, mas só aparentemente. É necessário ter atenção a seus argumentos e colocações. Utilizam-se amiúde de evidências anedotais contundentes que podem nocautear o mais desavisado.)
          Assim, a dupla de textos, escrita quase que no mesmo dia, vem bem a calhar numa análise superficial e despretensiosa ante a "teoria" do Robert Kiyosaki. Marcelo Itagiba quer mais segurança, enquanto Plínio Bortolotti quer mais liberdade. 
          Segundo o pai-dos-burros, segurança é o conjunto dos recursos para proteger algo ou alguém, enquanto liberdade é o conjunto dos direitos garantidos ao cidadão, desde que esses direitos não firam os direitos de outrem. De acordo com Itagiba, não há no Brasil uma lei que diga que é crime a preparação de um ato terrorista. Tal lei, uma vez no Código Penal, permitiria ao Estado abortar, ou evitar, ou prevenir a consecução de assassinatos resultantes de atos terroristas. (Atos terroristas não visam a destruição de patrimônio público ou privado. A pluralidade de vítimas fatais é seu principal objetivo.) 
          Óbvio é – não parece tão óbvio assim ao senhor Plínio Bortolotti – que a existência de tal lei permitiria aos agentes do Estado investigar e apurar suspeitos de envolvimento em atividades criminosas. Óbvio é, também – o óbvio para o senhor Plínio Bortolotti é uma nuvem densa, negra é impenetrável – que o trabalho de investigação de suspeitos requeira, por parte dos agentes do Estado, a solicitação de autorização ao Poder Judiciário para bisbilhotar a vida desses indivíduos. Os agentes apresentam ao Juiz indícios que tornam tais elementos suspeitos e este autoriza a que se façam todos os levantamentos e avaliações com o objetivo de provar a sua culpa. Esses procedimentos são levamos a cabo porque fazem parte do "conjunto de recursos para proteger alguém" uma vez que há indivíduos cuja liberdade está a tramar na intenção de ferir o direito de outro alguém. No momento em que se detecta que a liberdade de uns trama contra o direito ou a segurança de outros, essa liberdade deve ser vigiada ou reduzida.
          A preocupação do senhor Bortolotti se explica facilmente. As esquerdas não são simpáticas às leis. Sabe-se que a lei existe para proteger um bem jurídico e que o bem jurídico é, geralmente, um direito ou um dever. Não faz parte de seu conjunto de bens o direito à vida, por exemplo. Assim, as leis produzidas em regimes de esquerda não são eficazes na proteção do direito à vida. Para as esquerdas, os fins justificam os meios. A matança é, para elas, algo corriqueiro e que faz parte de seus processos. Por isso elas querem ampla e ilimitada liberdade para agir. A elas interessa a insegurança e o caos. Essa é a cartilha que produziram. Eis aí a Venezuela, eis aqui o Brasil, apenas para ficarmos nos exemplos geograficamente mais próximos. O lindo discurso do senhor Plínio Bortolotti não esconde o que sua antipatia à segurança revela: – o ódio ao ser humano, princípio básico da ideologia comunista. Quem não quer a lei que proteja a vida humana, há de odiá-la com todas as forças.

sábado, 14 de novembro de 2015

VIL VIDA VIRTUAL

          Estou ali no hospital e toca o apito no telefone portátil. Era o Zé me “inscrevendo” pela enésima vez em grupo de amigos da rede social mais recente, o whatsapp. Era de tarde, como dizemos por aqui. Deixei-me ficar. Como frisei, já me empurraram goela abaixo o referido grupo pelo menos meia dúzia de vezes e pelo menos meia dúzia de vezes expulsei-me a mim mesmo dele.
          Parece que são mais de setenta pessoas no tal grupo. Dali a pouco começa, como uma chuva de meteoros (jamais vi ou estive em meio a uma chuva de meteoros), um troca-troca de mensagens sobre vários temas, vários “assuntos”. Iam e vinham fotografias, charges, desenhos, anedotas, dizeres, frases famosas de famosos autores ou personalidades; orações, convocações, pessoas agendando entre si encontros de negócios, gente agradecendo favores, fotografias do Papa, desejos de boa semana, de boa tarde, de boa noite...
          O diabo é que foi-se há muito o tempo em que eu queria aparecer. Falando a verdade e sendo bem honesto, não me lembra o tal tempo e concluo sem demora que para mim jamais houve tal tempo. Dirão que não sou tímido, que nunca o fui, e será verdade. Mas não ser tímido não significa ser enxerido, ou exibido. Ora, se em mais jovem não sentia a necessidade, não seria agora. Todos sabem, a juventude é viçosa, as carnes são rijas, a pele é lisa exceto pelos comedões, as acnes, sem esquecer os furúnculos das estafilococcias; os cabelos são fartos e, mesmo que sejam “ruins”, a acomia e a calvície estão longe de preocupar o mancebo cuja testosterona poreja no suor durante as peladas em terrenos baldios (Hoje não há mais o terreno baldio e, se houver algum como remanescente, prudente é evitá-lo – os amores-de-burro deram lugar ao criminoso sem idade.) O desejo de aparecer, de ser visto e notado é, então, a grande tentação do jovem.
          Hoje, com o advento da rede social, aparecer não é uma opção – é a regra. E não somente o jovem; mesmo o homem e a mulher de meia idade querem, precisam, anelam aparecer. Para ser franco, mesmo as pessoas de idade mais avançada já se permitem incursões frequentes nas redes sociais. Assim, nas redes sociais há que se aparecer, sob pena do esquecimento e da morte em vida.
          Estava a falar de mim e volto a falar de mim. É quase um mea culpa. Dito assim, parece que se tem culpa de estar na rede social, contribuindo com sua liquidez de temas. Mas explico. Há, de fato, culpa por se estar na rede social. Vejam o meu caso. Logo que comecei a participar dessas salas virtuais – diz o meu amigo Siqueira que a rede social é a calçada de antigamente –, imaginei para mim uma China inteira de amigos e de leitores. Esses amigos leriam meus textos e me aplaudiriam de pé; os elogios a meus escritos viriam de todos os lados e até de outros países distantes; teria entre meus amigos pessoas que não conhecia pessoalmente, mas que em pouco tempo dividiriam comigo concordâncias e discordâncias pacíficas; enfim, abria-se para todos um leque de possibilidades inimagináveis até então.
          Nada é mais pedagógico do que a experiência. Não demorou e descobri que havia, nessas salas virtuais, um ódio contido somente pelo silêncio de uns poucos sábios. Na maioria das vezes estava lá a querela, o insulto, o rude diálogo entre desconhecidos que já se manifestavam abertamente ao ataque. Com mais um pouco percebi que aquela China de “amigos” era consequência não de um amor fraternal, mas da coletiva necessidade de uma associação doentia, uma espécie de efeito manada onde o não participante era levado a se sentir excluído de algo que seria, a princípio, importante. Foi quando comecei a perceber a grande tristeza do homem ativo na rede social, do homem “tecnológico”, do homem “antenado”, do homem “popular” – a perda da intimidade de seus pensamentos, de suas ideias e de si mesmo. Nem falo da intimidade familiar e da vida social – sim!, mesmo na vida social há que se ter a privacidade preservada e salvaguardada dos olhares sequiosos da malta desconhecida. A intimidade, aquele tranquilo e aconchegante lugar onde se está consigo mesmo, na paz das diárias, palpitantes e invioláveis reflexões pessoais que se dividem somente com as mais cúmplices pessoas de nossa fugaz e exígua existência, deixou de ser visitada, deixou de existir; dela esqueceram-se, senão todos, a maioria de nós.
          Não se agastem comigo os amados amigos da virtualidade atual, os mesmos amigos de uma realidade passada, um tempo de fantasias e sonhos onde a vida transpirava uma eternidade bem possível e singela, em que a crueldade do mundo já sutilmente se apresenta em pequenos futuros maus caracteres e nas tragédias diuturnas da vida humana. Peço que entendam a minha necessidade de meu silêncio interior, lugar onde escuto o sussurrar de minha essência e, talvez, a voz de Deus. Mesmo um silencioso whatsapp grita em demasia quanto mais tenha dizeres, fotografias, desenhos, quotes, curtas-metragens, opiniões, filminhos eróticos, saudações sinceras, desejos de boas festas ou de feliz aniversário, links, novas da crise e das negociatas brasilienses, orações fervorosas, anedotas espirituosas e o que quer objetive nos aproximar. Tudo é muito bom, dizem. Pois lhes digo que nem tanto, nem tanto... 
          A ideia de que o ser humano precisa de mais e mais informações é nefasta. Elas me agridem, me afastam de mim mesmo e de quem amo. Não preciso de mais informações – preciso, sim, viver. Estamos melhor na memória dos fraternos amigos do passado do que em sua virtualidade atual. O desejo de aparecer tornou-se a necessidade imperiosa da reserva e do comedimento. O gozo da intimidade é sublime, ao passo que a autoexposição só causa remorso e arrependimento por nos conduzir pelo caminho da intemperança e da verborreia inconsequente.         

sábado, 7 de novembro de 2015

ZÉ - A VISITA

Hoje fui ver o Zé. Não tens ideia de quão mais moribundo está. As enfermeiras lhe tinham uma deferência especial, pude perceber. Elas o tratam e à pobre mulher como deuses em pousada. Sua piedade e calor humano fazem bem. Alguém dirá que nem tudo está perdido, mas o Zé está quase irreconhecível. O emagrecimento, os edemas, os líquidos que lhe saem, a respiração dificultosa e o coração forte a lhe balançar o corpo são sinais nítidos da deterioração da morte. Já nem digo da vida, que aquilo não é vida. Perguntei à mulher por que ele não lia um pouco. Ela respondeu que ele não tinha interesse, e pôs a culpa nos óculos. Ele não conseguia pôr os óculos. Precisava deles para ler.
Óbvio é que não é nada disso. Seu resquício de vida só lhe permite vegetar. Fomos ensinados a pensar que só vegetam aqueles vítimas de dano ao cérebro, mas isso não é verdade. Também vegetam os moribundos “lúcidos” do câncer. Pouco falam, pouco pensam, talvez nem de nada se lembrem. Não choram. Sabem que estão às portas da morte, mas não choram. Chico o pusera a par da gravidade de seu caso. Não falou em “morte”, mas ele seguramente entendera. Ao contrário dos familiares, que entram e saem com fungados e rezas como se o moribundo já fosse defunto, não chora nem dá a mínima.
Em todo caso, hoje me pareceu melhor que em dia anterior. Ao chegar ele estava sentado à beira do leito após o banho. Cumprimentou-me com sua voz gutural e pouco compreensível, para em seguida deitar-se com acessos de tosse. As enfermeiras procuravam uma veia. Seus braços infiltrados não ofereciam veias fáceis. Ofereci-me a dissecar uma, mas ele não quis. Estava com um cateter no pescoço que o anestesista pusera. Quis que o ajudasse a subir mais à cabeceira e o puxei pelas axilas por detrás do leito. Ele agradeceu. Saí um pouco a atender ao telefone. Ao retornar as luzes estavam apagadas e ele dormia tranquilamente. Despedi-me da mulher e parti.
Lá fora, na rua, os bandidos haviam me arrombado o carro e levado coisas de mais ou menos valor. Esse seria mais um furto de que fora vítima. Iniciava-se em mim um processo de ira, quando me lembrei do Zé. Eu não tenho problema algum. Ele tem um muito sério: está para perder a vida. Um enorme vazio tomou conta de mim.

Fernando Cavalcanti, 03.01.2006

ZÉ - O DIAGNÓSTICO

Conheces o Chico, meu compadre e amigo. É como um irmão, desses que a gente escolhe do meio do mundo, do meio da vida. Sua família é grande, muitos irmãos, e sobrinhos, e primos, e é tanta gente que nem dá pra contar. Desses, o Zé é o irmão que lhe é mais chegado. E através e por causa do Chico ficamos amigos. Transfere-se a amizade quando as almas são irmãs.
Não fosse um torcer pelo Flamengo e o outro pelo Vasco seriam em tudo parecidos e unidos como unha e carne. São, antes de tudo, amigos figadais. Zé, um guerreiro incansável, estava, nesse momento, reiniciando projetos há tempos abandonados e agora retomados; era como se nova vida recomeçasse para ele. De seus parcos quarenta e poucos anos ainda tinha os ímpetos próprios dos adolescentes e sonhadores. Era um obstinado, eis a verdade sobre o Zé. Era um obstinado por viver, pela vida.
Ah, uma nova vida!... A vida nos assalta, nos emociona, nos engravida de esperanças e expectativas a todo instante. E nós, grávidos, pesados, cheios das varizes e estrias das grávidas, aguardamos o descanso, o parto, o clímax. A gravidez das esperanças da vida é interminável, e o parto não raro resulta em feto morto. E vivemos nosso dia a dia como eternos grávidos das expectativas e esperanças, de sonhos pelos quais não trabalhamos, de uma eternidade que teimamos em acreditar. Esquecemos da morte, da escuridão, do fim da vida.
Eis que saio certo dia a tomar umas cervejas com o Chico, e ele me diz: -“Zé tem um derrame pleural hemorrágico.” Foi há menos de um mês, quero crer. Acordamos: -“É tuberculose.” Médicos se tornam leigos tão logo um prognóstico ou possibilidade sombria ronde um de seus amados. Sim, porque médicos têm também os seus amados, que deixam a dormir enquanto atendem friamente os amados de outrem.
Por isso bebemos, para que durante as libações nossos acordos tenham uma real probabilidade de se concretizar quando na sobriedade da vida sabemos serem impossíveis tais desfechos. A bebida nos analgesia das dores dessa gravidez que não tem fim. E acertamos que a doença não lera os livros, os tratados. Os bebês do Zé não seriam natimortos.
Cada um com sua desgraça, com sua dor. É um carcinoma, um câncer; metastático, disseminado. Os médicos Chico e eu são uns tolos; ele mergulhado na centelha de vida que ainda resta do irmão, eu coçando o queixo tentando abortar o feto, meu feto, todos os fetos, na verdade, que cresciam dentro de mim.
Fui, então, ao hospital visitar o Zé, repleto de minha pusilanimidade sadia, tentando parecer que sou algo mais, ou algo menos. Tentando... sei lá! Ele até me pareceu bem, devo confessar. Custava-me acreditar que em seu organismo crescia uma doença mortal, uma sentença, uma desesperança, uma semente da morte plantada por não sei quem ou o quê. Suas lindas filhas, em flor da idade, cobriam-lhe de afeto e amor, talvez sem saber da catástrofe a se aproximar. E eu as atraía a conversar sobre o lugar-comum do dia a dia, da faculdade, dos namorados, das greves. Ah! como somos inábeis diante da morte!
Coincidiu, outro dia, de eu encontrar o cirurgião que lhe fizera as biopses antes de adentrar o quarto do amigo: -“Tem seis meses de vida, no máximo.” Eu me despi ali mesmo do estúpido médico que sou, dentro de mim. Dizem que médico e padre são ofícios de vinte e quatro horas. Parei de ser médico ali, no prognóstico, na sentença, na condenação de meu amigo. Calei. Resignei-me. Acovardei-me. Restava-me ir ao Zé.
Desta vez estava péssimo. A palidez severa e a facies hipocrática denunciavam a gravidade da situação. Caiu de vez a ficha: o Zé podia mesmo morrer. Sou um sujeito de mente alvissareira, mas confesso: tem sido difícil. De um lado a malta unimediana, do outro o amigo moribundo.          

Fernando Cavalcanti, 21.12.2005

sábado, 31 de outubro de 2015

OS GATOS DE LAURINHA

          Os leitores hão de convir – um apelido pode ser aperfeiçoado e até ganhar derivadas impensáveis. Tudo vai depender do objeto do apelido e da imaginação de quem o criou. Façamos, assim, uma breve recapitulação.
          Quando notou-se a semelhança entre o nosso Fábio Motta e o ex-técnico argentino Cesar Luis Menotti, cuidou-se de, daquele momento em diante, chamá-lo de Fábio "Menotti" Motta. E, querem saber?: – ele adorou. O amado Fábio Motta, digo, Fábio "Menotti" Motta, adora que se o compare a pessoas bem sucedidas, ou bonitas, ou famosas. 
          Com o passar do tempo, pouco tempo diga-se, "Menotti" Motta demonstrava cada vez mais um comportamento regressivo, em que o indivíduo parece querer voltar no tempo e ser novamente a criança levada e incansável de outrora. A bem da verdade tal comportamento já era de antes, bem antes. O amigo, que vestia-se impecavelmente como um executivo de firma de primeiro mundo, passou a usar roupas de estilo casual, calças jeans, camisas pólo e sapatos esportivos. Os cabelos, antes bem aparados e cuidados – usava, inclusive, um xampu Yamasterol para clareá-los –, agora usava-os desleixadamente, sem cortá-los. Cresciam na parte de trás da cabeça e rareavam no topo. "Teu 'telhado' está desaparecendo", diziam seus mais mordazes amigos. Adquiriu até, digamos logo àqueles que ainda não sabem, sestros e ademanes duvidosos, como o de enrolar os cabelos entre os dedos à moda de quem faz cachos. Comenta-se até que seu fígaro havia rompido com ele, uma amizade e uma prestação de serviço de quase 30 anos. Comprou, dizem, quase 10 diferentes tipos de pranchas para praticar o surf; entrou para uma escola de natação e para um curso de apneia. Tanto que esperava-se, a qualquer momento, a notícia do "Menotti" no Havaí, surfando as maiores ondas do planeta. No cômputo geral, parecia que ele desejava tornar-se uma espécie de Benjamin Button brasileiro ou um Peter Pan de sungas. 
          Pois foi justamente esse comportamento regressivo que inspirou alguns de seus amigos ao "aperfeiçoamento" do apelido. Como o amado amigo regredisse aos tempos de menino, passou-se a chamá-lo de Fábio "Meninotti" Motta. 
          (Não sei se diga... Não vou dizer. Pensando bem, por que não haveria de dizer? Pois direi: – o grande responsável por esse aperfeiçoamento na alcunha do Motta foi o Sérgio Moura, o Serjão. Em nossas confabulações durante um de nossos encontros às quintas, num desses lampejos que só o álcool inspira, Serjão me sai com essa pérola. Não havia como negar – era perfeita a adequação do termo a tudo o que o nosso Motta tem sido nos últimos tempos.)
          Na quinta passada os amigos-irmãos entraram a pensar um encontro semelhante aos nossos da quinta, mas com a participação de nossas mulheres. Iniciou-se o debate na tentativa de escolher o dia e o local . O Mesquita sugeriu uma boate no sábado, enquanto o " Meninotti" Motta preferia um barzinho. A boate é local onde o movimento começa, todos sabem, bem mais tarde. "Meninotti", ao contrário, propunha nos encontrarmos no barzinho às 19:30. "Mas... sete e meia"??, todos queriam saber. "Por que tão cedo"?, insistimos. Então o nosso "Meninotti" foi explicar a história dos gatos de Laurinha. É o seguinte.
          Laurinha cria gatos. Não podia voltar para casa muito tarde por causa dos gatos. Quem haveria de alimentá-los? Se não tomassem o leitinho da noite, antes de dormir, quem sabe o que poderia lhes acontecer?... Alguém saltou de lá – acho que o Gaudêncio ou o Mesquita – e sugeriu: —"Diga-lhe que deixe o gato na vizinha". "Meninotti" foi explicar, então, que não era somente um, mas três ou quatro bichanos. A namorada cria três ou quatro bichanos. Não é preciso dizer que não se chegou a acordo quanto a este encontro, tudo por conta dos gatos de Laurinha e do cuidado de nosso "Meninotti" Motta para com eles e, por consequência, para com a namorada. Demonstrado fica que o amor é um pacote completo. Quando se ama alguém, ama-se-lhe também as idiossincrasias, os cães e os gatos. Por isso o apelido de nosso Motta recebeu outra variante. Doravante ele também pode ser chamado de Fábio "Miaunotti" Motta. E não omitirei: – mais uma vez foi o Serjão o autor da pérola. Ele está-se mostrando um grande "joalheiro" de alcunhas.
          

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

UMA ESMOLA PARA UM PÉ

         O semáforo fechou e, após a inconfundível luz vermelha, exceto, digamos logo, os nossos aparentemente inúmeros color blind, ainda passaram dois ou três carros.... Avançaram o sinal vermelho dois ou três carros, repito, para que dirimamos a possível dúvida. (Será assim tão endêmico o daltonismo entre nós?...)
          Em Fortaleza é assim. "Furar" o semáforo quando a luz está vermelha, seja ao meio-dia ou à meia-noite, deixou há muito de ser a exceção e passou a ser a regra. À meia-noite é permitido. A autoridade do trânsito reconhece que permanecer parado à luz vermelha a essa hora pode significar a vida do motorista e a de quem com ele estiver. É como se a autoridade do trânsito reconhecesse a completa falência da autoridade da segurança pública. 
          Paremos um pouco.
       Quem é a autoridade da segurança pública? A resposta não é fácil. Lembro-me da professora falando de Hobbes e de Rosseau. O Estado hobbesiano existia porque o homem seria mau desde as fraldas. Cresce mau e anela liquidar o outro tão logo possa. Por isso, o Estado. Ele, o Estado, é o acordo lavrado entre os homens maus a fim de evitar que se destruam mutuamente antes que se ponha o sol. O acordo inclui punir quem o descumprir.
          O Estado rousseauniano, por sua vez, emergiu da concepção de que o homem é naturalmente puro, mas se corrompe quando se junta a outros. Como o ajuntamento dos homens é a regra após o seu nascimento, todos os homens tornavam-se corrompidos. Daí porque o Estado. Ele, o Estado, é o contrato que celebra as regras da paz entre os homens bons que se corromperam. Ao fim de tudo, Hobbes e Rousseau falavam da mesma coisa, ainda que digam o contrário. Quem se importa com essas firulas filosóficas? 
          Voltemos às ruas de Fortaleza ao meio-dia. Aqui a autoridade do trânsito não reconhece a insegurança do cidadão. Para avanços à luz vermelha a essa hora aplica-se a multa. Antes da multa, contudo, há a regra, o contrato, o acordo. Eles existem para evitar que os veículos motorizados não colidam entre si gerando prejuízos a seus proprietários. Ainda mais importante, eles existem para evitar que as pessoas que viajam nesses veículos não tenham sua integridade física abalada, e que suas vidas não corram riscos desnecessários. A multa é apenas a punição.
          Mas, ora!... Depois de Hobbes e depois de Rousseau os homens se envolveram em duas guerras ferozes. Quase se dizimam. Algumas das sociedades envolvidas nos conflitos cansaram-se de matar e de morrer; cansaram-se de chorar seus mortos; cansaram-se de contendas e de litígios assassinos... Saíram a aperfeiçoar seu contrato social e seu pacto de não-agressão. Na rua, se inadvertidamente tocam-se levemente, quase ajoelham-se em zilhões de pedidos de desculpas, em sorrisos contritos que lhes denunciam o embaraço e desgosto por possivelmente terem machucado alguém. E em suas salas de aula ensinam sobre as tabulae rasae das crianças, dando mais crédito a Locke. Outras sociedades nem tanto. Seguem tendo sede de sangue e de dor. 
          Ainda não consegui descobrir, após e apesar dessas reflexões inúteis, quem é a autoridade da segurança pública. Mas voltemos ao cruzamento onde estávamos quando dois ou três carros avançaram o sinal vermelho. Fui obrigado a parar. Afinal, a dupla luz encarnada estava lá, fixa e bem acesa. Foi quando vi o sujeito.
          Era jovem, alto e bem magro. Suas roupas não tinham cor, ou por outra, não era possível distinguir-lhes a cor dada a sujeira que o cobria, a ele e suas roupas. Claro era que aquela sujeira já durava dias, talvez semanas. Era uma como que oleosidade negra, espessa e gosmenta. Os cabelos lembravam a juba de um leão negro e não usava nenhum tipo de calçado. Um dos pés, o esquerdo acho, estava envolto num molambo rasgado e encardido.
          Foi quando percebi tudo. Ele erguia o pé esquerdo envolto no molambo para mostrar aos motoristas dos carros que tivera parte do pé amputada, enquanto estendia a mão à supinare. Estava esmolando.... Jovem, maltrapilho, imundo, desnutrido... esmolando. Várias vezes ergueu o pé semi-amputado tentando sensibilizar os motoristas. Seguiu entre os carros sob o sol escaldante dessa desgraçada Fortaleza, os pés descalços pisando no asfalto quente e a mão estendida a pedir a esmola para a próxima refeição ou a próxima pedra, erguendo aqui e ali o coto do pé à vista dos passageiros dos veículos... 
          Ninguém deu a mínima. O farol mudou para verde e a dupla fila de veículos se moveu como uma grande sucuri de ferro e borracha desengonçada e neurastênica... Ninguém sabe quem será o próximo.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

SENHOR DE ENGENHO

          Na fila do supermercado, no mesmo onde outro dia a alvíssima senhora idosa me pedira para lhe comprar um pote de requeijão, o sujeito grisalho e alto passava seus produtos. Falava com o caixa e, quando falava, ouvia-se-lhe a  voz altiva, firme, postada e imperativa. Dir-se-ia um rei, ou um príncipe. 
          Circulara entre as prateleiras, minutos antes, quase sem nada dizer. Ouvi-lhe aquela voz, antes do momento em que se postara no caixa, apenas uma vez, bem ali defronte às verduras e frutas. Sussurrou baixinho, de si para si, olhando os preços: –“Nossa... Não se pode mais comer”... 
          O funcionário, empacotador de profissão, labutava sozinho naquela tarde ensolarada de um recente domingo primaveril. Era surdo-mudo. Naquele exato instante ajudava outro cliente que se utilizava de outro caixa. Usava a farda do estabelecimento. Como ele, outros deficientes lá têm o emprego. Ganham, talvez, o salário e algumas patacas que lhes dão os fregueses mais atenciosos. Entretanto, naquele domingo só ele trabalhava.
      Estava distraído do movimento em torno de mim quando ouvi a voz principesca. Dizia, dessa vez ainda mais penetrante e reverberante, indignada, quase arrogante: –“Onde estão os empacotadores? Não querem mais trabalhar? Hoje o negócio aqui não está bom”...
          Após guardar as compras no carro, dei a partida e saí. Por coincidência, dei de cara com o tal sujeito, acompanhado de um outro funcionário do supermercado, guardando as compras em seu vistosíssimo veículo fabricado além-mar. 
          Vindo de Siena, na Toscana, entrávamos em Florença para devolver o carro à locadora. Estacionei defronte à bomba para abastecer. Nenhum funcionário. Só as máquinas para receber o pagamento. O frentista era eu mesmo. O brasileiro não se desfaz de seu complexo de senhor de engenho.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

O IMPLACÁVEL CREDOR DO MESQUITA

         Já havia percebido. Mesquita andava meio cabisbaixo, sorumbático, macambúzio... Desde julho último o homem não conseguia dissimular seu estado. Mas, coisa esquisita, o homem voltara de uma viagem de férias com a família.
          (Mesquita só viaja com a família. E não falo do núcleo familiar apenas. Quando digo família inclua-se aí uma penca de gente, um cachorro, um gato e até um papagaio. Vai o pai, a mãe, filhos com cônjuges, primos...Com tanta gente assim, a presunção automática é a de que a viagem é uma animação só!)
         Porém, ali estava o homem absorto naquele olhar perdido sabe-se lá onde e mudo como um coelho. Óbvio era que algo o preocupava, que algo o abatia. Foram três as  vezes em que nos encontramos e assim ele se apresentava. Quando saía ficávamos a lucubrar. Dizíamos: —“Serão chifres”?, e saíamos imediatamente a nos penitenciar. Dona Rejane é mulher seríssima como já quase não mais existe. Seguramente não era o que afligia o amigo, e já entrávamos a alentar outra possibilidade.
         “Será liseira”?, supúnhamos. Afinal, é vastamente conhecido o amor que o Mesquita tem pelo vil metal. Outro dia o comparei ao Tio Patinhas. Seu esporte favorito é gastar seu tempo a apreciar o monte de cifrões que amealhou em anos de trabalho árduo, como também gostava de fazer o personagem dos quadrinhos. Assim, a hipótese pareceu vir bem a calhar. Na última vez que o encontramos, ele, por fim, desabafou.
         Compraram, ele e a mulher, um novo apartamento para morar. Com efeito, o velho não era velho, mas há de ter havido uma razão para quererem mudar. O ser humano é frequentemente vítima de entojos inexplicáveis. Vai ver o casal quisesse novos vizinhos; ou um apartamento em andar mais elevado, ventilado com brisas mais amenas, espaços mais amplos, mobília mais moderna, sei lá... O fato é que compraram outro apartamento e já estão para mudar. Seja por tédio ou por qualquer outra razão.
         Outro dia o corretor bateu-lhes o telefone e disse: —“O bicho lá tá prontinho”! Antes de contratar a mudança, Dona Rejane quis inspecionar tudo. Foram, então, ver o imóvel. Queria saber se as coisas estavam realmente na mais perfeita ordem.
         Todos sabem que a mulher é um ser especial. Não tente o homem jamais entender seus processos mentais. Consta que o último a tentar está internado até hoje, tomando elevadas doses de ácido. Por isso o Mesquita tinha espasmos e contraturas ao nos comunicar que a mulher simplesmente detestou a cozinha e outros itens do apartamento. Dizia, quase gritando de indignação: —“Tudo do bom e do melhor! Material de primeira! Com’é que pode”?!?..., e meneava a cabeça inconformado.
         Assim, ficou mais do que esclarecido que ele estava gastando além do que inicialmente havia previsto. A cozinha estava sendo refeita ao gosto da mulher, com o material que ela pessoalmente escolheu. “As torneiras, as pias, a bancada da cozinha, tudo do material mais luxuoso e caro pra essa mulher mandar quebrar tudinho”!..., berrava ele numa excitação de frustrado. E engrossava a voz: —“Com'é que pode”?!?...
         Ora, não sejamos assim tão duros com Dona Rejane. Dizia um velho professor dos tempos da faculdade: —“Tudo se explica, tudo se explica”... E, de fato, há, na razão de tudo, muito mais do que os complicados processos mentais da mulher e o que supõe a tal da vã filosofia shakespeariana.
         O caso é que Dona Rejane já me confessara há muito um detalhe pitoresco da vida do casal que, agora, parecia ter tudo a ver com seu desejo de fazer o quebra-quebra no apartamento novinho em folha: – quem paga todas as despesas do dia-a-dia do lar é justamente ela. A fim de se medir o tamanho desse minúsculo detalhe, sejamos mais específicos. Ela paga, mês a mês, há anos, desde que são casados, a conta de luz, o condomínio, o salário da secretária do lar, a mensalidade escolar do filho do casal, as compras do supermercado, e qualquer outra despesa extra que porventura surja inadvertidamente. Enquanto isso, durante todos esses longos e macios anos o Mesquita vem guardando tudo o que ganhou e que, se não é uma fortuna, também não se diga que é pouco. Eis aí tudo. ( Vejam a semelhança de meu amigo com o Tio Patinhas, embora o simpático patinho nunca tenha casado. A noção de economia e a avareza de meu amigo separam-se por uma muito tênue e quase invisível linha demarcatória.)
         Assim e sem dificuldade chegou-se à mais óbvia das conclusões: – Dona Rejane resolveu cobrar a sua parte nas despesas de casa com juros de mora e multa por longa que era a dívida. É nisso que dá o sujeito querer passar a mulher pra trás. Seus processos mentais incluem uma tal de memória que jamais esquece além do velho e bem conhecido sexto sentido. Aventa-se mais recentemente que haja até um sétimo e, quiçá, um oitavo sentido.
         Antes de sair, em nosso mais recente encontro, ele tomou duas ou três cervejas. Só não bebeu mais uma porque podia ter um piripaque por estar entupido do antidepressivo que lhe prescreveu o médico. Daqui pra frente ou ele dobra a dose da pílula ou toma mais cerveja. Aguentar a sangria na conta bancária sem um atenuante da tragédia está fora de cogitação e o remédio não parece estar adiantando coisa nenhuma. Espera-se que em nossos próximos encontros o número de cervejas bebidas por ele aumentem como semanalmente aumentam as expectativas da inflação brasileira...

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

O RUBOR DO REQUEIJÃO

          Na fila do caixa, no supermercado, aguardo pacientemente a minha vez. Não pusera muita coisa no carrinho. Ela — essa senhora usando um chapéu de palha, óculos escuros e roupas esportivas coloridas, a alvíssima e delicada tez a permitir ver-lhe a delicada e verde-azulada trama vascular em seus bem torneados braços — aproximou-se impetuosamente e, mostrando-me um pote de requeijão lacrado seguro pela mão esquerda, pediu: —"Compra pra mim"?...
          Hesitei poucos segundos e, sem saber bem o que lhe responder, sorri meneando a cabeça e tomei-lhe da mão o frasco. Olhando para ele enquanto girava-o entre os dedos, disse-lhe: —"Tá bem"... 
          Percebendo meu constrangimento, achegou-se mais a mim e confessou: —"É que tenho câncer... Quer ver a minha cicatriz no peito"?, e já ia baixando a blusa. Segurei-lhe suavemente a mão para impedir o que ela estava para fazer, assegurando-lhe que acreditava nela. Condoído de seu drama — não dispor de uma pequena quantia para fazer aquela minúscula compra —, esfreguei o dorso de minha mão esquerda em seu rosto idoso num gesto de carinho e pus o frasco dentro do carrinho.
          Ela saiu da loja num misto de felicidade e acanhamento levando o pote de requeijão que havia de barrar-lhe o pão dali a pouco.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

CRIANÇAS

Muros são estruturas que limitam. Nasci já à época dos muros.
Mesmo nos idos ’60, lá estavam eles a separar. Ainda que os homens desta cidade não se matassem como hoje, nem os abismos entre eles fossem tão profundos e largos como hoje, existiam os muros para nos repelir. Com o tempo eles se multiplicaram, ganharam altura. Ficamos ainda mais desconhecidos, mais temerosos. É o progresso, diziam.
Nós, as crianças, nos divertíamos neles subindo e pulando para a zona proibida. Era um desafio de crianças. Escalar e pular o muro que nos impedia de ser crianças nos excitava ao extremo. Não nos conformávamos com os muros, com os portões, com as grades. Queríamos, em calções e pés descalços, ganhar o mundo, as casas, os terrenos baldios, as piscinas dos vizinhos, a goiabeira do quintal alheio. (Era no tempo dos quintais). Não havia limites para nós, crianças imortais e destemidas.
Correr com todas as forças, a plenos e limpos pulmões, por quanto tempo fosse necessário, nos impelia com coragem às mais perigosas e palpitantes missões. Caso empreender fuga sob a mais nítida ameaça fosse uma necessidade imperiosa, o fazíamos com um sorriso aberto e uma força imensa e não extenuante. Não tínhamos limites. Éramos deuses, cheios de vontade de vida.
Crescemos.
Os muros também cresceram. Cresceu nosso medo. Nossa vontade de vida arrefeceu. Com efeito, não decresceu a vontade de vida; arrefeceu, sim, nossa coragem, nossa energia. A vida, a mesma que nos excitara a vontade de si, passou a nos golpear incessantemente. À medida que crescíamos perdíamos as formas de criança e nosso aspecto se tornou ameaçador para alguém. Descobrimos, então, que o que fazíamos impunemente, porquanto nossa pureza nos fazia inimputáveis, não nos era mais possível fazer. Ainda que guardássemos bem à vista na alma, não se conseguia vislumbrar em nós nossa ludicidade, a criança que ainda existia em nós.  
Então, morremos. Tornamo-nos outro alguém. Nem vale a pena enveredar por constatações tão chocantes e tristes. Voltemos às crianças que éramos.
Não; façamos melhor – descrevamos o processo de descrescimento. O descrescimento é um conjunto de decisões que dão o revertério. Não é um fenômeno biológico. É uma trama urdida nas ferventes confusões da alma, após um cansaço enorme, alguma sabedoria e doses cavalares de resignação. Descrescer não é parar de crescer; é uma espécie de purgação, de limpeza. É olhar os muros e não se intimidar com sua altura, com os limites impostos. É voltar a ser uma criança por decisão própria, com as enormes vantagens da inexorável sabedoria. É ser uma criança grande, um crianção.
Se o homem nasce, cresce, se reproduz e morre, só me restava morrer. Sim, é a única coisa que me restava. Não conformado, resolvi descrescer. De quebra havia ainda a possibilidade de meu renascimento. Como não há no Aurélio o verbo descrescer, talvez fosse mais certo usar o verbo recrescer, este, sim, existente.
O que quero dizer é que resolvi recrescer, e para tanto, renasci. Comecei a renascer quando resolvi me desmontar. O desmonte foi uma morte, sem dúvida. Reparem, então, que estão diante de alguém que já morreu.
Foi simples. Certo dia, uma linda manhã de sol, acordei triste, pesado, a cabeça doendo, sem tesão. Olhei pela janela e vi o vai-e-vem da cidade, as pessoas correndo, o trânsito movimentado – ainda não era como hoje – o céu tão azul que parecia um jardim de uma cor só. Pensei: -“Morri.” E ali mesmo, com a janela aberta para o mundo, deixei de existir. O diabo é que, se se morre em vida, não há outra saída que não o renascimento. Só morre em vida quem quer ainda muito viver. E, no mesmo instante, ali mesmo, com a janela escancarada para o jardim de uma cor só, renasci. Foi mesmo muito simples.
Desde então voltei a pular muros. Hoje é bem mais difícil; pode-se ser alvejado com uma bala certeira. Ainda assim pulo uma enormidade deles. Entro e saio do vizinho num piscar de olhos. As casas são poucas aos dias de hoje, de modo que os quintais com goiabeiras, sirigüelas e limoeiros são uma coisa rara; mas ainda os encontro vez ou outra. Outro dia quase me morde um enorme pastor alemão sentinela.
O que muito me faz falta é a companhia de outras crianças renascidas como eu. Brinco sozinho o tempo inteiro porque não há amiguinhos com quem brincar. Sinto-me, de fato, muito só neste mundo. Ainda me resta a esperança de que encontrarei alguém morto, renascido, em recrescimento. Anelo encontrá-lo em breve.


Fernando Cavalcanti, 01.07.2010  

"SEU" ANTÔNIO, DISCÍPULO DE NASSIM NICHOLAS TALEB

               O que aconteceu foi o seguinte. Contrataram “Seu” Antônio, lá para as bandas de Crateús, para confeccionar e pôr no lugar a...