sexta-feira, 12 de novembro de 2021

O "DEBLATERADOR"

                Sempre pensei que a inspiração há de ter um limite. Sim, não é para sempre que o artista estará cheio daquilo que o move, da energia que o leva a produzir sua arte outrora tão apreciada e cheia de... energia. Os exemplos são vários. Tanto que, como na vida biológica, some o artista de cena. Então, nesse momento, por alguma razão que foge a uma explicação hipoteticamente necessária, pensamos naquele artista que anda sumido. “Onde anda o Elton John que nunca mais compôs uma daquelas suas músicas marcantes?” É um exemplo. Assim, cadê o Elton John?, pergunto agora. Creio que os escassos leitores me entendem...

                Fiz o comentário acima porque há tempos não escrevo. Não que queira me comparar a gigantes da literatura ou coisa que o valha, nada disso. Não chego nem perto. Pelo simples fato de ter deixado de produzir aquilo que seria minha catarse, minha válvula de escape, minha pilhéria do dia-a-dia, pensei que, também eu, um escritorzinho de quinta “catigoria”, teria me esvaziado da energia que me impelia a escrever. E isso não é bom. Afinal, ando cheio de sentimentos, de paixão, de amor, de vontade de vida... de saudades... sim, saudades. Disse alguém, acho que uma criança, que saudade é o amor que fica. Só em citar o Elton John já demonstra meu grau e tipo de saudade. Eu complementaria a linda definição de saudade acrescentando que, se o amor é algo que fica, é porque algo não fica. Algo se foi. Algo partiu. Algo não mais existe.

                Aprendi que a vida é perda. Na vida, tudo perdemos. Aos poucos ou de uma só vez. À medida que perdemos, crescem as saudades. Nunca morre os que ou o que perdemos, até que morramos nós mesmos. Nossa memória, e somente ela, mantém vivas nossas perdas. Nossa última perda, a da própria vida, leva-nos ao profundo sono no qual as memórias se vão e com elas as saudades. Nossa própria morte é o alívio final. Sofrem os que nos choram, e aí com eles ficam nossos amores, vivos em suas memórias de sofridos viventes.

                Conclui-se, com essas breves e parvas reflexões, que aprender a viver é o mesmo que aprender a lidar com as perdas. Se pararmos de nos torturar e deblaterar sobre as perdas, viveremos melhor. Mas... e daí? (Acaba-me de chegar, na rede social e enquanto escrevo, a notícia da morte de um amigo.)

                O que ocorreu foi o seguinte.

Amorim ja completou 60. É homem com 60 anos nos couros há mais de 6 meses.  Vamos e venhamos, o que significa ter 60 anos? Dizia o meu querido amigo Raimundo Araújo, das bandas dos Montes Claros nas Minas Gerais, que tem gente que não sabe nem quando está com fome. Eis aí, de fato e de vera, na definição implícita de maturidade de meu Raimundo, o que significaram ao Amorim seus rasos 60 anos (o leitor vai me permitir uma emoção mais que sincera) – porra nenhuma! Indo direto às vias de fato, a maturidade emocional do Amorim aos 60 anos seria igual ou ainda pior que a de um garoto de 15 anos. (Seria igual, estou na dúvida, às de um de 12?)

                Tudo bem, tudo bem... não sejamos tão radicais. Vamos contemporizar... Como posso eu emitir uma opinião tão contundente sobre o amigo?, indagará alguém. Como resposta direi apenas o seguinte: o homem segue fazendo o que sempre fez desde exatamente os 15 anos de idade. Se precisar dizer mais, direi. Mas fiquemos com esse único e mísero critério. Fazer o mesmo desde os quinze anos não funciona nem para escovar os dentes, que dirá para tomar decisões, fazer ou não fazer “cagadas”, chorar ou não chorar como uma criança de 5, pagar as contas, etc. etc. etc.

                Pois foi nesse cenário que sobreveio a grande catástrofe – um suposto amigo do Amorim a “defender-lhe” dos verdadeiros amigos que tentavam, a pedido do próprio, ajudar-lhe na tomada de algumas decisões. O detalhe aí é a busca do Amorim por ajuda. Ninguém se intrometeu voluntariamente e se arvorando o direito de interferir na vida do querido amigo. Assim, disse o “deblaterador”, se achando o máximo defensor do amigo em perigo iminente de sério risco diante de... amigos: “E deixem o Amorim tomar suas decisões. Ele é adulto e conhecedor de sua vida.”

Não há dúvidas que o homem é adulto. Afinal, tem mais de 60 anos. Que conhece sua vida, idem, tanto que sabe ter feito um monte de merda a vida inteira. O que o “deblaterador” não sacou, e não sacou porque talvez ele próprio também ainda beba nas aguas impuras da imaturidade, foi que falta ao Amorim a lição que ensina a perder. Por mais que a vida lhe bata na cara – já perdeu pai e mãe – o homem não atinou, não atina. O outro, o falso amigo, de que serve? A nada, eis a resposta. Uma lamúria. Uma lástima.    

O NARCISO DO MEIRELES

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