segunda-feira, 15 de agosto de 2022

ENTRE UM CAFÉ E UMA CERVEJA

Sempre muito me impressionou a paixão que alguns pupilos nutrem indefinidamente por seus gurus. A princípio parece que essa seria uma regra à qual muitos desobedecem, já que nem todos os discípulos assim o fazem. Tais rebeldes são sumariamente taxados de insolentes, arrogantes, mal-agradecidos e, com efeito, não deixa de também causar impressão um aluno ingrato. O diabo é que o tempo - esse sim, o verdadeiro mestre – vem nos ensinar que há gurus memoráveis e adoráveis, e que também há gurus deploráveis e olvidáveis.

Nunca esqueço o Chico que, de tanto amar e admirar seu mestre Queiroz, aprendia com ele até outras práticas e hábitos fora do ofício. O Queiroz, ao que parece um apreciador da bebida feita a partir da semente do Coffea sp, influenciou tanto o Chico na matéria regular que o homem também passou a beber e entender tudo de café. (Conheço o Chico já se vão quase trinta anos e até então nunca lhe vira tomar uma única e mísera xícara da bebida.)

Coincidência ou não, quanto mais tinha contato com seu ex-mestre mais de café entendia, ou ao menos parecia entender. Comentava dos tipos, das várias espécies, de detalhes dos grãos, dos diferentes modos de preparo, das marcas industrializadas disponíveis no mercado, dos sabores, e tal, e tal, e tal. Com tanta informação a lhe exalar pela boca e outros orifícios, me era impossível duvidar que o homem tinha, sem tanto o querer e já querendo, uma nova profissão.

Ocorre, para provar que era mais influência e ascendência do outro do que propriamente o apreciar o hábito e a bebida por ele próprio, que suspensos os contatos entre ambos sumiu o novo e empolgadíssimo barista. Voltou à cena o Chico de outros e velhos e bons carnavais, o Chico cervejeiro. Embora menos conhecedor de tantos detalhes da cerveja em comparação ao conhecimento adquirido rapidamente à semente do Queiroz, apreciava-a com uma sofreguidão medonha. Digo apreciava e corrijo de imediato: hoje a aprecia ainda mais. Aproximando-nos ainda mais da verdade, o Chico beberia uma piscina de cerveja com três tubarões dentro e ainda comeria a carne desses pobres  eslamobrânquios plagióstomos como tira-gosto.   

 Paremos a léria e confessemos o propósito.

Os ícones tornam-se ícones pelo caráter irretocável aliado a seu imenso saber técnico posto a serviço de quem necessita. E tudo isso tem o Queiroz. Por isso o imenso amor do Chico por essa figura que a ele é cara. Em uma única frase, que traduz o amor de um fedelho por seu padrinho: quer imitá-lo. Sua admiração é tão grande que quer ser como o mestre. Eis aí tudo.

Mas há outros mestres. Convém falar? Não convém. Acho que convém. Vá lá que seja.

Outros há que, passado algum tempo, cai-lhe a máscara e, ainda que seja possuidor de grande quantidade de saber técnico, das duas uma: ou não se dispõe a ajudar a quem necessita, ou em seu caráter se revela o ser humano em sua completa vileza. A esses, ainda que a princípio tenha feito brotar o amor e a admiração de seus alunos, restará a indignação da visão da monstruosa verdade, seguida da descomunal tristeza por sua morte em vida, a morte do mestre que não é mestre.

Não queiram experimentar. É uma cena horripilante.

 

Fernando Cavalcanti, 09.12.2010   

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