Outro dia me ligou o Padilha. Estava desaparecido há um tempo, muito
tempo. Talvez fosse o contrário. Talvez eu estivesse desaparecido há um tempão para
ele. Ora, morremos todo dia para alguém. Em vida tenho sido defunto de muita gente
faz tempo.
Pois o Padilha me liga pedindo uma ajuda.
A ajuda era a seguinte: queria que eu
guardasse em casa um sofá velho que lhe pertencera até então. Foi o seguinte: o
homem comprou um novo sofá e não queria se desfazer do velho. Aqui vale uma
explicação. Padilha é daquelas pessoas que se apegam às coisas. Sim, não se
desfaz de nada antes de... se acostumar com o fato de que precisam se desfazer
de algo.
Deixemos de fazer críticas subliminares ao amigo e vamos direto ao
ponto: o homem queria, precisava, anelava a ajuda de alguém que guardasse seu
velho e felpudo sofá. Afinal, várias garotas haviam sentado naquele baluarte. Quantas
vezes fizera amor deitado com algumas delas naquela peça confortável e rechonchuda?...
O Padilha era um safardana incorrigível... Dos outros pensava que ninguém
presta; de si que, exceto ele... mais ninguém.
Ainda não é essa a questão que desejo abordar. O que quero é falar da ajuda. Sim, da ajuda que o amigo queria.
Bem, comecemos por definir o que é uma AJUDA.
Fui aqui ao pai de todos os burros e descobri, no melhor que pude julgar: ajuda é o contribuir para que outrem faça
alguma coisa. Outras definições dão conta de favorecer, facilitar... e por aí
vai.
Pois resolvi ajudar o Padilha: acolhi em meu lar seu bendito e
confortável sofá depois de ter doado o meu para alguém que necessitava. Em suma,
o dele tomou o lugar do que doei. Vejam que, doando o meu, a ninguém ajudei, já
que não contribuí para que alguém fizesse alguma coisa. E contribuí: ajudei a
alguém a ter onde sentar. Minha ajuda só foi possível por uma questão física que
obedecia ao princípio de Arquimedes: “Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço”.
Fiz todo esse introito por uma única razão, e vou lhes contar. Foi o
seguinte. Saí a beber um café com velhos e amados amigos. E eis que vinha dinheiro
de cá, ia dinheiro de lá... o dinheiro atravessava a mesa daqui pra lá, de lá
pra cá, e eu me via excluído desse trade
fraternal. Depois de umas poucas perguntas e respostas incompletas, tudo se fez
claro: estavam recolhendo recursos para ajudar
um amigo comum. Resumamos a que não haja dúvida.
O amigo e sua família haviam sido vítimas de um assalto em que os
bandidos “rasparam” tudo o de valor que havia em seu lar. A sorte foi a manutenção
da integridade física de todos. (Antes de arrematar devo dizer que a vítima se
considera o maior vendedor do planeta, o fodão, o cara, enfim...) De fato, o homem tem intacto seu cérebro de maior
vendedor, seu físico perfeito, dois braços, duas pernas, visão e audição perfeitas...
enfim: o amigo comum, vítima do assalto, perdeu apenas e tão somente a matéria.
E os amigos ajudando o homem a... não fazer coisa nenhuma diferente do que ele
já tem feito e que não está funcionando...
Ao me ver esclarecido de tudo, queriam saber: – “Queres participar?”. Respondi,
incontinenti: –“Nem de brincadeira! Vai contra tudo aquilo em que acredito...!”
E assim continuamos... O sofá do Padilha está aqui comigo até hoje.