segunda-feira, 6 de julho de 2020

O BEBÊ DO BAIRRO DE FÁTIMA

Não vou nem tergiversar, ficar de blablablá, contando caraminholas – queria saber, descobrir, qual seria o endereço fiscal de meu querido amigo-irmão Fábio de Oliveira Motta. Aos que não sabem, ou não lembram, o Motta é aquele que é a cara encarnada e esculpida do senhor Cesar Luis Menotti, ex-técnico da seleção argentina de futebol.  (https://umhomemdescarrado.blogspot.com/2015/08/menotti-motta-e-as-tres-raparigas.html). A fotografia da sumidade esportiva estava anexa ao texto, mas, por uma dessas limitações da rede ou o exercício do direito de seu autor, a removeram, de modo que, quem quiser ver a cara do homem, que digite seu nome no Google e lá verá várias delas, várias caras de um só homem.
Pois nosso Menotti Motta, como ficou conhecido após constatada a semelhança brutal, não tem, ao que conste nos autos, residência própria. É mais ou menos assim – já estivemos na casa do Mesquita umas cem vezes; na do Gaudêncio outras cinquenta; na do Bacana outras trinta; na do Tomasinho umas vinte; na do Baxin umas quarenta; na de Madame Serjão umas “uma”; na minha umas... sei lá. Na casa do Fábio “Menotti” Motta, nenhuma. Sim, na casa do Meninotti Motta, a casa dele mesmo, nenhuma. O que me recorda é ter estado em casa de seus pais há uns, digamos... seiscentos anos. Lembro neste dia, há seiscentos anos, o Agapito, seu saudoso pai, me cochichando ao pé do ouvido: –“A mulher é um bicho inconsequente...” Era na casa do Bairro de Fátima... Havia também as casas dos Motta no Pecém, a da praia e a outra, o sítio. Dos Motta, vejam bem.
Daí minha curiosidade no endereço fiscal do homem. Devo dizer, em minha abissal ignorância, que estou presumindo ser o “endereço fiscal” aquele que nosso homem pessoa física coloca em sua declaração de imposto de renda. Se estiver errado, e é extremamente provável que esteja, paciência... Sigo a perguntar: –“FaMotta, pedido de amigo... me diz aí qual é teu endereço fiscal”? Peço mais e humildemente: –“Se não quiseres ou puderes confessar esse endereço, me diz aí qual’é teu endereço residencial mesmo”...
É bem possível que o pobre e achacado leitor esteja até agora a entender patavinas dessa história. E é porque já comecei dizendo não querer usar de evasivas! Assim, o que queria indagar a meu amigo-irmão, de fato, é o seguinte: –“Onde é que moras”? Não, não... não é essa a pergunta. A pergunta é: –“Meninotti, onde é a tua casa”? Sim, porque estão a dizer aos quatro cantos, coisa de gente fofoqueira que não tem o que fazer, que moras com mamãe e papai há... mais de seiscentos anos. Sim, o amado e saudoso Agapito ainda vivia em plena fortaleza física, mental, emocional, espiritual. Assim, pergunto: –“É verdade?? Agora que Agapito não mais está entre nós, estás a morar com a amantíssima senhora dona Mirtes, tua querida mãe”?? Não... sim... sei que ela está idosa e requer alguém próximo que possa atender suas demandas, mas... o diabo são os últimos 20 anos... ou seriam 30? Há 30 anos, depois do teu divórcio, te amancebaste em casa paterna e lá permaneces até hoje? Em tempos antigos serias taxado, ou melhor, receberias uma plaquinha pendurada no pescoço onde estaria escrito em letras graúdas – RAPAZ VÉI.
(Aos que não entendem o cearencês, esclareço – véi é o mesmo que “velho”, uma espécie de hipocorístico muito comum nesse dialeto nordestino.)
Rapaz i... Nosso Meninotti não se enquadraria bem na definição porque o verdadeiro rapaz véi é aquele que nunca contraiu núpcias, nunca se amasiou, e este não é bem o caso...
Para encerrar, que não quero mais te perturbar o sono, em nosso próximo encontro, por favor, leva um boletinho da tua conta de luz... (Desde linhas atrás já me dirijo diretamente ao amigo porque sei que a canalha não perdoa e torna, em segundos, assunto sério em disse-me-disse sem rumo...)
Sim, um boleto da conta de luz porque o da conta de telefone não serve... não sei por que, mas não serve, viu?...

quinta-feira, 2 de julho de 2020

FEIO

Estou eu confortavelmente a fomentar meu ócio produtivo – alguém há de questionar a possibilidade de um ócio, qualquer ócio, ser produtivo – quando me bate o telefone portátil. Era o meu querido amigo Francisco José Ley, cirurgião plástico da Unidade de Queimados do Instituto Dr. José Frota.
Antes de continuar, me pergunto – há tipos diferentes de ócio? Sim, porque quem fala em “qualquer ócio” está a pressupor tipos diferentes do mesmo. Pois respondo sem o menor pudor: – sim, há o ócio improdutivo e o ócio produtivo. O improdutivo é um desses pleonasmos irremediáveis, ao passo que o outro, o produtivo, é um bálsamo na mente daquele que não quer se assumir desocupado.
Outro dia falei de meu feliz estado de desocupado (https://umhomemdescarrado.blogspot.com/2014/08/o-desocupado.html), sem nenhum constrangimento. No texto demonstro, com alguma facilidade, como o paradigma vigente no serviço público local tem a ver com “estar ocupado”. Por sua vez, “estar ocupado” tem a ver com o que o burocrata chama de “horas trabalhadas”. 
Ora, é sabido que o burocrata é, antes de tudo, o exemplo mais refinado e típico do idiota. Ele não vê diferença entre um trabalhador na linha de montagem de carros com o profissional da área de saúde que cuida de gente. Assim, para ele, quem cuida de gente deve demonstrar de alguma forma uma certa quantidade de “horas trabalhadas”. A ele não interessa a qualidade desse cuidado, mas a quantidade de pessoas que ele deve “cuidar”. Ele não tem noção, já que é um idiota de carteirinha e sindicato, do valor intangível que um tempo de qualidade dedicado a uma única pessoa tem. Dirá alguém que estou a desmerecer o trabalhador da linha de montagem de carros, ou de aviões, ou de caminhões, ou de qualquer outro bem útil. Apenas tento, justamente, mostrar a gritante diferença entre bens uteis e seres humanos.  
O que quero dizer é que é possível ser produtivo sem ser ocupado, e vice-versa. Conheço uma penca de gente ocupada que pouco ou nada produz. Por exemplo, o sujeito que passa o dia inteiro na rede social a bisbilhotar a vida alheia. Do outro lado dessa moeda está essa “vida alheia” a gastar muito de seu tempo a se expor na rede social. Ou seja, nem um nem outro produz. Dirá alguém que a rede social é um grande outdoor onde se pode fazer marketing gratuito, e é verdade; há muitos que a utilizam para alavancar seus negócios, serviços, produtos. Isso é, obviamente, outra história. Não é disso que estou a falar. 
Há, também, o desocupado cirurgião que assim ficou após realizar seu procedimento cirúrgico e que agora precisa, por força da atuação do idiota, esperar o relógio de ponto bater determinada hora para poder ir embora, fazer outra coisa, atender alguém, ir à praia, sei lá... (Já, já me acusam, com alguma razão, de estar sendo um corporativistazinho de meia tigela. Com alguma razão...) O mesmo se pode dizer do radiologista ao qual se obriga que dê laudos de exames em quantidade maior do que o que é humanamente possível, e por aí vai nas várias outras áreas profissionais da saúde.
Voltemos ao meu amigo Ley. O que queria o homem? Sem rodeios direi – queria falar. Anelava falar. Se não falasse ficaria louco. Pudera. O homem está há quase noventa dias, coitado, trancafiado em casa por ser idoso... O homem não queria se ocupar – queria ser produtivo! Nesses noventa dias se ocupara de tudo e em tudo dentro de casa. Ser produtivo, no entanto, não era possível.
Conversa vai, conversa vem, lá pelas tantas o amigo me faz um relato. Confessava uma incontida felicidade. Não era pra menos. Foi o seguinte.
Um certo querido amigo comum, colega na profissão, saíra de alta do CTI do hospital onde estivera internado vítima do vírus chinês. Surpreso por saber de seu grave acometimento, eu quis saber: –“Mas... ele tinha algum fator de risco”? Na bucha, Ley fuzilou: –“A beleza”! 
O detalhe é que o referido colega é conhecido por sua intensa e assustadora... como direi... “assimetria de formas”. Uso de uma expressão carregada de eufemismo para evitar dizer a verdade indubitável e inquestionável – o homem é feio pra burro. Feíssimo. Feio é apelido. Bota feio nisso.
Bem se vê que a quase loucura de meu amigo afetou em nada seu mordaz senso de humor. Aliás, fazer humor é uma forma de produção. É quase como fazer amor. E disso o amigo há de estar ávido!

O NARCISO DO MEIRELES

Moravam numa bela casa no Parque Manibura.  Ela implicava com ele quase que diariamente. Era da velha guarda, do tempo em que o homem saía c...