quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

DOUTOR MOREIRA E DOUTOR FULANINHO

    Na sessão da cirurgia geral, na sexta-feira, Dr. Moreira pediu para trazer o caso de um paciente, um idoso, que fora vítima de umas facadas na barriga. O homem era dono de um bar na periferia e lá entraram uns elementos tentando assaltar. Resultado: o homem – tinha lá seus 69, 70 anos – foi esfaqueado não sei quantas vezes no abdômen.
    Trazido à emergência, foi imediatamente operado. A equipe cirúrgica encontrou, depois de uma minuciosa inspeção da cavidade, duas ou três lacerações no intestino, que foram cuidadosamente saturadas. Tudo ocorreu numa quarta-feira à tardinha, já entrando a noite. No domingo o paciente faleceu na UTI, onde estava desde que saíra do centro cirúrgico.
    Dr. Moreira fazia questão de trazer o caso à discussão. Achava e suspeitava que uma ou mais de uma das suturas do intestino havia rompido levando a uma peritonite, septicemia e morte. Ainda que a vítima houvesse recebido um exemplar atendimento em todas as etapas de seu atendimento, no pós-operatório inclusive, ele acreditava que houvera uma falha pelo pessoal da cirurgia que o avaliava nesta fase, ou seja, o pessoal teria deixado passar uma peritonite mortal sem diagnosticá-la devidamente. E batia pesado em sua crença: – Um erro fatal! E perguntava eufórico: – Como isso pôde acontecer?
    Dr. João, chefe da cirurgia, cutucava o residente responsável pelo caso e, sussurrando, num tom de brincadeira, provocava-o: – Fulaninho, o Moreira quer que esclareças o causo... quer te pegar. Fulaninho se mexia na cadeira do auditório mais inquieto que alguém enfezado e pensando: "Nem qu'eu tenha que ir atrás do laudo cadavérico!" Passou.
    Dito e feito, ou melhor, pensado e feito. Na semana que se seguiu Fulaninho não contou pipocas. Numa brecha das atividades deu um pulo no Instituto Médico Legal. Lá chegando identificou-se e foi atendido por um legista de plantão que, depois das devidas justificativas do jovem colega, traz-lhe uma cópia do laudo da necrópsia do falecido. Chispou de volta pro hospital. Afinal, já era a sexta-feira seguinte àquela das cutucadas do Dr. Moreira e ele ansiava entregar-lhe o documento. Afinal, o homem era, além de tudo, o diretor do hospital. Tinha direito de tudo saber.
    Inicia-se a sessão e os casos mais críticos começam a ser apresentados. Lá pelas tantas, ao que se presumia ser o final da apresentação do último caso, Fulaninho ergue a mão e lhe é dada a palavra. Ele pigarreia como a limpar a voz a ser emitida e diz: – Queria pedir aos queridos mestres para ler o laudo do exame cadavérico do sr. Beltrano da Silva, nosso paciente que foi ao óbito e cujo caso foi discutido aqui na semana passada. Uns poucos segundos se passaram até que todos assentiram positivamente.
    A leitura se resumiu à parte do exame do conteúdo do abdome e da conclusão final da causa mortis: – As suturas intestinais estavam íntegras, não havendo deiscências nem sinais de peritonite. A causa da morte foi tromboembolismo pulmonar.
    Dr. Moreira levantou-se e disse, calmamente e enfaticamente: – Vocês então fizeram um excelente trabalho!! Estão de parabéns!

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