sábado, 23 de março de 2013

Maduros, quase podres


"Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar"
                                             (Raul Seixas)

          O que é mesmo que diz a conhecida e popular síntese do ciclo da vida humana? Ah!, lembrei! Diz o seguinte: o homem nasce, cresce, se reproduz, e morre. 
          Mas, vejam que não é pra todo mundo que a coisa funciona assim. Há os que prematuramente se vão, sem nem mesmo chegar a  crescer. O Padilha, por exemplo, não gerou filhos. Pelo menos até agora. O homem já vai com seus quase cinqüenta e tantos e nada de se reproduzir. E, pior, não há o menor sinal de que o faça nos próximos cem anos. Assim, o Padilha não há de completar o ciclo de uma vida humana normal. É um homem maduro, quase podre, mas nada de filhos. 
          Verdade se diga: - o Padilha é biologicamente maduro. E só. 
          Observem que o enunciado do ciclo da vida é elevadamente positivista. O sujeito pode ser um troglodita das cavernas, desses que arrastam a mulher pelos cabelos, e ainda assim estaria fadado a se reproduzir. Tudo depende apenas, e somente apenas, da maturidade biológica para a função reprodutora. O caso do Padilha... Bem, o caso do Padilha é o caso do Padilha. Há muitos e muitos outros semelhantes. 
          Fiz todo esse intróito apenas para anunciar que hoje é o aniversário de meu querido e amado amigo Fábio de Oliveira Motta. Não sei se o conhecem, mas há sobre ele um extenso e prolífico anedotário. Basta dizer, por enquanto, que ele é o único homem da modernidade que foi capaz de dar origem a um "santo" sudário. Para os que não o conhecem e nem à referida sina na criação da tal indumentária, faço um resumo.
           O Motta adquiriu na América, numa de suas inúmeras viagens, um estiloso calção esverdeado. A peça era de indiscutível qualidade, e não havia o risco de a ter comprado ali no Beco da Poeira ou na 25 de Março. Era no tempo do real pau-a-pau com o dólar, de modo que o bicho deve ter-lhe custado os olhos da cara. 
          O que ocorreu foi que o homem tomou-se de um apego tão exagerado àquela roupa, que dela não mais se despia nem pra se banhar! E há ainda o detalhe mais exuberante a ser evidenciado, sob pena de se não entender a história: - Motta não usava cuecas.
          Para os que não atinaram no qu'eu acabo de afirmar, repito: - Motta passava por uma fase muito...   como direi?... Genital. Sim, exatamente isso! Era uma fase tão genital, mas tão genital, que o homem aboliu por completo as cuecas. O resultado do uso indiscriminado do calção sem a devida proteção da cueca foi a "tatuagem" de todas as partes íntimas do homem no forro da peça de roupa. Eis aí, em mais palavras do que pretendia, uma breve súmula do hilário episódio.
          Alguns dos amigos comuns estarão a se perguntar, a essas alturas, que pretendo eu com toda essa lengalenga. Explico. 
          Outro dia fez anos o Sérgio Moura. E o que tem acontecido ultimamente ao Sérgio Moura quando faz aniversário? Resposta: - é acometido de cava depressão. É uma tristeza tão severa e tão profunda que a mulher tranca as gavetas da cozinha para protegê-lo das facas. O dia de comemoração de seu nascimento é para ele um suplício atroz. A ninguém quer ver, nem receber, nem ouvir. Ao telefone não fala e nem a sua correspondência eletrônica consulta. 
          Pois justamente aqui está a semelhança dos causos: - o Fábio Motta esteve hoje, justo hoje, dia de comemoração de seu natalício, enfurnado sabe-se lá onde. Seu telefone portátil permaneceu desligado o dia inteiro e não respondeu às mensagens que lhe foram carinhosamente enviadas. O homem sumiu; desapareceu; escafedeu-se tal qual o Arlindo Orlando. Não se sabe se está vivo ou se está morto. 
          Bem se vê o que o ciclo da vida tem feito a esses ainda vigorosos varões. Ambos, Fábio Motta e Sérgio Moura, estão na penúltima fase da vida: - esperam apenas a morte. Tudo já fizeram, tudo já viram, tudo já experimentaram... Nada mais há que lhes arrebate a paixão, o desafio, o vigor, a vibração, a pulsação da vida que ainda há. Estão a entregar-se a reflexões pouco úteis e nada práticas. Deixaram-se aprisionar na simplória e positivista definição da vida. Em suas mentes está a ribombar a voz do Raul Seixas a entoar o "Ouro de tolo" nos trecho em que ele destila seu desencanto pela vida, quase um Salomão pós-moderno e ateu. 
          Aos dois amados amigos, mais ao Motta que ao Moura - que este só há de se enclausurar ao 15 de novembro -,  relembro o trecho da canção onde se deve fixar o coração e a mente se ainda há vida:  "Eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar e eu não posso ficar aí parado". 
          Bola pra frente, Fábio Motta! Fique certo que minha vida seria bem menos colorida se nossa amizade não existisse! Parabéns e forte abraço do amigo que te ama!

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