terça-feira, 14 de julho de 2015

HOJE É FERIADO EM PARIS

          Eis que chegou-me o amigo Fábio Motta, o homem dos bobes, e, sussurrando-me ao ouvido, disse:
          – Estou completamente abandonado...
          Estupefato, quis saber: 
          – Ora, mas por quê?
          Saiu, então, a relatar-me o drama. É o seguinte.
          A filha está sempre longe, já que vive em outro Estado com a mãe; o filho mais novo mora em Quixadá e quando vem à capital só pensa em namorar; o filho mais velho, seu companheiro, foi-se embora para o Canadá... E assim viu-se o meu amigo jogado às favas.
          Fez uma breve pausa e concluiu pesaroso:
          – E ainda por cima estou sem namorada...!
        –Mas... ora! Não estavas a namorar aquela pequena... como é mesmo seu nome?... Ah!, sim... Laurinha. Isso mesmo.
          Meneou a cabeça com certo ar de desolação:
         – Terminei com ela... a “bichinha” mora muito longe!
        O homem gastou um tempão a se jactar por estar namorando a Laurinha. E já se fazia a seguinte suposição, a de que Laurinha era um estouro, um mulherão, um avião como se diz por aí. Estavam todos ávidos para conhecer a tal Laurinha. Oportunidade não faltou. Houve festas e encontros onde poderia tê-la apresentado aos amigos. Agora a esperança se esvaía – jamais conheceríamos Laurinha. E tudo porque ela morava no subúrbio... Que mal há em se morar no subúrbio? Bem, mal não há... O que há são os assaltos, os homicídios...
       Mais recentemente não tocava em seu nome. Sim, agora me lembro. Há tempos não falava de Laurinha. Com efeito, Laurinha tornara-se, para nós, uma fantasia do nosso Motta; uma dessas ilusões que alimentamos à adolescência e, até, um delírio de homem. Solidão faz dessas coisas. Deixa o sujeito susceptível a sonhos e irrealidades que se materializam burlescamente na cabeça de um sujeito em estado de peremptória precisão... Laurinha seria, para nosso Motta, a Samantha de Theodore, personagem de Joaquin Phoenix do filme Her, de Spike Jonze. (Samantha é a voz feminina do sistema operacional que Theodore adquire para seu computador e por quem se apaixona perdidamente.) 
          Felizmente não era nada disso. O homem apenas desmanchara o namoro.
         – Vou precisar me adaptar..., continuou ele.
      Pausa. Suspirou profundamente e concluiu: – Cara, as mulheres de valor estão cada vez mais raras...!
       Laurinha havia de ser uma dessas robustas virtudes à prova de qualquer teste. Seu defeito era o subúrbio. Ainda fosse um subúrbio em Miami, vá lá... Subúrbio em Fortaleza é o diabo. (Já, já me dirão preconceituoso...) Pensando melhor, não seria essa Fortaleza toda ela um subúrbio?, um grande e vasto suburbão? A verdade é que o subúrbio em Fortaleza é um descarado preconceito; ele é apenas a vítima mais indefesa do abandono por parte dos políticos que ele mesmo elege. Há gente boníssima no subúrbio. O suburbão será o grand finale dessa inusitada conurbação de uma cidade consigo mesma, a implosão de seu apartheid, o colapso das forças centrífugas pela supremacia de suas forças centrípetas promovido pelo descaso geral, não mais estritamente marginal... 
      Ora, segundo o Motta, onde estariam as mulheres de valor? Na hora calei. A resposta correta seria que elas estão por aí, em todo lugar, rarefeitas como o ar das grandes altitudes, mas em todo lugar. Rarefeitas não porque são mulheres, mas porque humanas, assim como rarefatos são os do gênero masculino de valor. De fato, em todo lugar de tudo há, assim como nada há que vejamos com os olhos embaçados. O coração é o melhor dos olhos quando educado para bem ver, devia ter-lhe dito. Os ouvidos adoram a música das palavras bem ditas, ainda que vazias em si mesmas, mas desejadas em função da carência e da ausência de amor próprio. Por isso é bom que o amigo esteja ainda só. Denota com isso cuidado, busca zelar sua escolha. 
       Lá pelas tantas o homem me fez confissões insólitas. Para um Fábio Motta conhecido por seu charme de conquistador que nunca se deixou importunar pela qualidade da presa, o homem demonstrou ter adquirido o que se conhece como “o charme do cinquentão”. Diz o Mesquita ter sido o Motta a vida inteira um coração empedernido, um Casanova irreparável, um caçador de sexo... eu estava para dizer sexo livre, mas me contive porque seria injusto. Ele não o era. Colecionava relacionamentos prolongados, é verdade, mas sua preocupação com a fidelidade beirava a nulidade, além de nunca ter-se apaixonado de fato. (Vejam – quem o diz é o Mesquita. Reclamações, portanto, favor dirigir-se a ele.)
     Pois toda a tese do nosso Mesquita passou a ruir diante de meus ouvidos quando o Motta assegurou: 
       – Hoje preciso de algo com flores, jantares românticos, viagens a dois a lugares paradisíacos... dar boas risadas com minha amada...!
      Como acometido de uma crise emética incoercível onde as rajadas de vômito são palavras de esperança, quase uma oração em que se requer aquilo que mais se deseja, meu amigo continuava:
      – Quero encontrar uma menina bacana numa livraria, numa cafeteria, escolhendo um vinho... é o que quero...
        E chegou ao ápice confessando o que dizia o Mesquita:
        – Sou romântico, sou gentleman, mas ainda não me apaixonei por inteiro...
      Vejam os leitores que a pobre Laurinha não poderia jamais servir ao sonho de nosso Motta. Como ousaria ela, uma linda jovem do subúrbio, ser achada na livraria Cultural ou na Le Petit Cafeteria escolhendo um Don Pérignon e sorvendo um delicioso frapê de capuccino? Oferecesse ele as flores e os jantares românticos e Laurinha já se sentiria encantada e extasiada. O diabo eram os assaltos e os homicídios!...
     Não há como, pois, não se deduzir o óbvio: definitivamente é difícil, segundo o meu amigo, se apaixonar por inteiro nessa Fortaleza... 
       E, a propósito, hoje é feriado em Paris.

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