sábado, 2 de janeiro de 2016

ONDE ESTARÃO AS PALAVRAS?

         Não sei se têm TV a cabo. Se têm, sabem que a TV a cabo é paga pelo assinante que, assim, se vê livre da péssima e ordinária programação da TV aberta. De fato, quem tem TV a cabo não aguenta mais a programação medíocre desta. E que não me venham de lá os idiotas esquerdistas a bradar que a TV a cabo é coisa de burguês. Não é. Basta passar em qualquer lugarejo viajando pelo interior para se surpreender pela quantidade de antenas parabólicas em casebres que mal se sustentam em pé. (A propósito, gostaria verdadeiramente de entender como pessoas que têm antenas parabólicas e moram em casebres conseguem receber o tal Bolsa Família. Penso que o sujeito que acorda para mais um dia sem nem saber o que vai comer não teria a mínima condição de pensar em ver televisão ou coisa que o valha.)
        O diabo é que, hoje em dia, a programação da TV a cabo está igual ou pior que a da TV aberta. Os apreciadores de cinema, por exemplo, são obrigados a ver uma fita umas cem vezes antes que sua TV a cabo resolva pôr uma nova película em cartaz. Esta, por sua vez, ficará em cartaz pelo tempo necessário a que seja exibida outras cento e cinquenta vezes. Em suma: – a TV a cabo se tornou uma sessão interminável de tortura medieval. Poderia dar uma centena de exemplos das evidências da falência da TV a cabo, mas ficarei apenas no exemplo dos filmes por uma questão de preferência pessoal. (Hoje acordei com uma inexplicável predileção por múltiplos e submúltiplos de 100.)
      Outro dia, contudo, tivemos a sorte, Bella e eu, de nos depararmos com o excelente “De Encontro Com o Amor” (Shadows in the Sun), de Brad Mirman, que conta a história de um famoso escritor que nada consegue escrever desde a morte de sua esposa, ocorrida 20 anos antes, e que passa a viver recluso na Toscana. O romance entre a filha do escritor e o jovem editor que o procura na intenção de relançá-lo é apenas a cereja do bolo.
       Outro dia, soube que um amigo quis saber o que estava a ocorrer comigo. Segundo consta, leu-me perplexo os últimos textos. Havia, para ele, algo de errado comigo. Para ele, minha escrita estava esquisita, pouco cômica, pobre do conteúdo de seu autor. Meus textos estavam vazios de mim mesmo, pelo que pude entender. Tão logo soube dos comentários, tive a certeza – havia, de fato, algo errado comigo. Ora, como o Weldon Parish, o escritor de “Shadows in the Sun” interpretado por Harvey Keitel, tem-me faltado algo. Diria que fugiu-me a veia, a fluidez, a sensibilidade. No caso do escritor fictício, a morte de sua mulher teria sido o evento catalisador de um bloqueio artístico, de um colapso inspirativo, de uma escuridão de ideias e de sentimentos. O amigo que comentou de mim – há um tempo que não o vejo – sentiu o que eu mesmo venho sentindo faz meses. Seu comentário foi sintomático e fundamental para a ratificação de minha própria percepção de mim mesmo. Hei de agradecê-lo quando o encontrar.
        O que teria “morrido” dentro de mim para que perdesse minha veia artística? Onde estaria ela? Ou melhor, onde estaria eu? Quando exatamente me perdi de mim mesmo? e o que me fez murchar? Lembra-me agora quando alguém disse, num passado já distante, que eu estaria perdido. Tal comentário fez nascer em mim ali, na hora, como um aborto de uma gestação sumária, o texto (http://umhomemdescarrado.blogspot.com.br/2011/09/na-perdicao-do-sem-saber_679.html). Vejam que as perguntas que faço agora muito se assemelham às que fiz então. Aquelas, à época, eram um escárnio, um deboche, uma resposta à altura à pessoa que afirmou que eu estaria perdido.
       É bem verdade que minha “perdição” à época seria uma perdição na própria vida, como se me faltassem metas e objetivos, e até equilíbrio. Agora, minha perdição é outra, diferente, como se fora um desligamento de uma parte de mim, a perda de uma função cognitiva, de um talento que tanto reguei e que se fez morrer... foi como um fenecimento lento e surdo, como o que morre à míngua sem socorro, sem assistência e sem testemunhas... A constatação de meu amigo é semelhante àquela do que encontra o cadáver oculto e insepulto, jazendo ao relento, solitário e desconhecido, e que deixa escapar à sorrelfa, de si para si: –“...está morto...”
         O que morreu sentia próxima a morte ou, ainda mais certo, não mais sentia a vida. Era como se a vida estivesse, a princípio, suspensa, em latência como um estágio larval às avessas, como um momento intermediário entre o pulsar e o repouso de suas fibras... O amigo, médico de excelente extirpe, diagnosticou a agonia que não sofre, o momento antes do desfecho apenas. Pensa-se que toda agonia é dor, é dispneia, aflição e ânsia... Não é bem assim, de fato. Ao que parece o diagnóstico do amigo surpreendeu apenas um momento, um instante inoportuno e talvez não definitivo, mas não menos alarmante e preocupante.
        No filme, Weldon Parish reencontra sua arte e sua razão para escrever. Reconhece o medo que o paralisa. E o vence apenas com as palavras. Quanto a mim, onde estarão as palavras?...  

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