quinta-feira, 20 de março de 2025

CÓLICA PEITORAL

             ERA "malhador". Diariamente estava na academia a levantar pesos e anilhas. Mas, naquele dia...

             Doeu-lhe no peito aquela dor que se espraiava para os ombros, as costas, o pescoço e a garganta. Os braços e as pernas pareciam faltar-lhe à medida que uma angústia se lhe apoderava como a antecipar-lhe o fim da vida.

– “Não estou bem”, disse à esposa. “Leva-me daqui a um hospital”.

Ela o pôs no carro. Saíram.

No primeiro hospital disseram não atender o seu caso. Nem lhes disseram de que caso suspeitavam. Seguiram para outro.

Lá também não atendiam. Pelo menos daquela vez orientaram para onde o deveria levar. Foi correndo. No trajeto entre um e outro a dor amainava e voltava, amainava e voltava, como uma “cólica” no peito.

No terceiro hospital o acolheram e já iniciaram os primeiros procedimentos para alívio de tudo aquilo e tentativa de elucidar seu caso.

– Ele parece estar infartando, disse o médico.

Depois de tudo, horas mais tarde, confirmou-se o que o médico dissera. Por ter sido tratado em tempo hábil, tudo correu bem dali em diante.

Horas depois, já no leito da unidade de tratamento intensivo, bem acordado e sem dor, confessou a alguém, um funcionário da limpeza que se aproximara do leito em sua rotina diária: – Foi logo depois de uma “trepada”...

             
            Não se sabe até agora é se houve ou não a concorrência do “azulzinho” no episódio... 

sábado, 15 de março de 2025

POBRES DE NÓS...

 Já nada sei sobre amizade. Já nada sei sobre o amor. Já não entendo o relacionar-se. Mas aprendi o quanto somos responsáveis pelo que recebemos. E por ter bem entendido o assunto é que me retraio. Encolho-me em casulo. Já não quero sair. Já me sinto obrigado a tornar cartesianas minhas companhias, meus “amigos”, meus “amores”. E já me eriço os pêlos qual um gato quando à vista de um cachorro. E me escondo na música e neste texto. Quero mais e mais estar pleno deste e neste texto. Quero mais e mais submergir na música, nos acordes, nas levadas, nas escalas, nos improvisos. E almejo o dia em que estarei tecnicamente independente, para me perder nos improvisos de um solo sem fim. Almejo o dia em que não me importarei com a platéia porque cônscio de minhas idas e vindas nas notas. E não se me endurecerão os dedos. Flutuarei em ares só meus, e que farei ouvir aos que me assistem.  Minh’alma se enlevará na expressão de minha mais profunda dor, ou gozo, ou pranto, que minha música falar. Como me libertar das convivências diminuidoras que me rondam? Como me libertar dos conceitos superficiais de meus convivas, se os “amigos” partiram para sempre? Como expor novamente a minha alma a espíritos insensíveis e blasfemos? Ou a outras almas que penam na escuridão de seus pequenos mundos? Como, nesta curta vida que já se esvai de mim, livrar-me-ei do opróbrio dessas consciências toscas e abjetas? E não serei eu mesmo o mal maior? Por acreditar? Por amar? Ou por não amar? O que farei?

Não sei o que farei. Mentir é sempre uma alternativa. A pior de todas. Dizer-se insensível ante a falta dos “amigos” seria a maior de todas elas. Dizer-se carente do amor de uma mulher seria outra, porquanto esses amores são vazios de amizade. Ou, se fossem possíveis tais amores, quantas mulheres me bastariam? E para quantas mulheres mentiria antes de lograr o meu objetivo de macho? Julgaria que elas não pensam, não sentem, não sofrem. Onde se passa a verdade? Em que plano? E a vida passando sobre as águas dos nossos rios de angústia... contendas e mais contendas! Por querer ajudar e acertar somos manipulados. E uma manipulação vil te leva a “mares nunca d’antes navegados”! O jogo de forças te bate à porta sem que saibas o que significa, ou o que está por trás, por vir. Descobrirás, finalmente, que eras necessitado no jogo da vida de alguém, amiúde alguém que julgas que te “ama”. Pobre de ti! Farás tudo para não perder o teu “amor”, o teu “amigo”, o teu “pai”, a tua “mãe”! e já tudo estará perdido... pobre de ti!

Já nada sei sobre essas coisas dos seres humanos. Estudei para saber das doenças. E jamais saberei sobre as doenças, porque quanto mais sei menos sei. Não mais se deve morrer. Não mais se pode morrer. Já se não aceita a morte natural. Não se morre, dizem os causídicos. Em toda morte há que se responsabilizar alguém. Não se morre. Vive-se eternamente. Nem mesmo há que se envelhecer. Não é permitido. Quem envelhece tem culpa. Deve ser punido. Deve ser execrado. Os que cuidam das doenças e do envelhecimento que paguem judicialmente por permitirem o envelhecer, e o decair da beleza, e o “anormal” que envelhece.

Os insensatos, os idealistas, que se julgam defensores dos fracos e dos pobres, são canalhas abjetos que os que têm noção aprovam por não sei quê razão. Julgam, os que têm noção, que os fracos são mesmo fracos e que não podem se defender. Tolos! Os fracos, que pensam nada saber, sabem tudo. Mas são chamados de “fracos” por supostamente não saberem buscar seu alimento. Ora, até os bebês sabem onde buscar seu alimento: na teta materna. Como não saberiam os “fracos” onde buscar seu alimento? Eles sabem, sim. Continuam a buscá-lo na teta... do governo, que os quer ali a buscá-lo para trocar com eles o seu continuísmo de “fracos”! e seu continuísmo nos palácios... pobres “fracos”! Nem os animais são tão fracos. Os que “têm noção” são os idealistas abjetos dos “fracos”! Doutores, entendidos, “sábios”! Promovem os fracos! Desafiam a natureza que se aperfeiçoa com a “survival of the fitest”! Querem que a natureza prolifere os “fracos”! Não pensam em educar os fracos a que se tornem fortes e estejam aptos a competir pela “survival of the fitest”! Os sábios se esquecem dos “Barbosas” que aproveitaram as oportunidades. Os “Barbosas” são fortes que floresceram do meio dos “fracos”! Tolos esses que se dizem “sábios” e defensores dos “direitos” dos “fracos”! Tolos e néscios! Olhem os “Barbosas”, imbecis! Leram tudo o que lhes foi dado a ler! Aprendam com os “Barbosas”, idiotas! Mirem-se nos “Barbosas”, ingênuos! Esses “Barbosas” mostram insistentemente que o mérito individual é o que conta! Que “quem espera nunca alcança”! Mostrem-lhes os “Barbosas”, tolos inconseqüentes!

A mesmice e a teimosia por protesto é insana. Por isso devaneio. Por isso mergulho neste texto. Pobre de mim! E de vocês que me lêem...

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                Por Fernando Cavalcanti, 19/07/2008

DUAS RAZÕES

  Brasileiro tem mesmo é que se foder. Há uma penca de razões. Darei duas.

                Sou fã de Stephen King. Costumava ler seus livros e assistir aos filmes baseados em suas histórias. O gênero terror pode ser fino ou pode ser grotesco. O grotesco é aquele que não tem pé nem cabeça, e onde o inverossímil predomina. O exemplo mais típico é "Sexta-Feira 13". Pode haver coisa mais estúpida do que a matança indiscriminada de inocentes por um ser indestrutível e imortal? e que ressuscita dos mortos a cada película? Não há nada mais imbecil em termos cinematográficos. E  creio que Jason, o tal ser, ainda não morreu. Deve estar sendo reanimado em breve em qualquer estúdio hollywoodiano. A qualquer momento chegará às telas. Seria uma octalogia. Ou nonalogia? Ou decalogia? Perdi as contas: "Sexta-Feira 13 – Parte..." sabe-se lá qual! Uma tragédia cinematográfica, sem sombra de dúvidas.

                Há, porém, o gênero terror fino, inteligente, possível, real. Nesse gênero a história nos penetra aguda e contundentemente. Todos somos passivos de protagonizá-la. Pode acontecer conosco. No momento em que assistimos ao filme, nele entramos, dele participamos, sentimos a dor e o terror das vítimas. Sua falta de ar e sufocação nos tira golpes de ar; suas feridas nos ardem; suas injustiças nos trucidam. De Stephen King li e depois assisti "O Cemitério Maldito". Nele há uma parte possível e uma parte sem verossimilhança. A parte sem apoio na realidade e fruto da imaginação fértil do autor é aquela em que os mortos enterrados no secular cemitério dos índios ressuscitam no dia seguinte para perseguir e matar os vivos, mesmo e principalmente seus mais queridos entes. A parte potencialmente real é aquela que narra a morte do pequeno Gage Creed, filho do médico Louis Creed, um lindo garoto de seus três ou quatro anos, atropelado por uma enorme carreta numa estrada  federal do Maine, estado do extremo nordeste estadunidense e preferido por Stephen para palco de suas fantásticas histórias. O fato é que os Creed eram uma linda família e tinham tudo para serem felizes. Louis era um médico recém chegado com a mulher e o pequeno Gage e o futuro lhes sorria com dádivas e sucesso. Eis aí o terror desta tragédia: a morte de uma linda e pequena criança. Quem quiser assistir a este terror e sentir o que se sente vendo este filme assista "O Cemitério Maldito" de Stephen King. A volta à vida do pequeno Gage, cujo corpo foi exumado por seu próprio pai de um cemitério cristão para ser inumado em cemitério indígena na esperança de trazê-lo de volta à vida, cheio de ódio e possuído por espírito maligno, não há de causar terror. Sua morte, sim, aterroriza. O desespero de Louis aterroriza. O pai, completamente atônito e consternado, não aceita a morte da linda criança e, tresloucado, leva seu corpo triturado pela violência do choque ao cemitério indígena na esperança de vê-lo de volta à vida. Este ato tresloucado aterroriza. Stephen King é o gênio que nos põe face a face com o terror de nossos mais recônditos medos.

                Cento e treze bebês mortos numa UTI neonatal no Pará aterrorizam? O fuzilamento de João Roberto Amaral pela polícia carioca aterroriza? Querem a verdade? Não me  aterrorizaram. Senti um terror indescritível ao ver aquele filme, aquela cena em particular. Aterrorizou-me a violência que matou a criança. Aterrorizou-me a família destroçada por essa morte truculenta e precocíssima. Aterrorizou-me o pai fora de si em busca da vida do amado filho. A morte do pequeno  arrastado no asfalto há pouco tempo no mesmo Rio de Janeiro me encheu de náuseas, e refluxos, e tonteiras, e suspiros, e cefaléias. A dos bebês e a de João Roberto não. A consciência social da não punibilidade daqueles me contaminou. Desaprendi. Mais uma vez. O Brasil real, do dia-a-dia, me diz que a vida de um ser humano, de um de seus filhos, nada vale. Essa constatação me embrutece o coração. Quero matar os covardes que matam. Quero linchá-los juntamente com os que se embruteceram comigo. Depois nos acusarão de "formação de quadrilha". Patético. Não posso respeitar esta "autoridade" que não tem autoridade: a justiça, a polícia, as legisladores. São uns canalhas.

                Brasileiro tem mesmo é que se foder. O tempo da indignação já passou. Estamos no tempo da vergonha. E depois da vergonha? o que restará para nós?

               

                                                                                      ****                                                                   

 

               

                Eu estava operando um caso difícil. O doente estava sobre a mesa, a ferida aberta, a gente tentando construir a ponte de safena que lhe salvaria a perna. Um contratempo tornou óbvio que o tempo cirúrgico seria maior que o esperado. Eu operava com o residente e dois internos. Levantei os olhos e vi que eram 14 horas no relógio na parede à minha frente. Disse ao residente que continuasse e saí do campo para dar um telefonema. Liguei para o consultório e pedi à minha atendente que avisasse aos pacientes que eu estava operando um caso difícil e que não tinha previsão de hora para lá estar.

                Todos os desafios trans-operatórios foram superados. Duas horas depois cheguei ao consultório. Minha atendente me informou que alguns (algumas) pacientes não puderam esperar e preferiram remarcar a consulta. Passei, então, a atender os (as) que resolveram esperar. E sabem o que ouvi de alguns (algumas) deles(as)? Que eu havia demorado muito. Mesmo tendo recebido todos os informes que passei à minha secretária. E sabem o que esses(as) foram fazer no consultório? Escleroterapia de varizes, um tratamento estético. Basicamente.

Em suma: os (as) pacientes  que foram ao consultório fazer tratamento estético de suas pequeníssimas varizes não aceitavam o fato de eu estar com um doente (verdadeiro doente!) numa mesa cirúrgica a operar-lhe a perna tentando salvá-la da gangrena! Não imaginam nem de perto a ira que me percorria o íntimo. Tive ímpetos de mandá-las à puta que as pariu. Mas não o fiz, é óbvio. E não o fazer foi para mim um estupro. Elas mereciam. Sua ignorância é deplorável e abjeta. Sua falta de cultura e de noção merecia castigo exemplar. Brasileiro tem mesmo é que se foder. Acham que a estética é mais importante do que a doença. Não admira que não se revoltem ao ver seus filhos serem trucidados em praça pública. Brasileiro tem mesmo é  que se foder! Sem mais comentários, porque discutir o óbvio é o mais deslavado sinal de atraso.
Senti alívio. Fiquei aterrorizado por tamanha insensibilidade. Ainda há esperança para mim, quero crer.

 

 

Por Fernando Cavalcanti, em 09/07/2008

O ANIVERSÁRIO DA MULHER DO AMORIM

  Eis que um dos Mesquita me bate o telefone e me convida a ir ao aniversário da mulher do Amorim, que é Mesquita. Não sei se me leu a últim...