quarta-feira, 19 de julho de 2017

O QUE (NÃO) QUEREMOS?

Ninguém perguntou se eu queria. E, vamos e venhamos – na vida quase nunca perguntam se a gente quer. Há que se entender a questão da lei.
Sob a égide do sistema legal, nem tudo que se quer se pode fazer, sob pena de punições severas. Eu disse “punições severas” me referindo ao sistema penal de outro país. No nosso brasilzão não há punição severa. Para ninguém. Escolha sua vítima e a corte em pedacinhos. Se tiver curso superior e se comportar muito bem enquanto estiver trancafiado, você não ficará preso mais que três a cinco anos. Isso se pegar a pena máxima. Sim, porque aqui a pena máxima de 30 anos quase nunca é efetivamente cumprida. Dirá alguém que é essa a cabeça do legislador e direi que, não, essa não é a cabeça do legislador – essa é a cabeça do brasileiro.
Estou fugindo do assunto, agora percebo. O assunto é: por que não me perguntam o que eu quero? Bem, se me perguntarem o que quero, direi que sim algumas vezes e direi que não outras vezes. Nada poderia ser mais natural na vida. Vezes dizemos sim, vezes dizemos não. 
Por exemplo. Quando entrei para o funcionalismo público não me perguntaram o que eu pensava sobre minha aposentadoria. Se me perguntassem: o senhor deseja que o Estado retenha mensalmente uma parte de seus proventos para investi-la e devolvê-la daqui a trinta e cinco anos a fim de que sirva como uma renda para a sua aposentadoria? É bem provável que naquele tempo da verdura dos anos e de minha ignorância em educação financeira eu respondesse “sim”. Há cerca de quinze anos, quando adentrei os portais do entendimento básico sobre finanças, se me fizessem a mesma pergunta eu responderia com um sonoro e prolongado “não”. É digno de nota que as respostas diametralmente opostas se expliquem por uma única razão – a educação.
Até os 30 anos, tudo que aprendera sobre isso havia sido pelo que chamo de “inércia conceitual”. Chamam também a isso de “paradigma”. Era o paradigma vigente acreditar que o Estado fosse competente para gerir os recursos de terceiros. Talvez o fosse até então. De lá para cá ficou claro – o Estado é ou tornou-se absolutamente incapaz de exercer tal tarefa com competência e justiça. Estão aí os rombos previdenciários das três esferas que não me permitem mentir.
Essa mudança brutal, cuja origem é multifatorial e tem tudo a ver com corrupção, downsizing das empresas, contração do mercado de trabalho devido a avanços da tecnologia, envelhecimento da população, incompetência de gestores e muitos outros, não foi acompanhada da principal mudança necessária na lei previdenciária – dar ao trabalhador da empresa pública e privada a liberdade de escolher se aceita que o Estado, esse mesmo Estado que já se mostrou descaradamente incapaz de tal tarefa, continue a gerir parte de seus vencimentos mensais para fins de aposentadoria.
Essa alteração na lei causaria enorme impacto na sociedade, a primeira delas a busca em massa por educação financeira e, por efeito colateral, o aprendizado sobre formas diversas de geração de renda familiar e investimentos por parte de pessoas físicas. Isso tiraria a sociedade brasileira da escuridão da pobreza mental e, como consequência, da pobreza material interminável. (Eu ia dizer inexorável.)
Cresci ouvido – este é o país do futuro. Hoje me pergunto: quando será esse futuro? Dirá alguém que o processo histórico é lento, que há muitos problemas a serem enfrentados, que é muita a injustiça e desigualdade social, e um blablablá interminável que já ouço a vida inteira.
Ora, o país está, dizem, sob a égide de um regime democrático onde impera o estado de direito e liberdades individuais. Aos que incham o peito para dizer tal asneira, pergunto: é mesmo? Se for assim, por que não me dão a liberdade de escolher se quero votar ou não em cada pleito eleitoral? Ao invés disso, sou obrigado a votar porque é imperativo para a manutenção do “estado de direito” que todos votem a fim de que se possam comprar votos de eleitores corruptos. Por que não me dão a liberdade de escolher onde aplicar meus recursos que me servirão no futuro na velhice? Ao invés disso, me obrigam a ceder parte de meus vencimentos mensais ao Estado a fim de que seu agente o utilize em suas emendas e desvios de recursos que enriquecem os que cuidam dessa máquina maravilhosa de fazer dinheiro fácil. Por que não me facilitam a vida quando quero abrir um negócio e, quando quero, já me vem o Estado a me escorchar com impostos e dificuldades burocráticas custosas e infindáveis? Ao invés disso, obstam o capitalismo saudável a fim de perpetuar o capitalismo de comadres onde somente os grandes vicejam a fim de que existam os eikes e batistas que funcionam como pontes de enriquecimento ilícito a políticos todas as estirpes de todos os mais de trinta partidos. Por que não deixam que os Estados da federação e seus municípios tenham vida própria, captando e gerindo seus recursos próprios ao invés de os enviarem a Brasília a fim de que lá se decida o que fazer com eles? Ao invés disso, Brasília serve como a grande banca de trocas de favores, políticos ou não, em troca de mais ou menos recursos para a construção de pontes e praças de igrejas matrizes de minúsculas cidades longínquas cujas câmaras municipais com seus cinco ou sete vereadores chantageiam seus prefeitos em troca de parte desses recursos. Assim, temos sido obrigados a coisas que um real e legítimo estado de direito e liberdades individuais não nos deveria obrigar, levantando firmes suspeitas de se este é, de fato, o que diz ser. Sabemos muito bem o que essa centralização nos tem causado, como bem ou mal acabamos de dizer: negociatas, dependência de recursos da União, cooptação, vícios, compra de apoio político para projetos alheios às reais necessidades da sociedade, e por aí vai.
Ninguém perguntou se eu queria, repito. Mas eu não sou eu. Eu sou um povo, uma massa humana, uma sociedade. Se os que fazem as leis são aqueles que o povo escolhe para tal tarefa, por que não as fazem de acordo com o que o povo quer? Há aí algo de muito errado. Das duas, uma: ou o povo está sendo traído ou o povo não sabe o que faz. Há ainda uma terceira possibilidade: o povo é carrasco e vítima de si mesmo. Mas isso eu já disse noutros textos. 

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