quarta-feira, 27 de agosto de 2014

ONDE OS MENDIGOS AMAM

          Os amigos são aqueles cujas orelhas puxamos e ainda assim de nós não guardam mágoa. Óbvio é que a eles é também permitido o ato repreendedor, quando necessário. A amizade é uma via de mão dupla, bem como qualquer relação interpessoal saudável. 
          Pois quem viu, viu. E o que viu? Viu-me dar uns bons puxões de orelha no João, o João Milton Cunha de Miranda. Faço um breve resumo a fim de pôr os leitores a par do caso. Foi o seguinte.
          O João saiu de Fortaleza, no Brasil, e desceu do avião em Paris. (Ontem mo confessou pessoalmente: - levava consigo uma expectativa elevadíssima sobre a Cidade Luz.) Poucas horas após o desembarque está o João a caminhar pelas ruas da capital francesa. E o que vê? Respondo: – vê pessoas a mendigar pelas ruas da bela cidade. Segundo ele, uma penca de mendigos. Pouco depois, o João passa a ouvir. E o que ouvia? Ouvia alguém dizer, uma pessoa de seu grupo ou um outro brasileiro desgarrado a perambular, que havia furtos em Paris. E não somente furtos: – havia muitos furtos em Paris. 
          À noite, presumo, no hotel, o João se vale do computador pessoal e escreve na rede social tudo isso. Que Paris tem muitos furtos, que furtam lojas e pessoas; que bateram a carteira de alguém; e que há muitos mendigos nas ruas. Enfatizou tanto a ladroagem parisiense que chegou a supor: –"Paris deve ser a cidade do mundo onde mais se furta"! Eu, que lá já estive, ouvi falar de furtos e, confesso, conheci uma pessoa, um brasileiro, que teve sua bagagem furtada na estação de trens. Mas nunca, até então, ouvira falar de tantos furtos. Assim, causou-me estranheza a elevação – ou seria o rebaixamento? – de Paris ao posto de cidade onde mais se furta no mundo.
          Foi quando caí em mim e, em meu espanto, lembrei-me de que estive há um ano por lá e nada ouvira nem presenciara nas ruas fatos que corroborassem o que João estava a dizer sobre tamanha quantidade de furtos. E, sim, vi mendicância. Ainda por lá, deitei ao papel algumas impressões que, de fato, a relevam de todas as formas. Para se ter uma idéia, concluí, em suma, que é melhor ser cachorro em Paris do que ser gente em Fortaleza (http://umhomemdescarrado.blogspot.com.br/2013/07/sobre-caes-e-mendigos-parisienses.html). E por que relevei a mendicância parisiense? Resposta: – por tudo o que é Paris e por tudo o que não é Paris. Eis aí tudo.
          Pois de tanto ler o que escreveu o João na rede social "contra" Paris é que, da mesma forma, deitei ao papel as minhas impressões sobre o óptica de meu amigo. Nem me dei o trabalho de dissertar sobre o que é Paris, visto que ela é universalmente conhecida. Seus méritos são infinitamente superiores em número e grau a seus deméritos. Tratei de deixar claro aquilo que é dessas obviedades mais contundentes: –  Paris não se assemelha, nem minimamente, à nossa pobre, sofrida, aterrorizante e miserável Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção (http://umhomemdescarrado.blogspot.com.br/2014/08/fortaleza-igualzinha-paris.html). E por que fui impelido a fazê-lo? Porque pelos relatos de meu querido João, repito, "Paris seria a cidade do mundo onde mais se furta". E mais: – porque, ao invés de ocupar-se de Paris, devia o João e todos nós pobres fortalezenses ocuparmos-nos de Fortaleza. Falou o meu amigo que lá está a ocorrer um "processo social complicado" que seria, em sua óptica, "irreversível". 
          Após a publicação do texto, João, no afã de provar sua tese, utilizou-se de vários relatos sobre a mendicância em Paris e de um único relato sobre os "batedores" de carteira parisienses, os chamados pickpockets. Em resumo, ao que parece há infinitamente mais mendigos do que pickpockets em Paris. E, coisa curiosa, como são doces e pacíficos os mendigos parisienses! Quase não falam. E não pedem. Põem a caixinha ao lado de si e dizem, à aproximação de alguém que olhe para eles: –"Bon jour, mademoiselle"...; ou: –"Bon jour, monsieur"...
          Assim, conclui-se que o mendigo parisiense ama, ao passo que o ódio grassa impavidamente em Fortaleza. Peço, então, encarecidamente e humildemente que – agora, sim! – o João faça uma profunda análise sociológica do que está a ocorrer aqui conosco. Se ele conseguir explicar por que se odeia tanto por essas paragens, prometo não mais puxar-lhe as orelhas, como tenho feito.

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