terça-feira, 12 de maio de 2015

VERGONHA!

          Se ainda vivesse, diria o grande mestre, grande professor e grande cirurgião doutor Eduardo Régis Monte Jucá: –“Que vergonha! Que vergonha!...” Doutor Régis via, da falha do atendimento ao paciente – uma rudeza que fosse, um muxoxo por parte do médico – à falha técnica durante o ato cirúrgico, a vergonha. Tais atitudes trariam, em sua abalizada opinião, a completa desonra ao profissional. Sei disso porque ouvi de sua própria boca, ao presenciar a tal falha durante ato operatório; meneando a cabeça com a expressão de desolação estampada na face, disse: –“Que vergonha! Que vergonha!...” Pensava ele no que diria o profissional a seu paciente no pós-operatório quando se deparasse com a eventual sequela... Para ele, o embaraço havia de ruborizar o médico “vítima” de tal situação.
           Eis que hoje Bella me envia mensagem dando conta da presença, no Instituto Doutor José Frota, de uma comitiva repleta de autoridades. Ao que consta, foram “visitar” o hospital. O leigo leitor, que sobre este assunto não deveria ser leigo, há de se perguntar da razão ou das razões que levaram tantas oficialidades – o prefeito, secretários municipais, promotores de saúde, procuradores de justiça e quem sabe até vereadores – a lá ir. É tudo muito simples, caro e desavisado leitor: ontem vieram a público, através das redes sociais, fotografias retiradas de pacientes – não apenas um, mas vários pacientes – recebendo atendimento e socorro médico deitados ao chão do setor de Emergência daquela unidade de assistência médica. As imagens ganharam o mundo e acabaram sendo publicadas hoje no portal da Folha de São Paulo(http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/05/1627805-com-saude-em-crise-ceara-atende-pacientes-no-chao.shtml). Por pura impossibilidade de não publicar – se fosse possível não publicariam – os marrons jornais locais também estampam hoje em suas manchetes de capa a vergonhosa notícia.
          Vejam os leitores quão forte é uma imagem. Tanto que há o dito que reza que ela, a imagem, fala mais alto que um milhão de palavras. Uma imagem, um milhão; duas imagens, quatro milhões; três imagens, nove milhões... e assim vai em progressão geométrica a vergonha a se multiplicar. Sim, porque vergonha não é coisa que aumente pela aritmética simples da adição. A potência de uma imagem relacionada à exposição pública de maus tratos, para com o ser humano, por parte de uma instituição pública há de despertar em cada um dos outros uma espécie de revolta e, ao mesmo tempo, de vergonha coletiva. Por que nossa sociedade permite que isso aconteça?, é o que pensamos de imediato. E saímos a sentir vergonha de nós mesmos, um sentimento tão baixo que nos leva a pensar em nós como vermes rastejantes e gosmentos, desses que causam repulsa só de imaginar.
          Em seguida ou simultaneamente nos assalta a revolta, pelo fato de termos a convicção e a certeza – lá estou a falar novamente de certezas – de que todos esses homens públicos e todas essas autoridades que agora lá estão são, juntamente conosco seus eleitores, os grandes responsáveis, ou melhor, os grandes culpados por tudo isso. Há, entretanto, uma diferença. Observem que, enquanto nós nos envergonhamos, elas, as autoridades, não se envergonham. São, em útima análise, os responsáveis diretos por esta situação escandalosa e lá vão apenas e somente para salvar seu capital político. Presumem que, ao estar presentes como que para avaliar e tomar conhecimento do problema, salvam-se da execração pública e salvam seus votos. Como se não soubessem o que lá ocorre... como se não soubessem o que ocorre nas ruas, o que ocorre nas fronteiras, o que ocorre nos tribunais, nas assembleias legislativas, no parlamento da república, nas chefias de governos... O que acontece nesses pardieiros é, em suma, a causa desses pacientes atendidos ao chão. Ali, em suas casas de desonra e conchavos, estão os que não se envergonham, os desavergonhados, os sem-vergonha.
           Dizia Nelson Rodrigues que o que nos salva é o pudor. “Só acredito nas pessoas que ainda se ruborizam”, dizia ele. Esses senhores e essas senhoras, já dissemos um milhão de vezes, estão a serviço da filosofia do faz-de-conta ora adotada pelo homem público brasileiro. A visita destes voluptuosos seres ao Instituto Doutor José Frota é apenas e tão somente mais um ato de faz-de-conta. Não espere o leitor que algo vá mudar neste cenário. Em mais alguns dias tudo será como antes. O episódio será esquecido até que haja novo sobressalto. Há que repensar tudo, mas as ideias que funcionam não nos interessam. Fiquemos com as velhas e inúteis ideias, e façamos de conta que as visitas resolvem os seriíssimos problemas de uma sociedade que faliu há muito.

          Em meio a tudo isso, há os que não têm do que se envergonhar, justamente aqueles que prestam socorro ao ser humano prestes a morrer ou se ver sequelado, mesmo que tenha de fazê-lo de forma indigna e desconfortável. Afinal, o desconforto maior é o da vítima. Obedecem ao quote que diz: “quando não se pode fazer o que se deve, deve-se fazer o que se pode”. A diferença entre estes brasileiros e aqueles é justamente aquela entre o verme gosmento rastejante e a flor. 


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