domingo, 10 de maio de 2015

O JORNAL NÃO CHORA

          Depois de um alargado lapso de tempo, volto a abrir um jornal.
          Inúmeras vezes escrevi sobre minha repulsa à imprensa local, seja ela a falada, a televisada ou a escrita. Sobre ela pesam seriíssimas acusações de minha parte, a mais grave delas a tendenciosidade. Seja por coincidência ou oportunismo, seja por pusilanimidade, a imprensa local é tudo, menos independente. Se por coincidência e oportunismo, explica-se pelo fato de o país estar sendo governado pelas esquerdas; se por pusilanimidade, explica-se por seus afagos aos governantes de plantão, sejam eles quem forem. Prefiro pensar que nossa imprensa é ao mesmo tempo oportunista e cobarde. Se pensarmos seriamente, os danos causados ao país por esse tipo de imprensa são bem maiores que o mal causado pelos maus agentes públicos que ela encobre em suas matérias superficiais, incompletas e vazias.
          Devo dizer que é justamente esse tipo de matéria, abordando superficialmente tema de importância capital, o que me arrisca a passar, mais uma vez, as páginas de um jornal. Por exemplo, o caso da renúncia do Secretário de Saúde do Estado do Ceará, Carlile Lavor. Segundo os jornais, ele saiu porque se sentiu incapaz de “coordenar” os profissionais que integram o órgão. Ele disse: –“A Saúde tem vários problemas e é essencial que haja uma 'coordenação' muito tranquila para levar adiante as ações”.
          (Sempre que me vejo envolto nas sombras da ignorância, corro ao pai-dos-burros a fim de dela escapar, mesmo que aparentemente a matéria pareça fácil. Minha limitada inteligência me prega frequentes peças e ai de mim se não fosse um sujeito “esforçado”!...)
          Fui, então, pesquisar o que é, afinal, “coordenar”. Encontrei o seguinte – coordenar é reunir ou dispor segundo uma certa ordem, de modo a formar um conjunto organizado ou a atingir um determinado fim. Ora, se o Secretário de Saúde do Estado não teve o poder de pôr ordem na casa a fim de atingir o fim a que se propunha, das duas uma – não havia consenso quanto à meta ou faltou-lhe poder mesmo. De fato, é tudo uma coisa só. Caso tivesse carta branca do excelentíssimo governador, teria o poder de estabelecer a meta e as ações a serem executadas para atingi-la, e quem na equipe não estivesse de acordo estaria fora.
          O diabo é que, por mais que faça nossa marrom imprensa para encobrir os fatos por trás dos fatos, os aparentemente tortuosos fatos por ela narrados não são nada tortuosos. É ela própria quem procura entortá-los a fim de esconder o que não é possível esconder. Nossa imprensa se utiliza em demasia do eufemismo. Faz parte de suas entranhas minimizar ou mitigar a importância nos fatos daquilo que sobre eles tem suma importância. Eis aí um de seus mais graves pecados e o que a torna uma vergonha para nós.
          Alguém dirá que a imprensa fez o seu papel, o de informar. Afinal, o Secretário afirmou na entrevista: –“Foram mais problemas técnicos que políticos. Já sabia dos problemas quando assumi. Não consegui fazer com que a equipe trabalhasse de forma coesa”. Com efeito, o homem seguramente não está sendo claro o bastante, mas é justamente aí, na falta de clareza do entrevistado, que o repórter precisa instigá-lo, provocá-lo, incitá-lo. Ao deixar de fazê-lo, estará se recusando a melhor informar, estará renegando seu papel, estará sendo parcial. Se ao provocar o entrevistado não conseguir dele tirar a informação que busca, tem o repórter o dever de lucubrar o que paira às entrelinhas de seu discurso e deitar ao papel as possibilidades de seu significado. Ao deixar de fazê-lo, aceita pouco dos fatos acabando por omiti-los, como na referida matéria.
          Ainda sobre a matéria, fica clara a situação caótica da Saúde no Estado, em grande parte devida à redução do orçamento da pasta aliada à “evolução das demandas”. Fico a me perguntar se o doutor Lavor não saiu porque em seu íntimo sabe que é virtualmente impossível se fazer alguma coisa por ela a partir do patamar em que as coisas estão. A consciência de um homem de bem é seu maior e mais austero juiz; não permitirá jamais que ele se alinhe com o mal, com o erro, com o engano. Talvez, e aqui estou eu a lucubrar, o doutor Lavor saiba das palavras de Einstein – “a solução de um problema complexo não está no mesmo nível em que ele foi criado” – e tenha a plena certeza de que está diante de um problema complexo o bastante para merecer uma solução que está noutro patamar. Percebendo que dispunha apenas de “soluções” paliativas, aquelas possíveis em nosso baixo nível político, e vislumbrando a quimera das soluções reais e verdadeiras, somente possíveis na nação que escolheu homens públicos de bom caráter e comprometidos com a solução dos graves problemas da população, escolheu sair. Entre fazer a política do faz-de-conta e o gozar da paz de sua consciência, preferiu a segunda. Não seria capaz de suportar seu dedo acusador a incriminá-lo pelo sofrimento e pela morte de seus concidadãos oprimidos por um governo irresponsável e incompetente.
          No portal do jornal a manchete diz: “Homem mata filho viciado em drogas no Interior”. Três pequenos parágrafos no desenvolvimento da matéria demonstram claramente que a mesma foi feita a partir de um telefonema de alguém, talvez o bodegueiro do “interior”. O cerne da questão não importa. O jornal não chora nem dá a mínima para o drama e o sofrimento humanos.
          

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