sexta-feira, 29 de abril de 2016

BABÁ DE BABAR!

                                                                            I
                Não havia dúvida – a babá fascinava o Amorim. E não somente a babá. Estava ficando neurótico com esse negócio da AIDS. Morria de medo de contrair a maldita, a mortal, como a ela se referia. Tinha pesadelos que o despertavam em suores e delírios. A mulher não atinava, não fazia ideia do que se passava. Já começava a achar que o marido precisava de um psiquiatra. Ele, por sua vez e entre amigos, queixava-se do comportamento frígido da mulher:
–“Não gosta de sexo”...
E com sinceridade admitia – a muito custo passava um único e solitário dia sem os folguedos. Perguntava-se o que fazer.
                II
O que aconteceu foi o seguinte.
Saía da repartição e ia a um bar com amigos. Chegava à casa pelas 11 da noite e a mulher já dormia. Então, com o mais elevado espírito do zeloso pai, ia ao quarto das pequenas a ver se dormiam. Voltava à suíte do casal, tomava uma ducha morna e deitava-se.
Certa vez, porém, ocorreu o inusitado naquela noturna rotina familiar. Ao inspecionar o angelical sono das filhas, deparou-se com a babá a dormir com elas. E não só dormia como também ressonava. Dir-se-ia que o ronco se assemelhava ao de um leão que lhes velava os sonhos.
No entanto, o que o atormentou deveras naquela que tudo tinha para ser uma cena pueril e casta foi a nudez da babá. Sim, ela dormia não nua em pelo, mas quase isso. Usava diminutas roupas íntimas, dessas que fazem voar a imaginação do homem. E parecia querer ser vista por quem porventura adentrasse o aposento, já que lançara para longe de si as cobertas. Amorim, atordoado, recuou e fechou atrás de si a porta em estado de suspensão dos sentidos. Dormiu aquela noite, ou por outra, não dormiu aquela noite imaginando mil e uma fantasias.
Dali em diante e sob o efeito desmoralizador do álcool, ele adentrava o quarto das filhas e vinha bolinar a babá, que passara a dormir ali todas as noites. E quanto mais o fazia, mais ousado se tornava, de modo que seria impossível imaginar que alguém dormisse tão profundamente a ponto de não despertar com aquelas apalpadelas incômodas. E já nem saberia dizer se ainda roncava.
               III
A babá era uma catarse, não há dúvida. Mas era pouco. Precisava de mais, muito mais. Estava ficando entediado daquele negócio de “ver a brecha” e passar a mão. Ademais, vamos e venhamos: era perigoso. Alguém poderia surpreendê-lo qualquer dia desses. Não queria profanar o santuário do lar, dizia, como se já não o tivesse feito. Precisava resolver aquela situação. Concluiu que precisava de uma amante, uma que se assemelhasse a atriz de pornochanchadas.
Diz o adágio popular que quem procura, acha, e é a mais pura e singela verdade. Tanto fez o Amorim que acabou por arranjar uma concubina, uma jovem “namorada”. Já alardeava eufórico:
 –“Topa tudo”!
Para os amigos dizia que ela tinha, como ele, a libido exagerada. Eram a mão e a luva. E providenciavam-se momentos de amor jamais imaginados. A coisa ficou tão séria que um amigo, solteirão convicto, cedeu-lhes uma cópia da chave de seu apartamento. Todas as tardes, chovesse ou brilhasse o sol, lá ia o casal se refestelar em orgias intermináveis. Já nem respeitavam o horário de chegada do dono do imóvel. Ao chegar do trabalho, o homem ainda dava com eles por lá, nus ou seminus, Amorim sorridente e feliz.
              IV
Até parecia solteiro. Apaixonara-se pela amante, ainda que não admitisse. Em casa a mulher não incomodava, nem ele a ela. Dir-se-ia terem selado um pacto de convivência pacífica.
O diabo é que ele passou a se enciumar da pequena, da amante. Quando não estavam juntos, gastava o tempo a fiscalizá-la, monitorá-la, espreitá-la, vigiá-la. Onde fosse ou estivesse a moça, em casa dos pais, no trabalho, fazendo compras, na praia, nos quintos dos infernos, lá estava o Amorim, ao telefone. Comprara-lhe um aparelho portátil especificamente para esse fim. A jovem mais parecia uma vaca marcada, com um chocalho amarrado ao pescoço. Ela se obrigara a ligar de onde estivesse, de cada novo lugar onde chegasse. Ele, por sua vez, perguntava, inquiria, duvidava... Queria o completo controle do romance. A desculpa era a AIDS, a maldita. Era fundamental, para sua tranquilidade, a fidelidade da parceira. Não assumia a paixão.
            V
Se quem procura acha o que quer, há de achar também o que não quer. Foi assim que o Amorim flagrou a amante numa conversa despretensiosa. Jogou verde, colheu maduro. O que ele não esperava é que o amigo que lhe emprestava o próprio lar estava a par de seus chifres e nada lhe participara. Havia visto a pequena na praia na companhia de certo varão vigoroso, porte atlético, coisa e tal... Poupou-se de avisar ao amigo por julgar que não há traição entre amantes. Fosse a mulher oficial, vá lá...
Amorim foi implacável com o amigo, ainda que às custas de onde não ter mais onde levar a pequena para suas tardes orgiásticas. Com ela, entretanto, foi compassivo e, a algum custo, aceitou de bom grado os chifres. Afinal, no seu entender, é obrigação dos amigos zelar pela ausência de irregularidades na cabeça dos comparsas. Amizade como aquela não queria. Pros diabos os falsos amigos!...
                                                                      VI
                O romance, contudo, continuou intrépido. Amorim inventava umas viagens aqui e ali à guisa de ficar mais tempo com a pequena, e o caso se prolongava sem indícios de problemas. Era isso o que parecia.
Contudo, ao largo do conhecimento geral, a esposa recebia constantes ligações em seu telefone particular onde uma mulher, dizendo-se amiga e não se permitindo identificar, denunciava a pouca vergonha do caso que seu marido mantinha com essa fulana saída sabe-se lá de onde etc. etc. etc.
Sem tempo a perder com o que julgava serem trotes, deixava por menos e guardava segredo. Não dava importância, até que eram tantas e frequentes as chamadas num único dia que, afinal, resolveu tirar a história a limpo. Aproveitando-se de uma indicação de sua nova “amiga”, foi ao lugar por ela indicado para ver com seus próprios olhos o marido com a amante.
                                                           VII
Amorim foi obrigado a sentar-se com a mulher para resolver a questão familiar. Afinal, ela o flagrara aos amassos com aquela bruaca sem eira nem beira. Que diabos queria ele? a separação?
Não, não queria. Queria a família, a mulher, o lar... (esquecera-se da babá, que lá ainda habitava.) Aquilo fora apenas uma aventura passageira e sem importância, resultado de suas necessidades sexuais não satisfeitas. A mulher até reconheceu certa culpa no caso. E assim acertaram-se. Ali mesmo, na paz do lar, caiu sobre ele o perdão da esposa traída e as bênçãos do recomeço, com uma única condição: que ele largasse, de uma vez por todas, a amante.
                                                          VIII
Ao telefone, dias depois, a mulher ouviu a voz que dizia:
–“Preciso te mostrar uma coisa”...
Minutos depois estavam ambas, lado a lado, com o álbum de fotografias do casal de amantes à vista. Viagens, momentos, sorrisos, aventuras e sexo, haviam todos sido captados pelas lentes da máquina fotográfica do Amorim. Era o álbum de um casal pleno de felicidade, repleto de satisfação e cheio de esperanças no futuro. (Foi isso o que a esposa viu e sentiu com o coração aos pedaços e em prantos...)
Quando já ia abrir a porta para entrar no carro de volta para casa, a mulher ainda teve de ouvir a amante dizer:
 –“Os telefonemas... Era eu mesma quem te ligava”.
Amorim e a mulher se divorciaram e ele foi viver com a inebriante namorada, da qual também se apartou menos de um ano depois. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O NARCISO DO MEIRELES

Moravam numa bela casa no Parque Manibura.  Ela implicava com ele quase que diariamente. Era da velha guarda, do tempo em que o homem saía c...