quarta-feira, 9 de agosto de 2023

A ÚLTIMA SOBRE ELOGIOS

          Eu poderia jurar que meu amigo Siqueira está a me perseguir. Vou por uma rua, lá ele está. Vou por outra, idem. Estou em determinado hospital, o homem me aparece. Contudo, muito me alegro ao vê-lo pois já antevejo uns bons dois dedos de prosa. Pois foi o que aconteceu outro dia desses, há três dias. 

            Para os que não o conhecem, o Siqueira é dos cirurgiões renomados desta geração. Médico de branco, eterno servo de seus mestres, e saudoso aluno do Marista cearense. E escritor de pena hábil. Autor de livro. Repito: o homem não é pouca coisa, meus caros. Há alguns anos eu dizia numa crônica ao meu querido amigo Casoba que o sujeito mais famoso que eu conhecia era ele, Casoba. E, se bem me lembro, já profetizava a fama de meu amigo Siqueira. O destino me foi generoso: acertei em cheio. Doutor Fernando Siqueira, meu xará, vive o auge de sua carreira profissional e sua fama corre solta à sua frente. Por isso aceitei de bom grado a crítica que me fez nesse nosso encontro. Disse ele que não se conformava por eu não aceitar elogios. Que eu não devia fazer assim. E disse mais: que eu estava muito negativo em meus escritos. Que eu deveria contar fatos pitorescos que, segundo ele tem certeza, eu conheço muito bem.

                De fato conheço muitos e muitos fatos ímpares. São fatos da tragicomédia da vida. Não existe fato sem tragédia. O que para um dá para sorrir, para outro dá para chorar. Nós, os expectadores, preferimos o riso ao choro. Quem quiser que vá chorar bem longe. E assim a coisa vai indo. Entretanto, creio que ele talvez tenha ficado impressionado porque andei falando sobre perdas, que na vida tudo perdemos, inclusive a própria. Ora, o discurso foi proferido em momento doloroso para um amigo que perdeu o pai. Os miasmas que me envolviam não me permitiriam chacotas e folguedos. Neste momento não havia comédia, mas dor. E os elogios? Por que não os permitir? Parece que escrevi para cegos: o elogio é a véspera da decepção! E acho que por agora ambos os assuntos estão encerrados. Desculpe-me lá o Siqueirinha, mas abandonemos essa léria.

                Ele queria que eu escrevesse sobre os bons tempos do ginásio, no marista. Em particular ele queria que eu lembrasse a zoeira que os alunos maristas faziam no ônibus de volta para casa. Sim, o lotação vinha repleto de maristas que quase saíam pelas janelas. E gritavam a não mais poder. Faziam batucada e pediam em coro para o motorista correr ao cruzar Aguanambi com Treze de Maio, porque lá havia uma lombada no asfalto e o ônibus pulava como uma bola saltitante quando passava em velocidade. Nós adorávamos aquele salto. E vaiávamos. Gritávamos: -“Motorista, cooooooorra!” As pessoas pensavam que íamos xingar o motorista, chamá-lo de “coooooooorno”... Alguém veria graça nisso hoje em dia? Naquele tempo a maioria dos motoristas gostava. Não se importava com a brincadeira. Um ou outro se enfurecia e punha-nos para fora do ônibus. Certa vez um parou o carro e veio de lá para nos pegar. Saltamos porta traseira afora como doidos. Uma jovem que subia abraçada a meia dúzia de livros e cadernos foi literalmente atropelada por nós, caindo sentada à entrada do ônibus com seu material escolar espalhado no asfalto. Voltamos para casa a pé, rindo à beça. A comédia era nossa; a tragédia dos motoristas. Não sei, não, mas hoje não vejo nenhuma graça nisso. Será que eu estou ficando caduco? Responda lá o Siqueira...

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