quinta-feira, 10 de agosto de 2023

UMA HISTÓRIA DE MULHERES

 Mulheres têm história. E histórias. No plural. Por que afirmo isso a essas alturas do campeonato? Porque conto tantas histórias cujos protagonistas são figuras masculinas que possa parecer que desconheço o fato de que as mulheres também têm suas histórias. Então, deixem-me dizer uma verdade: como têm histórias as mulheres!

Outro dia fiz um comentário sobre o pensamento de uma querida amiga e o resultado foi que acabei por magoá-la. Foi involuntário. Em nenhum momento quis lhe desdenhar a ideia. Apenas a combati – a idéia – com uma veemência tal que talvez tenha parecido a seus olhos uma audácia de minha parte. Pedi-lhe perdão pela mágoa, mas ratifiquei meu persistente desacordo com sua ideia. A mulher é um ser especial, não resta dúvida. Diz a Rita Lee que “mulher é bicho esquisito, todo mês sangra.” E diz também: “nas duas faces de Eva a bela e a fera.” E avisa repetidas vezes, com maior veemência que a minha: “por isso não provoque, não provoque, não provoque, não provoque, não...” Eu, mais ligado à melodia e à harmonia e avoado aos dizeres e alertas da letra, anos e anos ouvindo, acabei por sentir na pele o que é contrariar uma mulher.

Pergunto-me agora, no exato instante em que escrevo estas linhas, e por ter passado por essa experiência decorrente de minha mania de escrever crônicas, se não adquiri um heart’s core feeling que me impele à lonjura das histórias femininas. Gato escaldado tem medo de água fria. Mas, se fico exclusivamente em território masculino perco as miríades de possibilidades do universo feminino. Vejam que o Amorim nunca me chamou às conversas por sequer uma linha que tenha escrito sobre ele e seus inúmeros causos. E assim também o Padilha, o Chico, o Pinto, o Mesquita. Não quero concluir que as mulheres perderam seu apurado senso de humor. Não. Fica aqui registrada minha recusa em acreditar nesta possibilidade.

Se pensarmos melhor, não é que escreva sobre histórias onde os homens sejam os principais protagonistas. A verdade verdadeira é que por detrás de toda boa história “masculina” há sempre uma mulher - ou mais de uma! – a protagonizá-la. Se não, vejamos.

Tomemos o Padilha como exemplo. Nem é preciso dele contar uma história. Coloquemos como pano de fundo de qualquer de suas histórias algumas características únicas do homem. Observem que a expressão “características únicas” é um deslavado pleonasmo que me vem em socorro apenas para enfatizar o meu discurso. Já verão o que digo.

Há uma noção entre as mulheres cearenses de que o homem da terra é mal-educado e pouco ou nada cavalheiro. E – pior! – que o interesse maior do cearense com uma mulher é ir direto ao “ato”. E não há um único e solitário conterrâneo que escape a essa condenação sumária. Desde o governador até o catador de lixo passando pela elite pensante e educante, toda nossa população masculina é de trogloditas. Eles não voltam para casa – voltam para suas cavernas após o trabalho. Eu disse que há uma noção? Minto: - é uma dessas certezas que se equiparam à da morte.

Digamos, então, que todas as mulheres cearenses são, desde já e sem direito à recusa, protagonistas de qualquer história do Padilha. Por quê? Simples: o Padilha é a exceção. Ele é dessas raridades que nos envergonham e deixam a rosnar os vermes das grutas. O Padilha abre portas, puxa cadeiras, beija na mão, sorri olhando no olho, enfim, é um lord refinadíssimo. Aos que se estão roendo de inveja e procurando uma brecha para desmascarar o homem, aviso: impossível. Padilha é cavalheiro com uma mulher que conquiste desde o primeiro dia até sua morte. O problema está em provar a matéria. Padilha já casou uma penca de vezes e não parece que dará chance a provar a tese: - separou-se de todas elas. A única vingança possível é que o Padilha é nordestino, mas não é cearense.

Termino concluindo o que me parece o mais lógico. Padilha tinha de ser cearense ou as mulheres não gostam de tanto cavalheirismo assim. Essa é uma história de mulheres. Se não fosse por elas não existiria um Padilha. Perceberam?

 

Fernando Cavalcanti, 10.12.2010

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