O turno de serviço ia bem, sem intercorrências ou ocorrências. Plantão
de policial militar requer um ansiolítico prévio, quiçá dois. Digo, dose
dobrada do remédio. Mas há de ser uma que não mexa com o estado de alerta, com
o nível de consciência, com o Glasgow. Em cidade com elevado nível de
violência, ao policial que está na rua em serviço tudo pode ocorrer, inclusive
jamais voltar para casa.
Sabedor disso, Naej, ou melhor, sargento Naej sempre advertia ao
patrulheiro e ao motorista da viatura que ficassem ligados. Não podiam dar
moleza aos bandidos, notadamente os que se fazem passar por cidadãos honestos e
de índole impecável. Estavam parados na viatura numa rua residencial. Ele
estava em pé na calçada, ao lado do veículo, enquanto o patrulheiro e o
motorista, soldados da força policial, permaneciam dentro.
Dali a pouco vê uma mulher sair de um condomínio bem à frente. Era
jovem e olhava para ele. Fez um sinal acenando com a mão e pediu permissão para
se aproximar. Ele assentiu e ela veio encontrá-lo ao outro lado da rua.
– Pois não, senhora... em que podemos ajudar?
Ela se mostrava nervosa, inquieta, apreensiva.
– Queria saber se posso contar com a ajuda de vocês para resolver um
probleminha...
– Houve alguma coisa?, ele quis saber.
– Na verdade nada houve, mas estou muito temerosa que haja em breve...
– Mas... como assim?
– É o seguinte, vou tentar explicar para que o senhor entenda...
Esfregava as mãos e olhava apreensiva para os lados como e se
certificar da privacidade daquela conversa.
– Meu namorado está vindo para cá. Eu o chamei para termos uma
conversa. Eu não disse do que se tratava, mas nessa conversa pretendo terminar
com ele... já até fiz a mala colocando tudo o que dele tinha aqui no meu
apartamento...
– Mas, senhora, isso não configura uma ocorrência policial..., ele
interrompeu calmamente e já anunciando que nada tinham com isso enquanto
policiais de serviço. Ela balançou a cabeça positivamente e nervosamente continuou:
– Sim, sim, compreendo
perfeitamente! Mas, veja... por favor, deixe-me explicar! O nervosismo da jovem
senhora era cada vez mais perceptível.
– Meu namorado é um homem muito forte e muito alto... tenho muito medo
e receio que a reação dele seja a pior possível, entende?
– Entendo, senhora. Mas devo enfatizar e repetir que isso não é uma
ocorrência policial. Entendo que a senhora tema uma agressão física, mas até
que isso ocorra de fato nada podemos fazer.
Ela então explicou que apenas queria que eles permanecessem ali perto
até o momento de ela terminar a conversa com o namorado. Ele já estava a
caminho e rogava a que eles dali não saíssem antes de tudo ser dito por ela a
ele.
Naej coçou a cabeça e assentiu, dizendo que poderiam ali permanecer por
no máximo mais uns 20 minutos. Depois teria que seguir a ronda estabelecida.
– Fico muito grata a você e seus parceiros! Não sabe como isso me
tranquiliza!
Ela agora parecia mais calma e completou:
– Por favor, não querem subir para tomar uma água, um café?... ofereço
até um pouco de vinho se quiserem!
O patrulheiro se animou:
– Vixe, sargento!... Bora lá só dar uma bicadinha!
Naej, o sargento, lembrou ao soldado que não podiam ingerir álcool
estando em serviço, mas que aceitavam de bom grado um copo d’água gelada e
refrescante.
Enquanto o soldado motorista seguia na viatura já que ela não poderia
ser deixada ali sem ninguém da força policial, Naej e o segundo patrulheiro
entraram no condomínio da jovem senhora.
No apartamento contemplaram uma bem fornida adega de vinhos de boa
referência e origem, deixando o patrulheiro a lamber os beiços mal
intencionados.
– Sargento, só um golinho, vá lá..., pediu ele choroso e sôfrego, ao
que Naej cedeu enfatizando:
– Só um gole, viu??
Desceram para a viatura a seguir. Na saída pediram ao porteiro para
lhes avisar quando o jovem namorado chegasse. Imaginando o que os policiais
estariam para fazer foi logo dizendo em tom de alerta:
– São só vocês dois para segurar o homem?? E completou:
– É pouco. Não vai dar certo..., e meneava a cabeça negativamente.
Passaram-se, 10 minutos, 20 minutos, 30 minutos... e nada do homem
chegar. Sargento Naej já se impacientava a ponto quase sair dali “à revelia” da
jovem senhora desprotegida. Mas se conteve.
Só depois de mais uns 20 minutos o porteiro acenou da guarita,
apontando para a direita da rua onde um carro acabara de estacionar ao
meio-fio. Eles seguiram em direção ao veículo e observaram um homem que saía pelo
lado do motorista. Era um sujeito espantosamente alto e forte como um Hulk. Naej
imaginou que um soco do homem era capaz de matar um cidadão comum por trauma
craniano gravíssimo.
Aproximaram-se, cumprimentando-o com um caloroso “boa noite”, ao que
ele respondeu respeitosamente:
– Boa noite!... Algum problema, senhor policial?
– Podemos falar um minutinho, senhor?
– Claro, sem problema. Posso ajudá-los em alguma coisa?
Estavam, frente a frente, Naej e seu soldado e o temível gigante. Tinham
a vantagem de estar armados e ainda contar com a cobertura do motorista que, de
dentro da viatura, observava o desenrolar da “missão”. Naej foi direto:
– Temos um assunto que poderá
incomodá-lo, mas espero que compreenda...
– Em absoluto, senhor! Estou à
sua disposição! Do que se trata?...
– Bem, é seguinte... pigarreou tentando arrumar o discurso direto. “Sua
namorada nos procurou porque irá terminar o namoro com o senhor tão logo suba
ao seu encontro e teme a sua reação”. Dois ou três segundos se seguiram e continuou.
– Queremos saber se o senhor se incomodaria se subíssemos com o senhor...
O homem baixou a cabeça olhando para o chão e disse sem alterar a voz.
– É isso? Mas não precisava disso... eu seria incapaz de qualquer coisa
contra ela... por favor, me acompanhem até lá.
Depois que ele partiu levando a mala o soldado patrulheiro se animou e
perguntou.
– Sargento, vá lá! Deixa eu acariciar mais uma dosezinha daquele vinho
delicioso!
Naej olhou para a jovem e ela sorria plena e feliz, dizendo:
– Qu´é isso, sargento?... deixa o rapaz aliviar a tensão do momento... eu até o acompanho!
Saíram de lá tendo o patrulheiro entornado a garrafa inteira.