terça-feira, 25 de outubro de 2011

Frases

Sou um homem de frases.
Nada me impressiona mais do que uma boa frase. A frase inicia e termina, constrói e destrói, aproxima e afasta – a frase tudo faz, tudo realiza, tudo transmite. A frase comunica.  
Há frases e frases, diga-se. Quem não há de gostar de um fraseado melódico, tirado de um instrumento que sofre? que devaneia? que paira? A frase musical tudo diz sem dizer uma mísera palavra. A palavra solta, isolada, nada é, exceção feita à palavra-frase, ela própria a frase a tudo dizer. Assim, anelo a frase vital, essencial, pedra-de-toque do que vai na alma, quer seja bom, quer seja mau. E, vejam, não há frase mais pungente do que a sem palavras – o silêncio. O silêncio responde a altura as mais rasteiras palavras, as mais estapafúrdias idéias, os mais grotescos assaltos à nobreza de sentimentos vários.
A frase imprime na alma do ouvinte ou leitor, como marcador de gado, idéias indeléveis, sentimentos inextinguíveis e perenes. Após ela saímos doridos e mudos como as vacas de pasto, a ruminar a frase tão estupenda, tão lancinante, tão... A frase que nos tatua a alma é uma nódoa, indestrutível como uma lembrança marcante.
Outro dia – não faz tempo – ouvi uma, dirigida a mim. Era assim, imperativa e seca: -“Joga limpo!” Eu não estava a jogar jogo algum.
Deixemos de lado o contexto. As frases não requerem o contexto ou, melhor, nelas ele já vem embrulhado, como um pacote completo. As doces frases são doces desde a origem, e emanam mel dos lábios que as pronunciam. E, vamos e venhamos, há lábios de mel e lábios de fel; e há também lábios aquosos, cujo neutro sabor não fecha portas nem corações, diferentemente da frase de fel sabor.
A frase que ouvi beira o imperativo categórico exemplificado na ordem do Deus Único, -“Não matarás!”. Há nela uma nota por demais repleta de arrogância ou de incredulidade, se se levar em conta o que ela diz. “Joga limpo!” é o que se diz a quem presumidamente está a jogar sujo, ou, dito de outro modo, a quem está usando de subterfúgios e estratagemas. Mais ainda. “Joga limpo!” se diz, quando não há ludismo evidente, a quem está jogando com a vida, ela como uma partida em que se vêem as pessoas como adversários a serem vencidos ou derrotados.
Em suma: “Joga limpo!” é uma acusação, quase uma condenação.
Não me lembra que tenha dito algo. Se falei, errei. A muda frase teria sido a melhor resposta, tamanha minha indignação.

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