sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A marca da dissensão gratuita

         Uma amiga escreveu para me informar, de forma didática, e como se me fazendo um supremo favor, o seguinte: -"Mulheres não são escatológicas!"
         O caso é que escrevi um texto onde conto dos problemas digestórios de meu antigo amigo Amorim (http://umhomemdescarrado.blogspot.com/2011/11/peidorreiro.html). Sem usar da falsa modéstia, devo dizer que o episódio é por demais hilário para se o desprezar. E por que digo isso? Porque minha amiga, para completar, fuzilou: -"Não lerei!" Vejam que o título do texto, "Peidorreiro", dá bem uma noção de qual seja o mal digestivo a afligir meu querido e atribulado amigo. Alguém esperaria algo mais ou algo menos? 
        Devo dizer, assumindo desde já minha colossal ignorância, que pensei a princípio que a amiga estivesse a se referir a um suposto fim próximo de meu amigo. Imaginei que quisesse externar, falando por todas as mulheres do mundo, o elevadíssimo senso de otimismo do mulherio quanto ao fim da vida. Foi somente no segundo seguinte, quando disparou a frase que denotava sua indignação, que percebi que ela se referia à escatologia sinônimo de coprologia, o estudo científico das fezes para fins diagnósticos.
          Ela, presumi, dizia que o mulherio não se presta a este estudo, ou a conversar sobre ele, ou a ler qualquer coisa que lhes faça lembrar minimamente a sebosa matéria. Quando têm filhos não mais lhes trocam as fraldas e cueiros (Sou do tempo dos cueiros). Os pequeninos são trocados pelas babás ou pelo pai. É provável que não haja, no mundo inteiro,  uma única e solitária mulher a trabalhar em laboratório de análises clínicas, a examinar material fecal de quem quer que seja. Presumo que só homens estejam sendo contratados para essa tão ignóbil função. Há uma abjeta escassez de mulheres no laboratório, e ainda mais – há uma escassez de mulheres na Proctologia, a área da medicina que trata das doenças da parte baixa do tubo digestivo. A bem da verdade, em toda a minha vida de médico só conheci três mulheres na área da especialidade. Duas conheci pessoalmente e a terceira é uma sumidade na matéria, a doutora Angelita Habr-Gama, conhecidíssima até em além-mar. E por que tudo isso? Porque as mulheres não são escatológicas, como fez questão de frisar minha amiga.
         O que é necessário que seja dito é de uma obviedade que beira o desnecessário, e que a amiga não percebeu: o texto não foi escrito para as mulheres. O texto foi escrito para quem tem senso de humor, para quem aprecia o riso e galhofa após uma boa história, para quem aprecia banhar-se em endorfinas e exorciza a carranca. Em suma, o texto não tem outra intenção que não seja o prazer do divertimento, para os que se comprazem em se divertir com uma boa história. Acima de tudo, e numa única palavra – o texto foi escrito para o ser humano normal, sem distinção de raça, gênero, ou religião. 
       O que é provável que tenha ocorrido é que o texto foi postado em página de rede social onde abundam mulheres. Minha amiga julgou, e talvez tentasse me dizer exatamente isso, que ele não convinha bem ao "lugar". Mas... Será que todas as mulheres que o leram – se é que houve alguma destoante – pensam também que as mulheres não são escatológicas? Se for o caso estaremos diante de uma rebelião de mulheres contra um reles texto de humor. Seria a primeira revolta contra a pilhéria de salão. 
          Após sua intervenção, e ainda temendo ser mal interpretado, respondi-lhe com uma pergunta: "-E nem senso de humor têm as mulheres?" Dizem lá os entendidos da personalidade que o senso de humor é a marca de uma inteligência privilegiada. Não se fala do humor grotesco, do humor que humilha, do humor que constrange, mas do humor que se tira daquilo que de outra forma seria um fato ou um elemento natural ou até aborrecedor.  "Basta observar: quanto mais fino o humor, mais relações soube a pessoa captar entre os nomes e as coisas, os nomes e os outros nomes, as coisas e as demais coisas". Se assim for, que dizer de quem não o tem? 
           Não é uma questão de gênero, minha amiga. É uma questão de cérebro.

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