Duvidar
dá trabalho. E tudo que dá trabalho tendemos, a priori, a rejeitar. Como estamos demasiado ocupados em nossos
ordinários afazeres, levando nossas vidas tediosas em busca de não se sabe bem
o quê, largamos todas as dúvidas que diariamente nos assaltam ao longo da
estrada da vida.
Disse o
saudoso Airton Monte outro dia, numa de suas crônicas intitulada Hoje e amanhã: “Minha consentida solidão, hoje, é o melhor de mim. Será? Nada tenho a
dar ou receber. Hoje, porque as releguei ao olvido, não me acorram dúvidas nem
dívidas. Tudo em mim infantilmente, talvez, virou certeza de esperança. O dia
de sonhar acordado é hoje. Unicamente hoje. Hoje. Amanhã, não sei.” Se
pudesse diria ao Airton que amanhã seguramente lhe recidivarão as dúvidas, e
também as dívidas.
Assim,
que fazer ante a dúvida que se não vai? Resposta: fazer como o insigne
cronista, que desligou os telefones, a TV e seu radinho de pilha, e jogou ao
lixo jornais e revistas do dia; ou arregaçar as mangas e se pôr ao trabalho da
busca do esclarecimento. Eis aí o trabalho inevitável. Ou ele ou a dúvida. Como
tudo na vida, mais uma escolha a escolher.
Atente-se
que não estamos a falar da tola e abjeta dúvida, aquela que assalta somente o
pobre espírito. Esta é a birrenta, levantada apenas a serviço da troça, da pilhéria
e do deboche. Falta-lhe na essência a questão vital; falta-lhe no âmago a
pureza da outra, a legítima, a autêntica.
Mas
o que queria o Airton àquele dia? Queria sonhar acordado; e punha ênfase em seu
desejo: Hoje. Unicamente hoje. Do amanhã
não seria capaz de dar notícia. Sua certeza
de esperança preenchia sua solidão unicamente
hoje. Para tanto, desconectou-se, abstraiu-se, subtraiu-se da vida e do
meio. E rejeitava as dúvidas hoje,
unicamente hoje.
Ah...!
o poeta da prosa havia de ser apanhado e capturado em dúvidas atrozes!... Dir-se-ia
ser ele, todo ele, um oceano de questionamentos e incertezas cotidianas aliviadas
hoje, somente hoje, como que a dar-lhe
um sossego do balouçar das enormes vagas daquele infindável mar...
Com
efeito, percebe-se que duvidar dá trabalho; tanto trabalho que o poeta saiu a
confessar sua premente necessidade de sonhar acordado; talvez sonhar com um
mundo onde somente habitassem as certezas. Sabia que não é bem assim. Por isso
impunha, ao mesmo tempo em que prometia – unicamente
hoje.
Não
aventou a possibilidade de interromper o viver, de se deixar paralisar, por
quaisquer dúvidas. É possível que, em querendo tão-somente um descanso, uma
pausa, o fizesse a fim de seguir vivendo ao tom das incertezas diárias. Sim, há
de ter concluído o poeta – é imperioso seguir. É vital expor-se aos riscos, sob
pena de se deixar imobilizar por medos e pavores adquiridos alhures e há tempos.
Talvez
dissesse o poeta dos conflitos travados entre o coração e a justa e implacável razão,
embate voraz e perene enquanto dura nossa exígua perenidade, esta própria tão
duvidosa quanto o resto.
Eu,
improbo que sou aos olhos de muitos quando a deslindar meus sentimentos, fiz-me
cúmplice do poeta maior; pretendi dizer com as suas as minhas palavras; anelei,
desejei ardentemente ser poeta e expressar em semelhante lirismo quão cansado também
estou das incertezas, causa de todos os males entendidos de meu discurso.
E,
contudo, descanso. Por uma hora que seja ao dia-a-dia, recomponho em mim mesmo
as certezas de minhas intermináveis esperanças...
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