quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Esperança, minha única certeza


            Duvidar dá trabalho. E tudo que dá trabalho tendemos, a priori, a rejeitar. Como estamos demasiado ocupados em nossos ordinários afazeres, levando nossas vidas tediosas em busca de não se sabe bem o quê, largamos todas as dúvidas que diariamente nos assaltam ao longo da estrada da vida.
Disse o saudoso Airton Monte outro dia, numa de suas crônicas intitulada Hoje e amanhã: “Minha consentida solidão, hoje, é o melhor de mim. Será? Nada tenho a dar ou receber. Hoje, porque as releguei ao olvido, não me acorram dúvidas nem dívidas. Tudo em mim infantilmente, talvez, virou certeza de esperança. O dia de sonhar acordado é hoje. Unicamente hoje. Hoje. Amanhã, não sei.” Se pudesse diria ao Airton que amanhã seguramente lhe recidivarão as dúvidas, e também as dívidas.
            Assim, que fazer ante a dúvida que se não vai? Resposta: fazer como o insigne cronista, que desligou os telefones, a TV e seu radinho de pilha, e jogou ao lixo jornais e revistas do dia; ou arregaçar as mangas e se pôr ao trabalho da busca do esclarecimento. Eis aí o trabalho inevitável. Ou ele ou a dúvida. Como tudo na vida, mais uma escolha a escolher.
            Atente-se que não estamos a falar da tola e abjeta dúvida, aquela que assalta somente o pobre espírito. Esta é a birrenta, levantada apenas a serviço da troça, da pilhéria e do deboche. Falta-lhe na essência a questão vital; falta-lhe no âmago a pureza da outra, a legítima, a autêntica.
            Mas o que queria o Airton àquele dia? Queria sonhar acordado; e punha ênfase em seu desejo: Hoje. Unicamente hoje. Do amanhã não seria capaz de dar notícia. Sua certeza de esperança preenchia sua solidão unicamente hoje. Para tanto, desconectou-se, abstraiu-se, subtraiu-se da vida e do meio. E rejeitava as dúvidas hoje, unicamente hoje.
            Ah...! o poeta da prosa havia de ser apanhado e capturado em dúvidas atrozes!... Dir-se-ia ser ele, todo ele, um oceano de questionamentos e incertezas cotidianas aliviadas hoje, somente hoje, como que a dar-lhe um sossego do balouçar das enormes vagas daquele infindável mar...
            Com efeito, percebe-se que duvidar dá trabalho; tanto trabalho que o poeta saiu a confessar sua premente necessidade de sonhar acordado; talvez sonhar com um mundo onde somente habitassem as certezas. Sabia que não é bem assim. Por isso impunha, ao mesmo tempo em que prometia – unicamente hoje.
            Não aventou a possibilidade de interromper o viver, de se deixar paralisar, por quaisquer dúvidas. É possível que, em querendo tão-somente um descanso, uma pausa, o fizesse a fim de seguir vivendo ao tom das incertezas diárias. Sim, há de ter concluído o poeta – é imperioso seguir. É vital expor-se aos riscos, sob pena de se deixar imobilizar por medos e pavores adquiridos alhures e há tempos.
            Talvez dissesse o poeta dos conflitos travados entre o coração e a justa e implacável razão, embate voraz e perene enquanto dura nossa exígua perenidade, esta própria tão duvidosa quanto o resto.
            Eu, improbo que sou aos olhos de muitos quando a deslindar meus sentimentos, fiz-me cúmplice do poeta maior; pretendi dizer com as suas as minhas palavras; anelei, desejei ardentemente ser poeta e expressar em semelhante lirismo quão cansado também estou das incertezas, causa de todos os males entendidos de meu discurso.
            E, contudo, descanso. Por uma hora que seja ao dia-a-dia, recomponho em mim mesmo as certezas de minhas intermináveis esperanças... 

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