segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Pobreza sem fim...


          Deu hoje no jornal, não sei se viram – os assassinatos em Fortaleza, em um ano, subiram 47%. De 1.107 em 2011, foram para 1628 em 2012.
          No mesmo jornal, ontem, o Elio Gaspari anunciou em alto e bom som: o Brasil vai muito bem, obrigado. Para justificar o que anunciou, citou dados que confirmam que o pobre de ontem hoje viaja de avião, tem TV a cabo, compra carro e LCD.
          Outro dia outro jornalista indagava: quem não tem medo em Fortaleza? Se as pessoas podem comprar, se podem consumir – nosso “comunismo” é tão imbecil e incoerente que se o mede pela capacidade de consumo do povo; o consumo, justamente aquilo que ele, “comunismo”, combate – se podem as pessoas consumir, por que se tem medo? Aliás, não seria a distribuição de renda um fator mitigador da violência? Admito: – estou simplificando o que é mais complexo. Como diria meu amigo Danúzio Carneiro, psiquiatra de elevada estirpe, minhas análises são destituídas de fôlego teórico.
           Afinal, está ou não tudo bem? Não sei se minha burrice é capaz de acompanhar a explicação desse aparente paradoxo. Se encontrar alguma dificuldade, por favor, não estranhem os meus queridos leitores.
           É possível que o paradoxo se explique pela questão geográfica. Vai tudo bem com o Brasil, mas Fortaleza seria a gritante exceção. Seria isso, talvez.
          É possível, por outra, que se possa explicar o paradoxo assumindo que tudo possa ir muito bem, obrigado, dentro de um cenário de guerra em que a vítima possa ser qualquer um, até mesmo você. Seria possível isso? Vai ver acham que sim. Parece que o Elio Gaspari acha que seja possível. Quem saberá o que vai na cabeça de tamanha sumidade do jornalismo econômico?
          Por outro lado, digamos que o “x” da questão seja entender o que seja algo “estar ou ir muito bem”. Para o Gaspari e uma penca de gente idiota, ir bem é ter dinheiro e bens, consumir produtos e serviços, e por aí vai, nem que isso custe a paz de toda uma sociedade.
          No outro jornal a mais nova era "Cai número de assassinatos no Estado do Rio". Lá mataram 3.650 pessoas em 2012, entre fluminenses e cariocas, uma redução de 7,2% em relação a 2011. 
          O que faltou às matérias dos jornais foi a entrevista com o sociólogo. De preferência um de "esquerda". E o que ele, ou ela, diria? Diria que a exclusão social etc. etc. etc.... Seria uma lengalenga daquelas que já estamos acostumados a ler, ouvir e ver. Pareceria que a entrevista estaria sendo feita à época dos governos "a serviço do imperialismo americano e do capitalismo". Ninguém haveria de se lembrar que há mais de dez anos respiramos a atmosfera das mudanças promovidas por governos nitidamente populares. 
          O Elio Gaspari, em seu artigo, distribuiu elogios a todos os governos recentes, desde o de Itamar Franco – não seria do Collor? – até o da senhora Roussef. Segundo ele, o Brasil vai muito bem porquanto todos deram a isso sua contribuição. Não sei se o jornalista leva em conta o fato de que, ao se mexer nas engrenagens de um país claudicante como o nosso, os resultados dos reparos somente hão de ser vistos décadas após. Portanto, a herança dos mais ainda recentes, os de "esquerda", só será melhor apreciada no porvir. Aguardemos. Quem viver verá. 
          Mas, e os assassinatos? E nossa guerra? Quem dá jeito? Que têm os governos com isso? Fortaleza está aí como um campo de guerra. O mapa da violência demonstra com clareza: morre mais gente pobre e em bairros pobres. Vou pelas beiradas como quem come papa, que talvez haja um sociólogo comunista a ler-me e estarei em maus lençóis. (Sociólogo comunista é uma deslavada tautologia, se me permitem.) 
          Se estão matando os pobres numa chacina desenfreada, dentro em breve não haverá mais deles. Era assim que os últimos governos, os populares, tencionavam acabar com a pobreza? Eu julgava que eles fossem mudar o cenário das oportunidades; julgava que fossem transformar o judiciário de cima a baixo, de cabo a rabo, de vante à ré; julgava que fossem melhorar o ambiente de negócios; julgava que fossem jogar quase todo o dinheiro dos impostos na Educação; julgava que fariam o que os governos "capitalistas" supostamente, e segundo eles, não fizeram.
          Mas deixemos essas macro-questões e pensemos só em Fortaleza. Dizem que é a quinta cidade do mundo onde o fosso entre ricos e pobres é mais profundo. Essa é a cidade do salário mínimo. Quem aqui vive, sabe. Imaginem se não houvesse o salário mínimo. Teríamos aqui o retorno da escravidão ou quase isso. No mínimo o salário mínimo impede a volta dos navios negreiros.
          O rico daqui mora em mansões de muros altíssimos, ou em prédios cercados como penitenciárias. A seus funcionários pagam o tal salário mínimo, e os de bons currículos são impiedosamente rejeitados – dizem que não têm como pagá-los. Afinal, oferecem serviços de baixíssima qualidade, enquanto nossa indústria continua quase como há cinqüenta anos. Juízes e desembargadores bebem uísque com legisladores e executivos corruptos, enquanto jornalistas hipócritas e pseudo-cultos lhes emolduram os encontros em society pages de seus marrons jornais. 
          Nossos garçons são despreparados, nossos vendedores idem, e quem não tem renda que preste recorre ao governo pedindo seu "bolsa". Os outros, jovens aguerridos e testosteronizados, vão para o crack como usuário ou traficante e lá, cedo ou tarde, dão entrada no hospital ou no Instituto a fim de serem necropsiados. 
         Quem arrisca um palpite para o ano corrente quanto ao número de gente a morrer por obra de outrem? Tudo está como estava, nada foi feito. Tudo é como era, nada mudou. Porque em nossas cabeças trazemos mais do mesmo – uma pobreza sem fim.

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