segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Sobre tragédias

          Alguém da imprensa dirá que não, mas as tragédias são lucrativas para a mídia. Um avião que caia, um morro que desabe a cada janeiro na estação chuvosa soterrando compatriotas teimosos, uma chacina no cenário do incombatível tráfico, tudo é foco na lente inescrupulosa dos que tomam para si a missão de informar. Estamos, agora, sendo alvos da exposição do intenso sofrimento de famílias de jovens mortos que não deveriam estar mortos.
          Em sua página na web (http://www.gabeira.com.br/wordpress/2013/01/santa-maria-as-causas/) diz o Fernando Gabeira: "Nos quase dez anos que vivi na Suécia, percebi que existe uma diferença essencial entre países avançados e atrasados. Esta diferença é o respeito pela vida humana, presente não só  nas leis mas nas atitudes do dia a dia." Ele se refere aos inúmeros descasos que se evidenciam na tragédia da boate em Santa Maria. Ele disse, de fato, que o brasileiro não tem respeito pela vida humana.
          Se na Suécia e nos outros países do Velho Continente, ou desenvolvidos de outras partes do mundo, se tem hoje extremo respeito pela vida humana é porque nesses lugares já se a desprezou em demasia ontem. Só a dor das tragédias, das grandes tragédias, das tragédias que acometem o maior número de cidadãos de uma nação, tem o poder de mover o coração de seus habitantes na direção oposta. 
          Sim, temos tragédias. No Brasil há tragédias. Mas são tragédias pontuais, tragédias que poupam bastantes pessoas, a maioria, a esmagadora maioria. Nossas tragédias, e até usando como exemplo a atual de Santa Maria, afetam poucas pessoas. Nesta, em particular, foram afetadas duzentas e tantas famílias. E só. Se o país guarda 50 milhões de famílias, qual o poder do sofrimento dessas poucas para mudar nosso desdém pela vida humana? 
          O que quero dizer é que há apenas 500 anos iniciaram-se nossas tragédias, e de lá para cá as temos aperfeiçoado e multiplicado competentemente. Entretanto, e para a infelicidade dos que estão ainda por vir, é provável que nem nos próximos 500 anos tenhamos gerado a grande e necessária tragédia nacional. As tragédias pontuais, aquelas que afligem apenas poucos de nós, continuarão por mais esses tais 500 anos a indignar os indignáveis e a poupar os que têm sorte. E é exatamente nessa loteria onde está o nosso grande mal, a nossa grande deficiência. A tragédia que afetasse a pelo menos a maioria de nossas famílias, entre ricos, não-ricos e pobres, seria a essencial, a que mudaria nosso destino, a que nos transformaria de medíocres e pobres em grandes e ricos. 
          Imaginei para nós o grande terremoto de 9 graus na Escala Richter que baloiçasse todo o território nacional, mas me vi diante de grave problema. Um tremor dessa magnitude poria em sério e real risco a própria viabilidade do planeta, de modo que ela não nos serviria. De nada nos serviria a grande e redentora tragédia se o preço a ser pago fosse o fim do mundo. O terremoto em área restrita, que abalasse somente o Piauí, por exemplo, também em nada ajudaria. Faria o Piauí mais pobre e menos populoso e iludiria o resto de nós com a a falsa sensação de segurança, tal qual nos acontece quando apreciamos a tragédia que cerceia a vida de outros concidadãos. Já o abalo em São Paulo só se prestaria a uma majoração de nossos impostos para compensar o baque de nosso centro financeiro, e de impostos elevados – outra de nossas tragédias – já nos acostumamos sem uma reação à altura. No Japão o grande tremor dá certo porque é um pequeno país que sofre nacionais e milenares tragédias. Os japoneses o reconstruíram já nem sabem quantas vezes.
          Considerei uma grave epidemia a afetar vários de nossos Estados, mas o avanço da medicina atual e o risco a que se submeteriam outros países impediriam que essa evoluísse como nossa imperiosa hecatombe. 
          Excluí um evento cósmico como o choque de um asteróide de 12 quilômetros de diâmetro a se espatifar em território nacional pelas mesmas razões já aventadas ao tremor de terra.
          Assim, restou apenas e unicamente a guerra onde morreriam milhões de brasileiros, jovens e não tão jovens, pretos e brancos, ricos e pobres. A guerra contra um poderoso país havia de nos redimir de nossas mazelas, se nossos vícios, de nossa hipoestesia, de nossa indolência e permissividade. Essa, sim, a guerra, bem seria possível de nos aparar os modos e depurar nossas chagas, porque foi o que ela fez aos povos que muito guerrearam, e que nela muito morreram, e que muito sofreram com seus horrores. O diabo é que com a guerra também me deparei com problema sério e irremediável: – não há um único país que necessite guerrear conosco para conseguir de nós o que quer. Todos os que intentam nos explorar ou conseguir de nós o que querem são muito bem sucedidos. Nós somos uma mãe para todos e lhes entregamos de bandeja todas as nossas riquezas e valores sem um mínimo de pudor. Eles não precisam tomar de nós nada do que querem. Conseguem todas as vantagens sobre nós sem disparar um mísero tiro de espingarda de chumbinho. 
          Assim, nossa guerra teria de ser com o próprio brasileiro, o mau brasileiro, o grande mal desse rincão. Como o mau brasileiro é figura das mais comuns do Oiapoque ao Chuí e do Cabedelo ao Xapuri, percebe-se claramente a gravidade de nossa situação, em como estamos enfronhados em equação do décimo grau sem solução no conjunto dos números reais. De tragédia em tragédia vamos vivendo a vidinha que escolhemos viver, enquanto os de menor sorte perecem evitavelmente e escabrosamente a olhos vistos.

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