terça-feira, 27 de março de 2012

Paulão


O codinome era “Paulão”.
De fato, era um homem grande e alto. O aumentativo vinha bem a calhar. Numa terra onde a estatura mediana configura-se o mais comum, ser “Paulão” seria, no mínimo, uma singularidade.
            Casado, pai de filhos, bem apessoado e de nobre profissão, tinha taras. A mulher sequer imaginava. E era uma bela mulher, diga-se. Quem há de explicar tais e quais desvios? Até então ninguém de nada sabia. “Paulão” era conhecido apenas nos círculos do submundo da pornografia e do sexo livre. 
Ser “Paulão” era dar vida à outra personalidade encravada e oculta na essência do homem de bem. Tinha agenda com mais de uma centena de nomes, mulheres dadas a programas, realizadoras dos sonhos impossíveis da vida normal.
Fora da vida profissional, social e familiar era um devasso desconhecido. Ninguém diria ou imaginaria que nele existiria outro ser, outra personalidade, outra entidade, completamente diversa da que todos conheciam. O temperamento sereno, o sorriso franco, os modos calculados e comedidos, tudo lhe cobria daquela virtude indubitável e inerente a homens como ele.

                                               ***

A desconhecida avançou contra o carro. Ele vinha com a mulher, que a tudo assistia boquiaberta:
- Cachorro! Vagabundo! Canalha! Tu me paga, seu filho da puta! Vou te processar! Viado!
Esmurrava o vidro lateral e dava chutes na lataria. A sorte foi o porteiro, que saiu da guarita e de lá veio socorrer o casal. Segurava a desconhecida enquanto ele acelerava o carro.
A mulher quis saber: conhecia aquela pessoa? aquela sirigaita? Ele nunca a tinha visto, garantia. Teria bebido ou seria maluca.
Na volta a mulher foi ter com o porteiro. O coitado nada entendera. A mulher não dizia coisa com coisa.
Deixou-se o dito pelo não dito.

                                                ***

Ela vinha voltando para casa quando viu acesa a luz do apartamento. Era um apartamento, uma herança ou coisa que o valha, que tinham perto de casa e que pretendiam alugar. Muito esquisito aquela luz acesa num imóvel que estava vazio, fechado, esperando gente para habitar. Seria possível que a faxineira a tivesse esquecido? Foi em casa buscar o molho de chaves.
Quando entrou, a surpresa: “Paulão”, o marido, de cuecas na companhia de uma pequena menos vestida ainda. Entendeu tudo: - já haviam consumado o ato e estavam a se despedir.
Não houve bate-boca. Ele se explicou se dizendo insatisfeito em casa.
A mulher correu para casa a chorar. Já se sentia a responsável, a culpada de tudo.

                                                 ***

Em meio à correspondência veio o envelope com o brasão da polícia, endereçado a ele. Abriu. O delegado o chamava para depor num caso em que uma mulher o denunciava e o acusava de difamação.
A desconhecida que lhe assaltara à saída de casa o acusava de ele ter posto na rede mundial de computadores um filme que fizera, ela nua em pelo e em cenas de sexo com ele. O delegado foi logo dizendo: -“Doutor, o negócio tá difícil. A mulher tá cheia de provas contra o senhor. Vou ter que abrir um inquérito.”
Apavorou-se. O jeito era chamar advogado amigo do tal delegado. O causídico lá foi e conseguiu abrandar a gravidade da situação. Cobrou um preço sem o confessar, no entanto: relatou tudo à mulher de “Paulão”.
Percebendo que a situação do marido era mais grave do que supunha ao início, tomou a decisão radical: iriam morar no estrangeiro, onde ele pudesse se “recuperar” de suas estripulias. Rapidamente arranjou um mestrado no outro lado do mundo, e partiram com os filhos.

                                                ***

Haviam voltado há pouco mais de um ano depois de quase quatro fora. A lonjura das terras estranhas e o passar do tempo deixaram aqueles fatos no esquecimento. Tudo ia bem, até o dia em que a mulher descobriu a agenda, a de mais de cem mulheres. Eram nomes, telefones, endereços eletrônicos, e até endereços residenciais. “Paulão” lá escrevera até as próprias senhas, que eram tantas para confundir.
Ela passou a semana a buscar os sites na internet onde “Paulão” costumava arrebanhar aquele povo. Entrava e ficava ali, vendo aquelas pessoas conversar sobre sexo e combinar encontros e orgias. Resolveu ela também virar um personagem. Queria saber até onde teria ido o marido, como se já ainda fosse preciso. Entrava a conversar com homens à procura dele.

                                                ***


Estava no trabalho à noite. Abriu o computador em momento de descanso e saiu em busca de nova presa. Parecia ter conhecido uma mulher bem interessante. Conversa vai, conversa vem, ela pediu que ligasse a câmera. Queria conhecê-lo antes do primeiro encontro. Era normal, tendo em vista os propósitos dos interlocutores daquele ambiente virtual.
Quase teve um infarto quando viu quem estava do outro lado: era a fulana, sua mulher. Foi ligar e dar com a mão no aparelho fazendo-o cair ao chão e desligá-lo com o baque.
Ao chegar à casa suas malas estavam prontas. Ela não queria mais vê-lo nem vestido em ouro. Sem mais tencionar manter-lhe a pose, abriu o jogo com a família – casara-se com um maníaco sexual. Ele, contudo, mantém até hoje o ar de homem sério e normal. Vendo ninguém acredita. Quem te conhece que te compre.

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