quinta-feira, 27 de junho de 2013

Quanto mais chefe mais chifres...


               Nunca quis ser chefe. Ser chefe é das atividades mais desafiadoras do ser humano. Para se ter uma idéia, os animais não têm chefe, embora haja chefes que mais se assemelhem a animais. Com efeito, esta é uma afirmação/comparação injusta. Com os animais. Os animais são puros, não têm malícia, não agem segundo ardis premeditadamente engendrados. Assim, nenhum chefe há de ser comparado a qualquer animal: - os animais não merecem.
               Paremos um pouco. Falando assim deixo transparecer que sou um ativo e ferrenho opositor à atividade de chefiar, o que não é o caso. Ao contrário, sou a favor do chefe, de qualquer chefe. O diabo é o chefe estar a meu favor. Alguém dirá que o chefe tem que agir e tomar as decisões que beneficiem o serviço ou o setor que chefia; e que, se me contraponho aos chefes, estou a me contrapor à ordem e à eficiência e à eficácia. Repito: - não é o caso. Como funcionário público comprometido com a filosofia dos melhores meios para se atingir os melhores fins, conheço chefes e chefes... De chefes eu entendo, eis o que queria dizer.
               Há que se ter maturidade tanto para chefiar quanto para ser chefiado. Falta a muitos chefiados, por exemplo, a madureza de se deixar chefiar. Por exemplo, já surpreendi muitos chefiados a detestar o chefe quando, de fato, experimentavam, eles próprios, um comportamento regressivo. O chefe tomou uma medida drástica. E a tomou porque assim o cargo exigia. Se não agisse daquela forma, não estaria fazendo o que um chefe deveria fazer diante daquela situação. Seu nome era fulano. Quem estava tomando aquela atitude não era o fulano, mas "o chefe". Não sei se me faço entender, mas aí está bem explicado.
               O que quero dizer é que, quando o sujeito é chefe, ele deixa de ser o fulano. O fulano tem mulher, filhos, amante, contas a pagar, torce pelo Corinthians, etc. etc. etc. O chefe não tem nada disso. O chefe é quase um ser etéreo, sobrenatural, imponderável. O chefe só pisa ao chão para não desafiar a lei da gravidade. Em suma, chefe tem que ser duro mesmo. Tem que ter cara de turrão, de pouca simpatia, de poucos amigos. A recíproca é dessas verdades absolutas: - quando o sujeito é o fulano, deixa ele de ser chefe. Chefe não tem nome. Chefe quando se torna chefe deveria ir ao cartório cancelar a certidão de nascimento. Em resumo, todo chefe deixa de ser gente.
               Chefe-amigo não presta. Entenda-se: - não presta para ser chefe. Chefe-amigo tem que continuar sendo amigo, senão ou vai deixar de ser chefe ou vai deixar de ser amigo. Chefe-família é pior. Contratar parente é a pior desgraça que um chefe pode fazer, se o chefe for o dono do negócio.  Quando o chefe é chefe no serviço público e contrata família chama-se a isso nepotismo. No nepotismo o chefe joga a eficácia e a eficiência no camburão do lixo. Por isso não existe nepotismo na iniciativa privada. É muito fácil se locupletar do que é dos outros. Só o gestor público atira no próprio pé, quando, de fato, não é o pé dele, mas o do povo. Só atira no próprio pé o masoquista ou o suicida caolho, que não sabe nem onde é a cabeça. 
               Mas o pior é o chefe bundão, o chefe que tem medo dos chefiados. Esse tipo de chefe é o pior porque oprime a quem não deveria oprimir. Parece que estou a plantar uma incoerência, mas explico em seguida. 
               Há organogramas confusos, onde a hierarquia prima pela confusão. Como assim?, indagará alguém e com razão. Há organogramas em que há o chefe na cabeça da estrutura e abaixo o resto, a gentália, a miudeza, a arraia miúda. Apenas um detalhe faz a diferença: - na arraia miúda há comparsas do chefe que, por ligação curricular com ele, funcionam como chefes adjuntos, chefes ocultos, chefes paralelos que, repletos de interesses a serem defendidos e resguardados, estão afinados em fins. A ligação funcional é o que os faz sentir, como numa oligarquia, donos do poder e daquela chefia. O chefe torna-se, então, apenas um instrumento do grupo. Mais uma vez, óbvio é que isso só acontece no serviço público, lugar de todas orgias e de todas as prostituições sociais. É onde estão os piores chefes, os corruptos e os bundas-moles. 
               Nada de santo. Não sou santo. Mas do cargo de chefia nada quero. Nem o percentual no contra-cheque. (Cá entre nós, há termo mais apropriado ao documento que recebemos como demonstrativo de nossos vencimentos?) Diz o velho adágio: - quanto mais chefe mais chifres. Uma bobagem enorme. Tanto os chefes quanto os chefiados são passivos de chifres igualmente. Mas que os chefes mais o merecem isso não vou negar.
               

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