terça-feira, 17 de março de 2015

PENSAMENTO COMUNISTA

          Quem o relata é o escritor norte-americano Irving Stone, morto em 1989, em seu “Lust For Life – A Vida Apaixonada de van Gogh”, de 1934.
          Foi no Café Bortignolles, em Paris. Corria o ano de 1886. Todos estavam lá – Paul Cézanne, Theo e Vincent van Gogh, Georges Seurat, Henri Rousseau, Paul Gauguin, Anquetin, Henri de Toulouse-Lautrec e Émile Zola.
          À exceção dos van Gogh, eram todos comunistas. Principalmente Zola.
         Em dado momento, Zola e Vincent van Gogh ficam sozinhos na mesma mesa. Ambos acabaram de se conhecer. Em dado momento da conversa, Zola diz (a transcrição é literal a partir do romance de Stone):
       –“Parte meu coração ver Cézanne desperdiçar sua vida dessa maneira fantástica . Ele deveria voltar para Aix e assumir a posição do pai no banco. Do jeito que as coisas estão agora... algum dia ele ainda se enforcará... como eu previ em 'L'Oeuvre'. Já leu esse livro, monsieur”?
          –“Ainda não. Acabei de ler 'Germinal'”.
          –“É mesmo? E o que achou”?
          –“Acho que é a melhor coisa desde Balzac”.
       –“É a minha obra-prima. Apareceu en feuilleton emGil Blasno ano passado. Ganhei um bom dinheiro por isso. E agora o livro vendeu mais de sessenta mil exemplares. Minha renda nunca foi tão grande quanto agora. Pretendo acrescentar uma nova ala à minha casa em Medan. O livro já causou quatro greves e revoltas nas regiões mineiras da França. 'Germinal' provocará uma gigantesca revolução. E quando isso acontecer, adeus ao capitalismo”! (Os grifos são sempre meus.)
          Zola continua: –“Que tipo de coisa pinta, monsieur... Qual foi mesmo o seu primeiro nome que Gauguin disse”?
           –“Vincent... Vincent van Gogh. Theo van Gogh é meu irmão”.
        Zola largou o lápis com que escrevia no tampo de pedra da mesa e olhou fixamente para Vincent.
          –“Estranho”...
           –“O quê”?
           –“Seu nome. Já o ouvi em algum lugar antes”.
           –“Talvez Theo lhe tenha mencionado”.
         –“Ele me falou de você, mas não foi isso. Ei, espere um instante! Foi... foi... 'Germinal'! Já esteve alguma vez nas regiões mineiras”?
          –“Já, sim. Vivi durante dois anos na Borinage belga”.
           –“A Borinage! Petit Wasmes! Marcasse”!
           Os olhos grandes de Zola quase saltaram para fora do rosto rotundo e barbudo.
            –“Então você é o segundo advento de Cristo”!
           Vincent corou. –“O que está querendo dizer com isso”?
        –“Passei cinco semanas na Borinage, recolhendo material para 'Germinal'. Os gueules noires falam de um homem-Cristo que trabalhou entre eles como um evangelista”.
          –“Fale baixo, por favor”!
          Zola cruzou as mãos sobre a enorme barriga e empurrou-a para dentro.
        –“Não precisa se envergonhar, Vincent. O que você tentou realizar ali foi meritório. Apenas escolheu o meio errado. A religião nunca levará as pessoas a parte alguma. Somente os fracos de espírito aceitarão a miséria neste mundo pela promessa de bem-aventurança no outro”.
           –“Descobri isso tarde demais”.
          –“Você passou dois anos na Borinage, Vincent. Deu aos outros sua comida, seu dinheiro, suas roupas. Trabalhou quase até morte. E o que conseguiu em troca? Nada. Eles o chamaram de louco e o expulsaram da Igreja. E quando você partiu as condições não estavam melhores do que na ocasião em que chegou”.
            –“Estavam piores.
       –“Mas meu meio produzirá resultados. A palavra escrita causará a revolução. Todo mineiro alfabetizado da Bélgica e da França já leu meu livro. Não há um café ou uma cabana miserável em toda a região que não tenha um exemplar bem folheado de 'Germinal'. Os que não sabem ler ouvem a leitura dos outros muitas vezes. Já ocorreram quatro greves. E muitas outras parecem iminentes. Toda a região está se levantando. 'Germinal' criará uma nova sociedade onde sua religião nada podia fazer. E o que eu tenho como a minha recompensa”?
            –“O quê”? 
            – “Francos. Milhares e milhares de francos. Quer me acompanhar numa bebida”?

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