“Navegar é
preciso; viver não é preciso” (Pompeu, general romano, séc. I A.C.)
Tempos atrás contei aqui como Lucídia, a mulher,
amou não o homem, mas o que ele era e, mais do que o que ele era, amou o homem
que viria a ser (http://umhomemdescarrado.blogspot.com.br/2014/04/geracao-y.html).
Sim, claro ficou depois que ela não amava o homem Edísio, mas a pose que ele
seria ao se tornar um neurocirurgião. Amava um status, uma posição, uma função
nobre a ser exercida pelo marido. No momento em que ele desistiu, morreu o amor
de Lucídia. Para ela, Edísio não existia, simplesmente não existia. Ela havia construído em sua mente todo um
cenário, toda uma realidade congelada e engessada. Frustrada a certeza da não
materialização dessa realidade, o homem passou a ser, para ela, um estorvo, um
obstáculo, um peso a ser descartado. E assim foi.
Ah... como sofrem os que tentam engessar a vida! os
que pensam a realidade como o resultado futuro de suas equações
milimetricamente montadas, esquecendo-se de que a vida não segue uma trajetória
linear e perfeitamente previsível...! Pensam e calculam a vida como uma equação
matemática de variáveis simples e limitadas, sem levar em conta a
imponderabilidade de tudo e suas contingências. Como sobreviver emocionalmente
diante desse fato absolutamente incompreensível chamado vida? Tentar
compreendê-lo é, por si só, um exercício inútil e fadado ao fracasso. Que se faz da vida?, há de perguntar o leitor.
A vida simplesmente vive-se sabendo-se que o viver é uma infinitude de incertezas
e indefinições constantes, peremptórias e inexoráveis. Esperar o máximo do
resultado aleatório de nossas equações é no mínimo estúpido, além de pouco
sábio.
Fui impelido a essas reflexões por presenciar
amiúde tal pretensão de alguns. Sim, há cada vez mais gente tentando calcular a
vida a partir de racionalizações incompatíveis com o fenômeno da vida. O
fenômeno vida não é uma viagem a Marte onde tudo pode ser submetido a cálculos
matemáticos complicados, apesar da distância enorme, das ameaças constantes e
de uma série ilimitada de imprevistos que acabam ficando de fora de uma lista
interminável de previstos. É quase certo e bastante possível que, apesar de
tudo isso, chegue-se lá e se desça à superfície do planeta no local e hora
inicialmente estipulados. O mesmo, repito, não se pode dizer da vida.
Essas pessoas amiúde perdem chances, instantes,
janelas de felicidade. Sim, porque segundo o Jorge Luís Borges em seu poema
que, de fato, não é seu e, sim, da norte-americana Nadine Stair, “se eu pudesse
voltar a viver trataria somente de ter bons momentos; porque se não sabem,
disso é feita a vida, só de momentos”. O custo de oportunidade daqueles que se
pautam numa falsa matemática do viver é elevadíssimo. Inclui a subtração das
contingências mais sublimes, dos fulgores mais brilhantes, das boas mais
arraigadas e duradouras emoções da vida.
Sim, as emoções duradouras... Alguém dirá ser isso
uma contradição, as emoções duradouras. Como sentir emoções duradouras em
ambiente de persistentes e inarredáveis surpresas, muitas delas indesejáveis e
também recalcitrantes? Resposta: apenas sentindo, deixando-se sentir;
mantendo-as vivas e, diria até, fazendo delas uma obsessão pessoal. O que
pretende calcular a vida quer rejeitá-las, reprimi-las e sufocá-las, o que
acaba por tornar essas pessoas ocas como uma bola de algodão. Tentar compreender
o incompreensível é inútil, convém repetir. Além de frustrante.
Não sei como está Lucídia. Não sei se vive feliz
com seu novo modelo de amor. Posso apenas especular que há de ter saído em
busca de outro alguém que coubesse em sua fôrma. É muito possível que tenha
encontrado. Sempre há quem se candidate a ser modelo para alguém. Estará feliz?
Quem sabe... a felicidade é algo fugidio. Talvez para essas pessoas o
sentimento de felicidade seja apenas esse. Por dentro, seu universo emocional
há de ser muito semelhante ao de qualquer um. Afinal, somos todos susceptíveis às
inseguranças do viver, ainda que rejeitemos muito do que faz sofrer.
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